Consolidação de mercados requer cuidado na união do agir entre diferentes marcas

Embora a explosão do consumo no Brasil e o fluxo positivo de investimentos sejam os temas mais contemplados nas análises que versam sobre o crescimento econômico do país, as movimentações de consolidação entre corporações também sinalizam de modo relevante este panorama. Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que representa as instituições que atuam em tal segmento, somente no primeiro semestre de 2011 as fusões e aquisições chegaram ao volume de R$ 75,3 bilhões em recursos envolvidos, os quais foram distribuídos entre 73 operações desta natureza.

Dentre as inúmeras consequências de um processo como este, figuram o encontro de culturas muitas vezes opostas, sinergias de produtos, serviços, processos e organogramas, sobreposições de mercados, diversificação de portfolio, entre outras resultantes. Todavia, muitas delas referem-se a um ponto em comum: a marca.

Somente no setor aéreo, TAM e LAN, embora percorram um espinhoso processo de conclusão operacional, demonstram o porte desta tendência, assim como a recente aquisição da Webjet por parte da Gol. Em alimentos e bebidas, a gigante Inbev uniu-se internacionalmente à norte-americana Anheuser-Busch para gerar a Ab-Inbev. Em âmbito local, na mesma indústria, a Brasil Foods reaprende diariamente a gerenciar os ativos oriundos de ícones como Sadia e Perdigão. Sem contar os setores bancário, com as vultosas movimentações protagonizadas por Santander, Real, Itaú e Unibanco e o de telecomunicações, quando a Telefônica adquiriu a Vivo, por exemplo.

Fusões e aquisições representam o encontro entre dois ativos simbólicos que designam uma série de operações ou entregas atrelados a eles. Movimentos como estes promovem o choque ou a confluência entre marcas de produtos, serviços e unidades de negócio, de acordo com a arquitetura adotada por cada um dos envolvidos.

Neste sentido, o grande desafio reside na construção de uma percepção única, que represente e materialize a identidade da nova empresa e de sua oferta, de modo a engajar emocionalmente seus públicos e, ao mesmo tempo, demarcar claramente seu posicionamento no cenário competitivo.

Um dos principais requisitos para que uma marca resultante destas consolidações consiga ter valor atribuído rapidamente consiste na velocidade com a qual realiza estas sinergias e as entrega para o mercado.

Demora, neste caso, é letal. Porém, não basta criar um discurso unificado, já que o nível crítico da sociedade está longe de permitir e aceitar “maquiagens” que escondam uma séria crise de integração e, por conseguinte, de identidade. E, para dar coesão à história de um novo negócio que emerge, uma das principais saídas é a atitude de marca. Uma vez que as associações a causas e conteúdos das corporações envolvidas são unidos, cria-se uma plataforma de tangibilizações concretas da nova marca capaz de dar sustentação a sua nova narrativa.

Um desafio de arquitetura

Quando ocorre a união entre duas empresas que conduzem diferentes atitudes de marca, surge o desafio de estabelecer uma arquitetura capaz de promover a sinergia entre as iniciativas quanto ao significado, alinhamento ao negócio, relevância e potencial de impacto perante o investimento realizado. Invariavelmente, ocasiões deste tipo justapõem causas, programas, ações, públicos, focos, áreas geográficas, entre outros aspectos.

Em um cenário nebuloso como este, é preciso alinhar, hierarquizar, priorizar e unificar as atitudes em torno de uma narrativa mobilizadora, que provoque conversações junto à sociedade e crie melhores condições para que o valor de tais iniciativas seja adequadamente percebido.

Um caso que exemplifica esta transição decorre da união entre as marcas Telefônica e Vivo. Cada qual possui uma entidade responsável por organizar a aplicação de recursos das respectivas companhias para fins sociais. De um lado, está a Fundação Telefônica, cuja atuação leva 12 anos, sobretudo, como foco nas áreas educacional e tecnológica, além de liderar uma importante frente de voluntariado. Na outra ponta está o Instituto Vivo, criado em 2004 como herança do Instituto Telemig, cujas frentes de ação são semelhantes.

