Gestora canadensa já tem tem R$ 40 bilhões no país

Fora dos leilões. Simões Lopes, presidente da Brookfield no Brasil: ‘Gostamos mais do olho no olho,
do fio no bigode’

Quando a Energisa decidiu vender pequenas centrais hidrelétricas e um parque eólico, em 2014, lá estava ela. Também vem sendo apontada como potencial compradora da fatia da Petrobras na Braskem, cujas propostas devem ser entregues esta semana. Até rumores sobre eventual venda de metade da concessão da Ponte Rio-Niterói incluíram seu nome. A gestora canadense Brookfield é a ―queridinha‖ da vez. Quando algum ativo de um dos segmentos onde atua é posto à venda, ela é logo citada como interessada. E como tem se vendido muito no Brasil, seu nome não sai das conversas de operadores de mercado, bancos e escritórios de advocacia.

Muito do que se fala é especulação, assegura o presidente da Brookfield no Brasil, Luiz Simões Lopes. Caso da Ponte Rio-Niterói, em que o executivo jura não ter interesse. Mas o burburinho muitas vezes se confirma. As negociações com a Energisa resultaram na compra de R$ 1,4 bilhão em ativos de energia. E, segundo fontes, a gestora de fato analisa entrar na Braskem. A fatia de 36% da Petrobras Lopes evita confirmar os boatos. Ele atribui o fato de a Brookfield ser frequentemente lembrada como candidata a comprar ativos no Brasil ao tempo que o fundo está no país e à extensa rede de relações que desenvolveu desde então. Os  canadenses chegaram aqui em 1899, quando participaram da criação da São Paulo Tramway, Light and Power, uma empresa que atuava na geração de eletricidade e transporte de bondes. Poucos anos depois criaram um braço no Rio, que hoje é a Light.

— Temos uma vantagem em relação a outros estrangeiros menos conhecedores do Brasil. E a gente tem um negócio grande aqui hoje. Considerando nossas investidas, são 15 mil pessoas. Por isso, você tem acesso a oportunidades, elas surgem porque você está presente — diz Lopes. — No Brasil, tem tanta oportunidade quanto bloco de carnaval.

Essa rede de relações reflete a estratégia de negociação da Brookfield. Os executivos dão preferência às conversas tête-à-tête e costumam manter distância de leilões.

— A gente é bem ruim em processos competitivos — admite Lopes. — Eles são padronizados, burocratizados. Gostamos mais do olho no olho, do compromisso, do fio do bigode.

Analistas afirmam que a gestora está capitalizada e tem visão de longo prazo. Sediada em Toronto, a Brookfield tem mais de US$ 200 bilhões em ativos no mundo, rivalizando com gigantes como os americanos Blackstone e Carlyle. No Brasil, são cerca de R$ 40 bilhões e disposição de investir mais alguns bilhões de dólares nos próximos anos, segundo recente entrevista do presidente global da Brookfield, Bruce Flatt, à Bloomberg.

A gestora atua em quatro áreas: infraestrutura, energias renováveis, mercado imobiliário e private equity. No Brasil, acrescenta-se ainda o ramo de agricultura de florestas, que reúne desde fazendas de soja a plantações de eucalipto.

— A Brookfield é largamente conhecida pela visão de longo prazo. Foca em investimentos com tempo de maturação longo, de 15 anos a 20 anos. Para investir em um país em recessão é preciso olhar adiante — avalia Alexandre Chaia, professor do MBA Executivo em Finanças do Insper.

OBJETIVO É PARTICIPAR DA GESTÃO DO NEGÓCIO

O fundo também busca participar ativamente da gestão das empresas em que investe. A impossibilidade de ditar os rumos da Invepar foi um dos fatores que levaram ao fracasso das negociações, este mês, entre a Brookfield e os fundos de pensão Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa Econômica Federal) para a compra da fatia da construtora OAS na empresa. Os fundos — que juntos têm 75% da Invepar — também avaliaram como baixa a oferta de R$ 1,3 bilhão pelos 24,4% da OAS. Perguntado se as conversas poderiam ser retomadas, Lopes respondeu:

— Entrar em uma empresa é como dar uma festa em casa, é preciso ser convidado, ser bem-vindo. Chegar lá à mesa e não ter lugar para sentar… A fase de ser penetra na festa já passou. Se o jantar é de lugar marcado, são quatro lugares na mesa.
Tem que ter quatro lugares então, mas se só querem três… — disse ele referindo-se ao modelo de governança da Invepar. — Uma empresa com DNA de gestor não poderia fazer um investimento para se tornar um sócio silencioso.
Uma fonte que acompanhou as negociações pelo lado dos fundos, afirma, porém que a Brookfield ainda não desistiu do ativo.

