O elevado patamar de juros global foi incapaz de diminuir o apetite das empresas por novas fontes de crédito. As maiores companhias de capital aberto do planeta registraram o recorde de US$ 8,18 trilhões (cerca de R$ 45,75 trilhões no câmbio atual) em empréstimos líquidos em 2023/24, de acordo com o Índice de Dívida Corporativa Global anual da Janus Henderson, obtido em primeira mão pelo Seu Dinheiro.

A cifra equivale a um aumento de 4,9% no comparativo anual, equivalente a US$ 378 bilhões (R$ 2,11 trilhões).

Apesar de estar nas máximas, o montante sinaliza ainda os sinais de pressão do aperto monetário, com um crescimento anual significativamente inferior ao de 2022/23 e ao de 2018 e 2019.

“As taxas de juro mais elevadas foram claramente um fator de moderação do apetite para contrair empréstimos ao longo do último ano”, afirma a gestora em relatório.

“Taxas mais elevadas significaram um aumento mais lento do endividamento e menos empresas a expandirem os seus balanços, mas o último ano ainda assistiu a um apetite saudável por empréstimos.”

Vale destacar que o índice considera 933 empresas de todo o mundo com maiores valores de mercado (market cap), excluído o setor financeiro, com todas as cifras em moeda corrente, sem flutuação cambial.

De olho na dívida das empresas

De acordo com os analistas, demorou, mas o impacto das elevadas taxas de juros realmente começou a se fazer sentir nas operações das empresas.

As empresas listadas atingiram o pico de pagamento de juros no período, com o depósito de US$ 458 bilhões (equivalente a R$ 2,56 trilhões no câmbio atual) a bancos e detentores de títulos.

O montante equivale a um aumento de 24,4% em relação ao ano anterior, quando a quantia chegava a US$ 368 bilhões.

Segundo a gestora, os custos do serviço da dívida — isto é, o valor total pago em juros sobre um empréstimo ao longo de um determinado período — estão em níveis recordes em todos os países do índice e em todos os setores.

Os custos de juros mais elevados consumiram 12,4% dos lucros operacionais em 2023/24 — e a expectativa da Janus Henderson é que eles dêem uma mordida ainda maior no próximo ano.

“Ao longo do próximo ano, esperamos ver os custos dos juros continuarem a subir, mesmo quando os bancos centrais começarem a cortar as taxas. Isso reflete o refinanciamento constante de obrigações e empréstimos vencidos com taxas baixas e empréstimos mais caros.”

De acordo com o relatório, a rentabilidade total das empresas globais (excluindo o setor financeiro) caiu 7,7% em 2023/24 a nível global, com impacto dos preços mais baixos de energia e quedas na mineração.

“Apesar dos aumentos modestos no endividamento e do forte aumento nos custos do serviço da dívida, não há indicação de que as maiores empresas do mundo estejam coletivamente sobreendividadas”, destacou a gestora.

Como está a situação global da dívida corporativa

Do lado dos emergentes, as dívidas registraram leve queda neste ano em relação a 2022, já que as taxas de juros mais altas dissuadiram a tomada de empréstimos, de acordo com a Janus Henderson.

No Brasil, a dívida líquida no Brasil aumentou 4,6%, impulsionada pelo aumento dos débitos da Vale (VALE3) para financiar investimentos, dividendos e recompra de ações.

Por sua vez, o Japão foi o país que registrou aumentos mais rápidos, com os incrementos das taxas a partir de níveis próximos de zero elevando os custos de juros em 39% em relação ao ano anterior e para mais que o dobro do total de 2020/21.

Na Europa, os custos de juros também aumentaram 28% em moeda constante em 2023/24, um segundo ano consecutivo de aumentos rápidos, apesar de os níveis de endividamento terem se mantido praticamente estáveis por cinco anos. As empresas da região agora estão arcando com uma conta de juros 54% maior do que em 2020/21.

Já as empresas norte-americanas levaram muito mais tempo para sentir os efeitos das taxas de juros mais altas, devido ao maior financiamento de longo prazo por meio do mercado de títulos de dívidas no exterior (bonds).

