Há um ditado que diz que o diabo mora nos detalhes. No mercado de venture capital, no entanto, o cramulhão reside nos term sheets, um documento de acordo pré-investimento, em que o empreendedor e o investidor assinam, como uma “carta de intenções”.

No momento de bonança dos últimos dois anos, em que os valuation estavam esticados e a liquidez alta, as cláusulas que protegem os investidores ficaram mais frouxas. Agora, o jogo virou e o pêndulo ficou mais favorável aos fundos que aportam recursos nas startups.

O NeoFeed ouviu diversos relatos de empreendedores e investidores que mostram que as negociações não estão só difíceis na questão do valuation (ainda o principal fator para uma rodada não sair), mas também nas cláusulas que evitam a diluição dos investidores e, por consequência, aumentam a diluição do empreendedor.

São cláusulas como liquidation preference, super pro rata, antidiluição ou “cap” em rodadas futuras, termos que não são comuns no noticiário glamouroso de aportes em startups, mas que podem causar grande impacto para os empreendedores caso o crescimento esperado não aconteça após uma rodada ou mesmo quando a empresa for liquidada.

Dinheiro caro e termos agressivos

“As rodadas são mais negociadas, mesmo para empresas em early stage, e são menos unilaterais. Antes era quase um contrato de adesão que estava acontecendo a partir de algum term sheet de um investidor líder”, diz um investidor de venture capital ao NeoFeed.

Outro investidor corrobora com essa visão, que mostra que as conversas para fechar um round estão mais longas e os termos são negociados palavra a palavra. Observe o exemplo da Dolado, startup que opera como um marketplace voltado para pequenos comerciantes. O fundador e CEO, Guilherme Freire, captou R$ 53 milhões em rodada liderada pela Valor Capital Group e que contou ainda com a participação dos fundos Flourish, GFC, Clocktower Ventures, IDB e Endeavor, anunciada em abril deste ano.

Ao longo das negociações, feitas ainda no ano passado com diversos fundos de venture capital, Freire conseguiu captar o que esperava. Mas as conversas não foram fáceis. Ele ouviu questionamentos de ao menos dois deles a respeito do faturamento do negócio, que estava dando os primeiros passos.

Em suas apresentações, Freire focava em margens de retenção de clientes e de contribuição, índices que podem indicar a saúde financeira do negócio futuro, segundo ele. “Eu preparava apresentações detalhadas e escutava do investidor: ‘eu não quero perder tempo, quero saber de receita’. Não adianta crescer o faturamento e ter margem nula”, conta Freire. “Alguns fundos olhavam apenas para receita, sem questionar se o negócio teria chance de ser lucrativo.

O impacto imediato deste jogo mais duro dos dois lados é que muitos empreendedores, quando podem, estão deixando a mesa de negociação e postergando os aportes para um momento em que a queda de braço esteja mais equilibrada.

“Os termos que estão chegando para os empreendedores estão mais pesados e vão além do valuation depreciado”, diz João Pedro Resende, CEO e fundador da Hotmart, sobre o que tem escutado no mercado de outros empreendedores que estão buscando por aportes para suas empresas.

Do lado dos investidores, a barra está mais alta na hora de assinar o cheque e o novo cenário trata de uma correção natural após anos de bonança. “Os excessos cometidos nos últimos anos estão sendo corrigidos”, afirma Patrick O’Grady, sócio e um dos fundadores da Vectis Partners, gestora de capital que já investiu em empresas como Avenue, que recentemente teve 35% de seu negócio comprado pelo Itaú Unibanco.

O resultado de curto prazo desse cabo de força entre empreendedores e investidores é que os investimentos em startups no Brasil estão em queda. No primeiro semestre deste ano, os aportes atingiram US$ 2,9 bilhões, uma redução de 44% na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo o Distrito… leia mais em NeoFeed 20/07/2022