— Eles precisam de aeroportos para complementar seus investimentos em estradas, portos. Um terminal aéreo é uma peça fundamental para a logística da empresa — diz a fonte, observando que a Brookfield vai esperar uma oportunidade melhor e pode até oferecer menos que sua proposta original, caso não apareça candidato no leilão da OAS marcado para o próximo dia 14.

Lopes minimiza o fracasso das negociações com a Invepar. Segundo ele, de cada 15 investidas no ramo, uma dá certo. E diz que o interesse em aeroportos se mantém. Uma das razões é que a busca de sinergias é um dos mandamentos da Brookfield. Segundo um consultor, a gestora não investe em setores da moda, nem em tecnologia e telecomunicações. Prioriza investimentos em que tem expertise e costuma ter ativos reais no radar. No caso de aeroportos, o interesse vem, em parte, da experiência em shoppings centers.

— Um aeroporto é, na prática, um grande centro comercial. E somos controladores da segunda maior empresa de shopping center no mundo — diz Lopes.

PALETÓ E GRAVATA X BOTA E CAPACETE

Os executivos da canadense Brookfield levam ao pé da letra a regra de participar da gestão. Em 2014, o fundo comprou 26,5% da empresa de logística VLI, por R$ 2 bilhões. Desde então, os dois membros do Conselho de Administração que representam os canadenses na empresa não apenas dão pitaco nos investimentos, como fazem questão de visitar as operações. E, nessas visitas, deixam o paletó e a gravata de lado e colocam capacete e botas.

— No momento, estamos com um investimento grande em um terminal portuário em Santos. Um executivo, engenheiro da Brookfield, esteve lá acompanhando as obras — conta Marcello Spinelli, diretor-presidente da VLI. — Eles não são apenas investidores financeiros.

A Vale é a sócia majoritária da VLI, com 37,6%. Os demais sócios são a japonesa Mitsui (20%) e o FI-FGTS (15,9%). A relação entre Brookfield e Vale vem de alguns anos, quando mineradora e gestora chegaram a conversar sobre o uso de ferrovias controladas pelo fundo na Austrália para escoar o carvão da Vale.

Em outro investimento na área de infraestrutura, o mantra da gestão se mantém. Em 2012, a espanhola Abertis e a Brookfield se uniram e criaram a Arteris, que comprou as rodovias da também espanhola OHL. Estão nas mãos da joint venture 17% das estradas privatizadas do país.

— Buscamos um investidor com experiência de longo prazo e que contribuísse para a estratégia da companhia — diz o espanhol David Díaz, presidente da Arteris.

DECISÕES DE GRUPO DITAM RUMO DOS INVESTIMENTOS

Quando se trata de investimento, desinvestimento e endividamento, o ―nós‖ vale mais do que o ―eu‖ na canadense Brookfield. Todas as decisões em uma dessas três esferas são tomadas por comitês e precisam ser unânimes. Por ser uma gestora global, presente em duas dezenas de países, os comitês são regionais e têm de cinco a nove membros.

Nem todos se adaptam a esse modelo. Segundo o presidente da Brookfield no Brasil, Luiz Simões Lopes, cerca de 5% dos executivos deixam a empresa após dois anos. Quem se enquadra fica facilmente por mais de 20. Lopes está lá há 22. Ele é um dos 18 senior managing partners da Brookfield que, ao lado de mais um punhado de pessoas físicas, controlam a gestora com 20% de seu capital. Os 80% restantes estão na Bolsa.

Os comitês não têm data nem hora para acontecer. Sexta-feira passada, quando Lopes estava em pleno voo, voltando dos EUA, o presidente global da Brookfield, Bruce Flatt, fez contato. Queria marcar uma teleconferência. O assunto foi resolvido no domingo seguinte.

Assim como suas concorrentes, a Brookfield também se desfaz de participações quando considera o momento apropriado. Em 2015, os canadenses venderam 63% do Mogi Shopping, em Mogi das Cruzes (SP), para a HBR Realty, do Grupo Hélio Borenstein. O mercado estimou a transação em R$ 550 milhões.

— Foi uma negociação rápida. Já estamos conversando sobre novos negócios —  diz André Agostinho, diretor da HBR Realty. POR DANIELLE NOGUEIRA / JOÃO SORIMA NETO
Fonte: O Globo Leia mais em sinicon 29/02/2016