Acionistas da IMC querem prêmio na fusão com a Sapore
A Sapore – a maior companhia de refeições coletivas de capital nacional – está tentando convencer os acionistas da IMC a aceitar uma proposta de fusão entre as duas companhias, um IPO reverso que deixaria o fundador da Sapore, Daniel Mendez, com 50,5% da companhia resultante.
Em linhas gerais, o mercado concorda com os méritos da transação, mas acionistas da IMC – dona das lanchonetes Viena e Frango Assado – já começaram a se mobilizar por um preço maior.
Numa carta enviada ao conselho da IMC na noite da sexta-feira anterior ao Carnaval, a Sapore propõe uma troca de ações que avalia ambas as empresas pelo mesmo múltiplo no qual a IMC é negociada na Bolsa: 9 vezes o EBITDA estimado para 2019.
Além disso, os acionistas da IMC levariam R$ 355 milhões na frente, na forma de dividendos extraordinários antes da operação. Nessa estrutura, Mendez ficaria com 50,5% da nova companhia, e os atuais acionistas da IMC com o restante. Mendez iria para a presidência do conselho e o atual CEO da IMC, Newton Maia, seguiria no cargo.
Como em quase toda a oferta envolvendo uma corporation, a negociação é complexa.
A IMC tem uma base acionária pulverizada; um fundo gerido pela Advent International é o maior acionista, com 10% dos papéis.
A Sapore está vendendo a ideia de uma “fusão entre iguais” capaz de gerar sinergias da ordem de R$ 130 milhões em compra de insumos e sobreposição de funcionários e um potencial de criação de valor muito maior por meio da implantação, nas lojas de varejo da IMC, dos processos que a Sapore utiliza hoje em seus restaurantes corporativos.
Por exemplo, a Sapore desenvolveu uma cadeia de fornecedores que já entrega todos os ingredientes porcionados e prontos para o preparo. Com isso, opera sem cozinhas centrais – ao contrário da IMC. Todos os preparos da Sapore são feitos in loco, com cozinhas mais enxutas.
“Apesar de todos os esforços recentes de racionalização da IMC, eles ainda tem três cozinhas centrais”, diz o CFO da Sapore, Elezir Silva. “Hoje nossas cozinhas precisam de 30% do espaço que precisavam 10 anos atrás, eu faço economia de 30% a 40% de água e luz e preciso de menos pessoas. Imagina aplicar isso na IMC, transformando espaço de cozinha em área de vendas?”
Mas uma fatia relevante dos acionistas da IMC avalia que a operação espreme o valor da empresa e dá vantagem a Mendez, o fundador e único acionista da Sapore, que ficaria no controle da companhia resultante sem ter que desembolsar nenhum prêmio.
“A Sapore quer se listar sem ter que fazer o IPO e nem pagar nada por isso, e o Mendez vai ser o controlador sem prêmio de controle”, diz um acionista da IMC. “É o melhor deal do mundo… para eles”.
Alguns acionistas da IMC afirmam ainda que a companhia tem margens maiores que as da Sapore e está começando a colher os frutos de um turnaround; por isso, mereceria um prêmio na troca de ações.
“Não é uma aquisição: eles não estão comprando e o Mendez não está vendendo e nem o contrário. Portanto não faz sentido falar em prêmio de controle. É uma fusão de iguais, de uma forma que nunca se viu no mercado brasileiro”, diz Marco Gonçalves, sócio-fundador da Riza Capital, que está assessorando a Sapore.
“Estou pegando a valor de face todo o aumento de EBITDA que o mercado estima, sem contestar. E se fosse abrir o capital da Sapore, eu ia buscar o múltiplo das empresas de catering, Sodexo, Compass e Aramark, que negociam a 12 vezes o EBITDA”.
