Depois de um 2021 com mais de 40 IPOs (ofertas públicas iniciais), coisa que não se via na Bolsa de Valores brasileira desde 2007, a B3 está prestes a encerrar o primeiro semestre do ano sem nenhuma nova abertura de capital.

Não faltam motivos para justificar porque as empresas estão receosas em acessar o mercado de capitais: guerra na Ucrânia, inflação e juros em alta no Brasil e no mundo e uma eleição presidencial estão no radar. Mas isso não significa que as companhias não estejam se movimentando.

Mesmo com o cenário macroeconômico incerto, o mercado de M&A (fusões e aquisições) segue aquecido no País, após mais de 1,9 mil transações em 2021, um recorde. Na primeira semana de junho, por exemplo, os acionistas de BR Malls e Aliansce Sonae aprovaram a união dos negócios das duas companhias, resultando na maior empresa de shoppings da América Latina.

Para Denis Morante, sócio-fundador da Fortezza Partners, boutique de investimentos especializada em M&A, o movimento no setor de shoppings ilustra uma tendência que se consolidou no pós-pandemia, período em que muitas empresas tiveram seus modelos de negócios afetados.

Ao contrário da oferta pública de ações, o mercado de M&A segue a todo vapor independente da volatilidade no mercado de ações. Muitas vezes, até por causa dela.

“O M&A se alimenta tanto na saúde quanto na doença. Quando essas empresas têm seus preços deprimidos na bolsa, podem receber propostas não solicitadas para serem adquiridas por alguém, exatamente por estarem ficando baratas”, explica.

Para o especialista, a perspectiva é que o mercado de M&A no Brasil ultrapasse duas mil operações neste ano. Até lá, entre os movimentos de fusões e aquisições, também deve surgir uma janela para quem quiser ir à Bolsa se capitalizar nos últimos meses do ano, logo após as eleições.

Morante fala sobre o cenário macroeconômico difícil que levou a janela de IPOs a se fechar e as tendências no mercado de M&A que devem ficar no radar do investidor.

E-Investidor – Estamos prestes a encerrar o primeiro semestre de 2022 sem nenhuma oferta pública na B3. O que fez a janela de 2021 se fechar?

Denis Morante – Isso aconteceu no mundo inteiro, muito por conta desse panorama macroeconômico impregnado por inflação e aumentos excessivos e necessários nos juros, além da guerra que quebrou diversas cadeias produtivas. Esse amargor que houve no mundo veio na sequência de uma euforia muito grande.

Os IPOs acabam tendo uma interrupção por serem muito relacionados à temperatura do mercado de ações.

A perspectiva é que a bolsa brasileira continue sem nenhum IPO até o final de 2022?

Morante – A minha leitura é que talvez haja uma janela logo após o segundo turno das eleições, ali em novembro e dezembro. É uma janela que existe também do ponto de vista regulatório, visto que as aberturas de capital exigem que a empresa já tenha publicado o balanço. Então novembro e dezembro são meses em que isso já é possível.

Saindo um pouco dessa incerteza quanto à eleição, podem haver alguns IPOs de empresas que já estejam prontas e continuem tendo interesse em acessar o mercado de capitais. Mas, de qualquer forma, a quantidade vai ser muito menor do que em 2021, uma vez que ainda estamos parados.

Com a Selic em 13,25% ao ano, a Bolsa ainda é uma boa opção para as empresas?

Morante – Sim, tanto que naquela febre de IPOs que ocorreu em 2007 os juros também estavam na casa de 10%. Não dá para fazer uma correlação entre o patamar dos juros agora e a quantidade baixa de IPOs.

O fato é que a euforia vista em 2020 e 2021 estava bastante conectada com os juros estarem baixos demais. O que está acontecendo agora é que os investidores de varejo estão menos compradores de ações comparado ao que estavam no ano passado, até porque ganhar 13% na renda fixa sem fazer nada é muito mais fácil do que investir na bolsa.

As empresas podem continuar contando com a possibilidade do IPO, o mercado de ações ainda é uma tremenda opção para elas. Mas, no fundo, não está acontecendo nenhuma oferta agora porque o empresário brasileiro gosta de vender bem caro o IPO.

Criou-se essa impressão de que na bolsa ou se consegue preços estratosféricos ou é melhor não fazer a oferta. E isso, em 2022, não vai conseguir. Um preço justo de valuation consegue, sempre tem comprador.

No ano de 2021 houve recorde de fusões e aquisições. Qual a perspectiva para o mercado de M&A em 2022?

Morante – Estamos perto de conseguir quase duas mil transações por ano. Em 2019, tínhamos batido 1.200, o que já era um recorde histórico para o Brasil. Esperava-se que em 2020 o número de M&As chegasse a 1.500 ou 1.600, porque já vinha em um ritmo muito bom. Mas caiu levemente para 1.100 naquele ano, e todo esse acumulado de transações que não saiu apareceu em 2021. Tanto porque os juros estavam muito baixos quanto pelo fato de a pandemia ter impulsionado uma série de movimentos de consolidação de tecnologia. O crescimento de 2020 para 2021 foi muito anormal.

Em 2022, ao contrário dos IPOs, não houve uma interrupção. O mercado de M&A continua em um volume bem alto no Brasil e ainda deve haver um aumento em relação a 2021, mas não vai ser tão significativo quanto foi o aumento de 2020 para 2021.

Por que as operações de fusões e aquisições não foram interrompidas como foram os IPOs?

Morante – M&A é um movimento de longo prazo e que não depende da temperatura do índice Ibovespa, do ânimo de investidores querendo comprar um papel. Ele depende de uma vontade estratégica de médio e longo prazo.

A única vez que eu vi o mercado de M&A parar foi quando a visibilidade sumiu na crise de 2008, e em março, abril e maio de 2020. Nem o impeachment de Dilma Rousseff e a crise econômica de 2015 fizeram o mercado parar ou reduzir significativamente.

O movimento e as tendências de investimento em tecnologia continuam fortes, os fundos de private equity continuam buscando oportunidades de se consolidar no Brasil. Todas essas tendências estão aí. E isso me faz ler que o mercado de 2022 vai crescer em relação ao de 2021 e vamos passar a cifra de duas mil transações no ano, independente de ter um PIB que não vai ser muito forte ou da escalada nos juros.

Pensando no lado do investidor, por que é importante acompanhar as movimentações de M&A?

Morante – Comprar ações, de uma maneira geral, requer muita análise. Não adianta só olhar o múltiplo preço/lucro: é preciso estar atento a várias outras variáveis para saber a hora de comprar ou a hora de sair dos ativos. Certamente, seria interessante olhar para as tendências de M&A no setor em que ele investe… saiba mais em Estadão 20/06/2022