As parcerias entre incorporadoras anunciadas nos últimos meses suscitam dúvidas sobre a possibilidade de haver nova leva de fusões e aquisições, assim como ocorreu no período de 2007 a 2009, após a primeira onda de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) de companhias do setor.

Em um momento em que crescer precisa ser, necessariamente, tirar parte da fatia de concorrentes, acordos entre empresas se mostram uma boa saída diante de um mercado residencial que não tende a se expandir nos próximos meses.

Há quase três anos, a aquisição de incorporadoras vem sendo, por exemplo, uma das estratégias da Gafisa. No fim de 2019, a companhia comprou a Upcon. Em março, anunciou a aquisição da Bait e, em maio, a compra da Construtora São José, empresas que atuam nos segmentos de luxo e alto luxo, respectivamente, no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Mas, lá atrás, o caso mais emblemático da fase de várias associações entre integrantes do setor imobiliário foi o da PDG Realty – que fez mudança recente de nome para ix. A partir da compra de várias empresas com perfis de atuação e modelos de negócios diferentes, a companhia – que nasceu como um braço imobiliário do banco Pactual – ocupou o posto de maior incorporadora brasileira em 2010 e 2011.

A integração entre as empresas adquiridas, por outro lado, não foi bem-sucedida e contribuiu para uma sequência de prejuízos líquidos da companhia e para que fosse necessário a PDG recorrer à recuperação judicial em 2017.

Incorporadoras experimentam novas parcerias

A compra de uma empresa por outra resulta, muitas vezes, na aquisição de “esqueletos”, como ressalta um analista setorial que pediu sigilo de seu nome.

Para André Mazini, analista do Citi Brasil, a preferência é que as associações ocorram entre companhias com “cabeça parecida” e que sejam feitas muitas diligências para evitar sustos. O setor tem uma história, ressalta, “não muito bonita de M&A, e existe muita possibilidade de vir passivo escondido quando ocorrem operações de incorporadoras”.

Olhando em retrospectiva, há quem ache que o rigor de avaliação das incorporadoras compradas precisaria ter sido muito maior do que ocorreu no auge das fusões e aquisições do setor.

A contabilidade do setor com registro de receitas e custos proporcionalmente às vendas e ao avanço das obras contribui para dificultar a visibilidade de alguns problemas. E as sinergias nem sempre ocorrem, de fato, da forma imaginada.

Jornada da PDG

O crescimento da PDG por meio de aquisições começou pouco mais de 15 anos atrás, após a empresa estrear em bolsa. A incorporadora comprou a carioca CHL, do segmento de alto padrão, e a paulista Goldfarb, de baixa renda.

Em 2010, o ritmo de expansão se acelerou fortemente, quando a companhia adquiriu a Agre – empresa que reunia Agra, Abyara e Klabin Segall.

Logo após os IPOs, a primeira cobrança de analistas e investidores foi a de que as incorporadoras precisavam mostrar grandes bancos de terrenos. Depois, veio a exigência de lançamentos crescentes e, só em um momento seguinte, qualidade de vendas e margens passaram a ser o foco das atenções.

Era um período em que se valorizava quem crescia a taxas superiores às do mercado e empresas que não eram “de dono” – situações em que a PDG se encaixava.

Entre 2007 e 2011, a PDG foi lucrativa. A partir de 2012, porém, o vento virou. A empresa combinada viveu estouros de orçamento, aumento de dívida e teve número elevado de distratos (cancelamentos de vendas de imóveis).

Em 2015, suspendeu lançamentos. Obras foram paralisadas por falta de recursos. Em 2017, seu patrimônio líquido ficou negativo, e a companhia deu início a um processo de quatro anos de recuperação judicial.

Dores do crescimento

Não foi só na PDG que o modelo de crescimento a qualquer custo se mostrou insustentável. Um dos principais reflexos disso foram os inúmeros estouros de orçamento divulgados nos balanços trimestrais no começo da segunda década dos anos 2000. Parte dos distratos daquele ciclo de lançamentos resultou de análises superficiais da capacidade de compra dos clientes.

E houve também outro caso de integração difícil: a da Tenda pela Gafisa. Com atuação tradicional nos segmentos médio e alto padrão, a Gafisa comprou, em 2008, 60% da empresa focada na baixa renda e, em 2010, integrou a controlada. Teve de lidar com o legado dos projetos antigos da Tenda e com uma série de processos judiciais.

Em 2011, a Gafisa anunciou redução de tamanho e cisão de suas marcas. Adotou novo modelo operacional de lançamentos e vendas para a Tenda, e os resultados da controlada melhoraram à medida que os projetos das safras antigas foram ficando para trás. Em 2014, a Gafisa anunciou que separaria sua estrutura e a da Tenda – processo concluído em 2017.

A forte cobrança por crescimento do setor imobiliário se refletiu também em muitas parcerias entre incorporadoras de capital aberto e empresas regionais. Atrasos de obras e reapresentações de resultados, com estornos de receita e queda abrupta das margens, passaram a ser comuns a partir do segundo semestre de 2011.

A frustração com a expansão geográfica levou a maior parte das incorporadoras a concentrar atuação em São Paulo ou, no máximo, em poucas praças.

Joint ventures

Recentemente, a Even anunciou a formação de joint venture com a RFM, em que cada parte terá 50%. A nova empresa unirá expertises de duas companhias que desenvolvem projetos para o mesmo perfil de renda e nos mesmos bairros da capital paulista.

Even incorpora empreendimentos maiores em áreas compostas a partir da compra de casas, e RFM desenvolvem produtos de menor porte. Não fazem parte do acordo projetos já iniciados pela incorporadora fundada por José Romeu Ferraz.

É esperado, no mercado, que o modelo se repita entre outras incorporadoras de capital aberto com boa situação de caixa e empresas menores com banco de terrenos de qualidade.

O modelo de joint venture limita problemas que possam ocorrer, pois uma empresa não assume os passivos do que já tiver sido lançado pela outra, mas somente o que for realizado em conjunto. Quando as empresas têm a mesma atuação geográfica, é mais fácil uma acompanhar os passos da outra.

Em fevereiro, a EZTec divulgou acordo com a Construtora Adolpho Lindenberg (CAL) para desenvolver empreendimentos, em conjunto, por seis anos, com VGV total de R$ 1,75 bilhão. Cada parte se comprometeu a investir, nos dois primeiros anos, R$ 130 milhões.

Futuramente, a companhia poderá subscrever ações de emissão da CAL e compartilhar o controle da empresa com a Lindenberg Investimentos LTDA.

E em 2020, foi a Gafisa que anunciou que pretendia realizar fusão com a Tecnisa, proposta que não avançou porque os acionistas da companhia fundada por Meyer Nigri barraram a continuidade dos estudos para a potencial integração… leia mais em TradeMap 08/08/2022