Foram a guerra, a inflação, o resquício da pandemia e os juros subindo os responsáveis pela seca no mercado de venture capital? Não. Diria que eles foram apenas os gatilhos que acionaram o “início do fim” de um ciclo de euforia. O motivo para validar uma certa irracionalidade que ocorria no mercado, onde eventualmente o que decidia a assinatura de um cheque de investimentos não era a proposta de valor, mas sim o simples medo de perder a oportunidade. O tal “fear of missing out”, FOMO — em português, o medo de ficar de fora.

Eu experienciei a sensação recentemente, quando participei do meu primeiro leilão e decidi comprar uma moto. Por que uma moto? Um pouco de sonho, com um muito do desejo de botar meus filhos comigo na missão de restaurar a máquina.

No leilão, na hora combinada, o leiloeiro começa sua cerimônia (no meu caso, num modelo híbrido entre online e presencial), narrando carro por carro, moto por moto, instigando a plateia a participar. Instigando a plateia a mandar suas ofertas e a plateia obedece, feliz. Se a dinâmica toda é intensa só para quem assiste, ela fica ainda mais estressante para quem decide entrar no “quem dá mais” — e por isso mesmo, ela é uma experiência excitante.

Investimento em startups

Quando meu lote chegou, entrei em uma batalha aberta e sangrenta contra um oponente. A visão técnica deu espaço para a selvageria e ambos perdemos a racionalidade. Eu perdi um pouco mais, pois venci o leilão. O FOMO foi mais forte do que eu.

O mercado financeiro é assim também, composto por pessoas tomando decisões racionais e irracionais o tempo todo. Não só as pessoas físicas, mas também os profissionais, sejam eles investidores de empresas listadas em bolsa ou não. O movimento dessa turma toda ajuda a criar ciclos de alta e baixa nos mercados e na economia. Tudo se movimenta em ciclos. O time de futebol está ganhando até que não ganha mais — e logo depois volta a ganhar.

Duas palavras marcam muito bem esses ciclos: euforia e pânico. Nos momentos de euforia, se paga caro em uma ação na bolsa, assim como um investidor profissional pode acabar pagando caro o valuation em uma transação privada ao investir em uma startup. Está todo mundo na onda, todo mundo ganhando dinheiro (às vezes apenas virtualmente) e exageros acontecem.

Até que vem a calmaria, o momento de estagnação, quando um ou outro começam a questionar os exageros. Em seguida vem o pânico, onde tudo o que era ouro se torna lixo. Sempre foi assim, está sendo agora e só vai mudar no futuro quando o mundo for dominado por robôs com inteligência artificial. O bom é que depois de toda tempestade vem novamente a calmaria. Oportunidades voltam a ser oportunidades e o ciclo positivo começa novamente.

Indo para a prática, as duas perguntas mais importantes a serem feitas neste momento são: Quanto tempo essa tempestade vai durar? E o que empresas de tecnologia devem fazer neste momento?

É muito difícil saber quando as nuvens vão sair do céu, mas o mercado público ajusta rápido e sempre antes do privado. Então vale ficar atento às empresas da bolsa. E falando nelas, poucos dias atrás a NYSE, uma das bolsas de valores de Nova York, realizou o maior IPO do ano. A Corebridge Financial, unidade da AIG, levantou US$ 1,68 bi em setembro na sua estreia no mercado de ações. Além disso, muitos fundos estão com bolsos cheios para investir e, nos bastidores, quando falo com alguns, estes já dizem que negócios estão voltando a acontecer.

Quanto à segunda pergunta, o que as empresas de tecnologia precisam fazer é se preparar para o pior. “War mode” ligado, com olhar total em eficiência, postura radical em unit economics, sem medo de repensar o que não está funcionando, garantindo criatividade em campanhas de marketing. E claro: mais do que nunca colocar as pessoas certas nas posições certas, pois vivemos em um contexto em que não há muito tempo a perder. O que aprendemos hoje precisa ser aplicado amanhã já.

Em suma, a regra é focar no core da proposta de valor que justifica a existência da startup. É fácil se perder na tentação de fazer várias coisas. É o FOMO mais uma vez assombrando o empreendedor. Exige muita disciplina e esforço mental para focar em uma coisa e fazer ela muito bem feita. É por isso que atletas de elite são heróis. Aguentam a rotina de fazer e fazer e fazer novamente o mesmo. Aprimorando dia a dia para ser o melhor do mundo. Não é uma disputa física, é uma disputa mental.Por Tito Gusmão
Empreendedor, CEO e fundador da Warren.. leia mais em Valor Investe 06/10/2022