De acordo com Françoise Trapenard, diretora da Fundação Telefônica, o desafio consiste em estabelecer critérios que respondam aos interesses da marca, do negócio e da sociedade, sem perder os ativos já criados em termos de benefício e percepção pelas duas instituições: “temos duas carteiras de projetos bastante complementares, mas diferentes em alguns aspectos. A questão que pensamos é: qual a imagem de futuro que queremos? Que programas precisam ser reforçados ou até descontinuados? A nossa intenção é manter o máximo possível do que já existe e manter os dois legados, o que configurará em uma terceira via”, afirma.

Outro caso em curso diz respeito à compra do Banco Real pelo espanhol Santander. Com notável percepção de valor no mercado brasileiro, a instituição que era presidida por Fábio Barbosa e liderou a defesa da sustentabilidade como discurso atrelado ao negócio passou a ser um objeto de desafio para o adquirente, que assumiu a responsabilidade de absorver as atitudes positivas da empresa comprada sem perder o alinhamento à própria estratégia corporativa. Uma das atitudes incorporadas pelo Santander neste panorama foi o concurso Talentos da Maturidade, que, segundo Fernando Byington Egydio Martins, vice-presidente executivo de Marca, Marketing, Comunicação e Interatividade do banco, teve de ser adaptado à linguagem e ao conceito que fundamenta a união das instituições, sintetizado pela expressão “Juntos”. Caberá à “nova empresa” articular as abordagens em outros territórios legados, como cultura, educação, meio ambiente e esporte.

Fases do processo de união de atitudes
Sendo a marca o ativo mais volátil de uma empresa, ela deve ser objeto de extremo cuidado em um processo de fusões e aquisições. Ao se transpor este raciocínio para o âmbito das atitudes, não é diferente. Para tanto, uma sequência mínima de ações deve ser respeitada no planejamento deste tipo de sinergia.

1. Inventário de ações: conhecer e entender as ações dos lados envolvidos quanto às causas abordadas, foco, abrangência geográfica, valor investido, público impactado e alinhamento ao propósito da marca, bem como à estratégia do negócio.

2. Identificação de pontos convergentes e divergentes: identificar as confluências existentes a partir do mapa criado.

3. Reorganização diante do novo negócio e marca resultante: planejamento estratégico do empreendimento decorrente da união e o propósito da nova marca devem ser os critérios fundamentais para a eventual continuidade ou não das ações existentes. Aqui, também se reflete sobre o eventual lançamento de novas atitudes. Com o redesenho concluído, deve-se estabelecer uma priorização de investimentos de acordo com o potencial de cada iniciativa em termos de reconhecimento e compartilhamento de valor.

4. Teste público: é preciso verificar se a arquitetura decorrente da fusão de atitudes faz sentido para os stakeholders. Relevância, envolvimento afetivo, potencial de geração de resultados comerciais e compartilhamento de valor são pontos de análise fundamentais nesta etapa.

5. Narrativa: consistência nas atitudes não basta; é preciso contar uma história mobilizadora, capaz de comunicar e envolver os públicos a partir das ações conduzidas pela empresa. Neste sentido, deve-se criar um conceito capaz de aglutiná-las em torno de uma ideia de alto impacto que se desdobre posteriormente em diferentes mensagens para os stakeholders de interesse, os quais necessitam estar devidamente mapeados e classificados de acordo com a força do vínculo e os respectivos graus de influência perante o negócio.

6. Ativação: com uma narrativa definida, chega o momento de contar a história por meio de diferentes meios de comunicação. Para tanto, é necessário claro o posicionamento da marca, criar conteúdos em conjunto com os públicos, envolver os influenciadores principais e adotar uma linguagem visual, textual e sensorial capaz de entregar, esteticamente, as promessas da nova marca. Por Rodolfo Araújo.
Fonte:MundodoMarketing14/10/2011