Para acelerar o ritmo de implantação da agenda socioambiental e garantir alto padrão de governança, gestoras de investimentos como BlackRock e Robeco estão escolhendo companhias das quais são grandes investidoras para acompanharem de perto, pedindo números, apresentando boas práticas, puxando a orelha e medindo a evolução. A aposta é no potencial transformador do engajamento ESG, o chamado stewardship.

“Ao contrário dos filtros ESG negativos, criticados por transferir a titularidade de ativos problemáticos para outros investidores, o stewardship é uma escolha estratégica que aposta na melhoria da gestão da investida em seus aspectos ESG”, comenta Marcelo Seraphim, responsável pelo relacionamento do Principles for Responsible Investment (PRI) no Brasil. “É por meio dele que investidores têm a oportunidade de impactar positivamente o ‘mundo real’, seja pelo engajamento direto ou pelo voto em assembleia”, adiciona.

Gabriel Hasson, diretor da BlackRock Investment Stewardship na América Latina, uma das casas mais ativas em engajamento, com 70 pessoas dedicadas, explica que o propósito é garantir que as companhias se preparem para os riscos futuros, tenham uma boa governança e percebam oportunidades.

“Nós procuramos diálogos com o propósito de transmitir às empresas boas práticas da jornada ESG, assim como nossas políticas de investimentos. Quando algo nos incomoda, pedimos mais informações, damos feedbacks ou explicamos às empresas como podem melhorar a partir de exemplos de nossa rede”, comenta Hasson, que esteve no Brasil em junho, quando se reuniu com empresários e imprensa. “Compreendendo, claro, que essas coisas levam tempo; a mudança não acontece da noite para o dia”, adiciona.

Com stewarship gestoras buscam engajar empresas investidas
Entre programas ESG da Cogna estão atendimentos gratuitos de saúde — Foto: Divulgação

Para escolher quais empresas acompanhar, a BlackRock opta por situações em que o envolvimento pode causar impacto positivo maior ou nas quais a falta de políticas de responsabilidade e governança pode trazer problemas. Além disso, eventualmente, selecionam companhias que necessitem avançar em temas pertinentes ao momento, como diversidade ou risco climático.

Só a BlackRock, que administra no mundo quase US$ 10 trilhões, está envolvida diretamente com 1.001 empresas em 40 mercados, segundo relatório de stewardship do segundo trimestre de 2022. Em 2020, eram 440 companhias. No Brasil, uma das assistidas é a Cogna, do setor de educação. A empresa tem a vantagem de estar em um segmento que tem impacto positivo por si só. Mas isso não a isenta de avançar em outras frentes.

“Tivemos uma reunião no ano passado em que nos apresentaram seu ponto de vista sobre nosso negócio, nos ajudaram a identificar prioridades e possíveis preocupações”, comenta Juliano Griebeler, diretor de relações governamentais e sustentabilidade da Cogna.

Entre as questões levantadas nas conversas com a gestora estão a composição do conselho de administração, sua diversidade, as habilidades dos membros e motivos por terem sido escolhidos. “Nos ajudaram a melhorar a visibilidade das informações sobre o conselho”, diz. A apresentação das informações públicas mudou para deixar tudo mais transparente – um dos resultados do engajamento.

A eficácia e qualidade do conselho é a primeira dentre as cinco prioridades do programa de stewardship da BlackRock. Segundo seu último relatório, o tema foi alvo de 716 interações com companhias entre março e junho. Em segundo lugar veio Estratégia, Propósito e Resiliência Financeira (503 interações), seguido por Incentivos Aliados à Criação de Valor (426), Capital Natural e Clima (467) e Impacto da Companhia Nas Pessoas e Comunidades (282).

Nas Américas, incluindo o Brasil, temas de governança demandaram mais tempo seguidos pelos ambientais. “O ‘G’ é ainda o mais importante porque a jornada ESG das empresas é incipiente, têm recursos e tipos de composição do conselho”, diz Hasson.

Apesar de o conselho ter ocupado um bom tempo nas trocas entre BlackRock e Cogna, a gestora também fez outros apontamentos. Quis entender melhor, por exemplo, o cálculo de remuneração variável do C-Level, apontou possíveis melhorias para aumento da nota no índice MSCI ACWI, e pediu detalhes sobre ações trabalhistas.

Griebeler, da Cogna, conta que, a partir de uma pesquisa de percepção sobre sua atuação em ESG com investidores, fundos e agências de rating em 2019, a empresa criou três grupos de trabalho, um para cada letra do ESG, e envolveu cerca de 30 pessoas. Como resultado, foram firmados compromissos públicos, criadas dez novas políticas e revisadas outras 15 – tudo aprovado pelo conselho. “Muitas ações em andamento precisaram ser materializadas em políticas”, diz.

No pilar ambiental, a empresa espera ter 90% do uso de energia proveniente de fontes renováveis. No social, se comprometeu a capacitar 150 mil professores de escolas públicas e mais 150 mil pessoas nas áreas de negócios e empreendedorismo, além de prover atendimentos gratuitos à população em saúde, assistência psicossocial, veterinária e jurídico realizados por professores e alunos da Kroton – uma as empresas do grupo Cogna. Em 2021, as horas e infraestrutura dedicadas aos atendimentos equivaleram a R$ 430 milhões.

No âmbito de diversidade, a Cogna quer atingir a equidade de gênero e ter 40% de pessoas pretas e pardas em cargos de liderança até 2025. Pelo menos um terço do conselho é esperado sque seja ocupado por mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+ até 2023. Hoje, dos cinco conselheiros efetivos, duas são mulheres, mas na diretoria não há nenhuma representante feminina, e no conselho fiscal, apenas uma entre seis membros.

“Muitos dos compromissos farão parte da remuneração variável dos executivos a partir de 2023”, conta Griebeler. Foram feitos treinamentos para explicar os parâmetros e criado um Comitê de Pessoas e ESG, vinculado ao conselho.

Seraphim, do PRI, lembra que, para o stewarship ser mais efetivo, o investidor precisa ter uma visão estratégica e de longo prazo com relação às questões ESG, enquanto a empresa deve encarar essa ‘ingerência’ do investidor como uma iniciativa positiva. “Sem transparência e parceria não existe stewardship efetivo.”

A gestora holandesa Robeco, que administra mais de 200 bilhões de euros no mundo, a maior parte com integração ESG, tem 26 diferentes programas de engajamento e 226 companhias sendo acompanhadas de perto, conforme conta ao Prática ESG Peter van der Werf, gerente sênior de Engagement da Robeco. A cada ano são escolhidos, entre investidores e outros times, novos temas a serem ….. leia mais em Valor Econômico 10/08/2022