A Sapore alega ainda está oferecendo um valor superior aos R$ 8 por ação pelo qual a Advent vendeu a maior parte de suas ações em novembro. Mendez tentou propor a troca de ações quando a Advent era mais relevante no papel, mas a gestora só estava interessada em cash.
Na oferta apresentada na sexta, a Sapore avalia a IMC a R$ 8,92 por ação – já descontado o dividendo extraordinário de R$ 2,13 por ação. Uma acionista da IMC diz que o pagamento de dividendos é uma conta de chegada: se o mesmo valor fosse incorporado ao equity, Mendez não ficaria com o controle. “A gente não só dá o controle, como deixa de capturar parte do que seria esse potencial de valorização e de sinergias da empresa combinada,” reclama.
Gonçalves contesta essa explicação e diz que o dividendo visa otimizar a estrutura de capital da companhia, que ficaria com muito caixa líquido se não houvesse o dividendo extraordinário. Na operação proposta, a empresa combinada fica com R$ 427 milhões em dívidas, equivalente a 1,5 do EBITDA combinado. A Sapore alega que, entre sinergias e dividendos, os acionistas da IMC podem ter um retorno de 40% com o negócio.
No balanço, IMC e Sapore podem não ser iguais, mas são bem parecidas. De acordo com números não auditados, a Sapore faturou R$ 1,6 bilhão no ano passado, fez R$ 104 milhões de EBITDA e R$ 34 milhões de lucro. Na IMC, o BTG estima receita líquida de R$ 1,5 bilhão, R$ 124 milhões de EBITDA e R$ 29 milhões de lucro.
Mas as semelhanças param por aí. Enquanto a IMC atua no varejo e é uma típica empresa de private equity – resultado de uma série de aquisições feitas pelo Advent –, a Sapore é uma empresa de dono.
Fundada em 1992 por Mendez – um uruguaio que veio para o Brasil aos 11 anos de idade e trabalhava como garçom quando decidiu vender seu Gol GTI para começar a atender refeitórios de empresas – a Sapore hoje serve 1 milhão de refeições por dia em 1,1 mil restaurantes que atendem 500 empresas.
Com 11% do mercado de refeições coletivas no País, a Sapore vem há tempos tentando beliscar uma fatia do varejo. Em 2014, chegou a firmar uma joint venture com a Raízen para implantar lojas em postos de combustível ao longo de rodovias, num modelo parecido com o Frango Assado. Mas o negócio não foi para a frente. “Já chegamos a olhar o segmento de hamburguerias, mas ele ficou muito competitivo e o timing passou”, diz Elezir, o CFO da companhia, que tem 18 anos de casa.
Ele argumenta que a fusão traria mais resiliência para a receita da IMC, porque a Sapore firma contratos de longo prazo com as companhias que atende, geralmente de três anos. A taxa de renovação é 95%.
“A gente depende menos dos ciclos”, afirma. Os contratos são feitos com cláusulas de escala para preservar a margem. Se uma empresa decidir reduzir a força de trabalho e alimentar menos funcionários, o preço por refeição aumenta. Se contratar mais e aumentar o volume, há um desconto.
Apesar de 30% do faturamento vir de empresas ligadas à indústria automotiva, que definhou na crise, a receita líquida avançou 30% entre 2014 e 2017.
Um grande atrativo da IMC é a porta que ela abre para o mundo. Com operações nos Estados Unidos, Caribe e Colômbia, a companhia pode facilitar a expansão da Sapore nesses mercados – hoje, só 2% do faturamento de Mendez vem do exterior, mais especificamente do México e Colômbia.
O conselho da IMC tem até o dia 23 para se manifestar, dizendo se recomenda ou não a fusão, e convocar em até 30 dias uma assembleia que decidirá sobre o assunto.
Até lá, a Sapore quer facilitar a digestão: semana que vem, vai levar investidores e analistas para um ‘Investor Day’, abrindo as portas de seus restaurantes e sua sede em Campinas. Natalia Viri Leia mais em braziljournal 15/02/2018