“Nos Estados Unidos, onde os efeitos das taxas de juros mais altas demoraram em ter efeito, as empresas começaram a sentir esse impacto com um aumento de 23% em 2023/24, uma vez que os títulos foram constantemente refinanciados com taxas de juros mais altas”, afirmou a gestora.

Já a China, a Tailândia e o México estão entre os países que registraram dívidas mais baixas, segundo o levantamento.

A queda de 4,2% das dívidas corporativas na China em 2023/24 foi ajudada pelos fortes fluxos de caixa de empresas como Alibaba — dona do AliExpress —, Tencent, PetroChina e Amperex.

Entre empréstimos e caixa líquido

As montadoras de veículos se tornaram algumas das empresas mais endividadas do mundo — e foram as que mais tomaram empréstimos em 2024, segundo a Janus Henderson.

Como as fabricantes de automóveis tiveram um aumento nas vendas, isso elevou significativamente a necessidade de capital de giro, especialmente em relação ao financiamento fornecido aos clientes.

Com isso, a Volkswagen recuperou sua posição como a empresa mais endividada do mundo durante o ano.

Além disso, de acordo com o estudo, operações de aquisições e fusões (M&As) foram as principais catalisadoras do aumento do endividamento líquido das empresas.

O setor de saúde foi responsável por quase um terço do avanço, com negócios como a compra da Seagen pela Pfizer e a aquisição da Horizon pela Amgen.

“Algumas empresas de vários setores, como Chevron, Engie, Equinor, BHP e RTX, não tinham fluxo de caixa suficiente para cobrir os dividendos prometidos e as recompras de ações e, por isso, pediram emprestado a diferença”, afirmou a Janus Henderson.

Os proventos dessas companhias saltaram para o recorde de US$ 1,08 trilhão no último ano, enquanto as recompras de ações totalizaram US$ 667 bilhões.

Veja as 10 empresas que mais contraíram empréstimos neste ano:

Empresa Total de novos empréstimos (US$)
Volkswagen US$ 196 bilhões
Toyota US$ 179 bilhões
Verizon Communications US$ 172 bilhões
AT&T US$ 152 bilhões
Deutsche Telekom US$ 150 bilhões
Ford US$ 111 bilhões
Charter Communications US$ 98 bilhões
Comcast Corporation US$ 97 bilhões
Mercedes-Benz US$ 96 bilhões
General Motors US$ 94 bilhões
Total US$ 1,34 trilhão

Fonte: Janus Henderson.

Por sua vez, as 7 maiores empresas de tecnologia dos EUA viram o caixa líquido aumentar em US$ 52 bilhões, apesar das enormes distribuições de dividendos e recompras de ações.

Juntas, essas companhias desembolsaram cerca de US$ 210 bilhões em proventos e aquisições de papéis.

Com isso, a Alphabet, dona do Google, continuou sendo a empresa mais rica em caixa do mundo.

Confira as empresas mais ricas em caixa em 2024:

Empresa Caixa líquido (US$)
Alphabet (dona do Google) US$ 81 bilhões
China Mobile Limited US$ 71 bilhões
Samsung US$ 62 bilhões
Alibaba US$ 61 bilhões
Apple US$ 38 bilhões
PDD Holdings US$ 38 bilhões
Microsoft US$ 32 bilhões
Meta Platforms US$ 28 bilhões
Taiwan Semiconductor Manufacturing US$ 24 bilhões
Stellantis US$ 21 bilhões
Total US$ 455 bilhões

Fonte: Janus Henderson.

O que vem pela frente?

Na avaliação da Janus Henderson, os níveis de endividamento das empresas devem continuar a aumentar em 2024/25.

Porém, o crescimento deve desacelerar o passo, para uma expansão de 2,5% na comparação anual, ao recorde de US$ 8,38 trilhões……..

As economias resistiram bem às taxas mais altas e parecem estar aterrissando de forma relativamente suave. À medida que o ciclo de taxas finalmente se tornar descendente, os bonds terão um bom desempenho com a queda dos rendimentos, gerando retornos de capital para os investidores”leia mais em Seu Dinheiro 01/07/2024