Esta é a maior surpresa (boa) dos indicadores para o mês de agosto, do qual se esperava todo o tipo de tumulto associado ao início oficial da campanha eleitoral. Não é a única, pois os números do PIB do segundo trimestre também foram melhores do que se imaginava. Mas foi menos surpreendente, uma vez que os resultados das empresas e do mercado de trabalho já apontavam para cima.

A grande notícia foi, portanto, o recuo da inflação, sobretudo no ambiente turbulento e envenenado de uma eleição polarizada. O prognóstico mais comum, sempre sussurrado entre observadores da cena eleitoral, era o exato oposto, o descontrole.

Não é que tenha havido menos nervosismo, ou promessas irresponsáveis em menor quantidade. Pelo contrário, a polarização está totalmente exposta, mais aguerrida do que nunca, bem como as soluções milagrosas e promessas loucas. Afinal, assim como se diz sobre a guerra, cuja primeira vítima é a verdade, nas campanhas políticas muito disputadas são as leis da economia, e sobretudo as restrições orçamentárias, que são afastadas antes dos outros pudores.

Assim mesmo, a inflação cedeu.

Gustavo Franco: A inflação cedeu
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E não se trata apenas do IPCA do mês que registrou deflação (o IPCA de julho registrou deflação de 0,67% e o IPCA-15 de agosto, que é o mesmo índice com a coleta 15 dias adiantada, assinalou variação de -0,73%, muito parecido com o IGPM de agosto (-0,70%) cujo período de coleta é parecido), pois estão fortemente afetados por fatores conjunturais e sazonais. Mais importante é a convergência das expectativas mapeadas pela pesquisa FOCUS para 2022 e para depois, posto que capturam a opinião de especialistas sobre a política macroeconômica para além de 2022.

Segundo a pesquisa, a expectativa para a variação do IPCA no ano completo de 2022 é de 6,70%, acima da meta, portanto, e com direito a uma carta aberta do presidente do Banco Central do Brasil (BCB), sua segunda seguida, explicando o que se passou e como vai ser o conserto.

Para 2023, todavia, a mediana das expectativas (leitura em 26 de agosto, publicação em 29 de agosto) para a inflação pelo IPCA foi de 5,34%, pouca coisa acima da meta de 4,75% (no limite superior). Para 2024, espera-se, inclusive, 3,41% para uma meta de 4,50%.

Como a distância entre a expectativa e a meta para 2023 está diminuindo, tudo se passa como se os especialistas pesquisados estivessem dispostos para convergir para a meta já em 2023 a depender dos próximos movimentos do BCB.

O que pode ter acontecido, que não estava na conta, e que pode explicar esses bons resultados, em particular o desprendimento do BCB em fazer o que precisava ser feito?

Vale notar que esta é a primeira eleição presidencial na vigência da Lei Complementar 179, que dispôs sobre a autonomia e objetivos do Banco Central do Brasil, e estendeu o mandato de quatro de seus nove dirigentes para dentro do mandato do novo presidente da República.

Teria essa pequena, porém decisiva, alteração na governança da moeda contribuído para a interrupção da escalada inflacionária? Teria o COPOM tomado as mesmas decisões que adotou em um cenário contrafactual na ausência das proteções criadas pela LC179?

Nunca vamos saber com certeza. Só é certo que vai haver debate sobre a importância relativa do remédio convencional (a política monetária) vis-à-vis a combinação de redução no preço internacional do petróleo com redução ad hoc do ICMS sobre combustíveis.

No mundo inteiro, a resposta ao surto inflacionário pós-Covid veio principalmente pelo caminho convencional, através da política monetária, pela interrupção de mecanismos excepcionais de crédito. É claro que o grosso da tarefa é com os bancos centrais, mas os governos costumam sempre promover alguma medida ad hoc com vistas a sinalizar que estão fazendo “alguma coisa”. Na maior parte dos casos, os governos fazem apenas medidas cosméticas, ou de efeitos muito curtos, pois sempre ouvirão de seus economistas que o equilíbrio fiscal é a melhor contribuição que os governos podem dar ao combate à inflação – coisa que os políticos não gostam de ouvir –, que a inflação é uma doença da moeda e que é sempre melhor deixar que o Guardião da Moeda cuide do assunto.

Mas há todo o tipo de político, e de economista, e o risco será sempre o de uma heterodoxia, um congelamento (controle) de preços, total ou parcial, ou alguma loucura que vai piorar as coisas. Por isso mesmo, as medidas cosméticas são bem-vindas, elas ocupam o espaço que poderia ser ocupado pela irresponsabilidade.

Os americanos deram um belo exemplo em matéria de perfumaria ao passar uma lei, cuja designação é “Inflation Reduction Act” (Lei de Redução da Inflação), que é tudo menos o que o nome diz. Na verdade, é um aumento de impostos de exatos 437 bilhões de dólares para financiar principalmente programas de combate às mudanças climáticas (e “segurança energética”), cujo mérito não se questiona, mas o título do filme não está correto, e foi dado para sinalizar que todos gostariam que fosse isso, ainda que todos tenham feito outra coisa[1].

Há muitos perigos em não designar as coisas pelo nome certo, e isso me ocorre no Brasil a partir de debates sobre o “orçamento secreto” e sobre o “teto de gastos”, mas isso é outro assunto.

O fato é que o governo, qualquer governo, sempre preferirá dizer que a inflação cedeu por conta das medidas que tomou (por exemplo, relativas ao ICMS dos combustíveis) e não por causa dos juros ou pela queda nos preços do petróleo.

A independência do BCB tem essa imensa e pouco exaltada vantagem: o BCB vai resolver o problema da inflação aplicando um remédio amargo que os políticos não adotariam, ainda mais durante uma eleição, e do qual ainda podem se afastar, inclusive a ponto de se queixar da medicação.

O próximo presidente terá diante de si uma inflação já controlada e tirará proveito do trabalho de um BCB que não era o seu: será uma herança bendita, cuja chance de ser reconhecida publicamente como tal é exatamente igual a zero… leia mais em Índices Bovespa 06/09/2022