A Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento) estava em vias de fazer sua oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). Na terça passada (25), porém, o governo do Estado do Rio Grande do Sul, controlador da empresa, decidiu postergar a ideia, menos de dois meses após o pedido de registro junto à CVM.

E essa não foi a única andorinha a bater em retirada. Estamos apenas na quinta semana de 2022 e outras 12 companhias já resolveram sair da fila do IPO. Ammo Varejo, Environmental ESG, Dori Alimentos, Monte Rodovias, Vero, Claranet, Cencosud, Coty, Cantu, Fulwood, ISH Tech e a rede de restaurantes Madero também fazem parte da lista de desistentes.

Esse quadro se torna ainda menos trivial se pensarmos que os dois últimos anos foram marcados por quantidades recorde de estreias na Bolsa: 28 em 2020 e 52 em 2021. De lá para cá, no entanto, o cenário macroeconômico do país passou por muitas mudanças. E hoje se desenha um horizonte de expectativas bem diferente – seja para as empresas que precisam captar recursos, seja para os investidores eventualmente dispostos a se tornar seus sócios.

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Já são 13 IPOs cancelados

As empresas desistentes falam em “más condições do mercado”. Que condições são essas?

Há uma somatória de fatores que estão tornando o cenário menos favorável para os IPOs neste momento e fazendo as empresas pisarem no freio. Vamos a eles:

Aumento da taxa de juros – Esse é provavelmente o fator que mais pesa sobre o mercado de capitais, já que afeta diretamente os resultados das empresas e também o seu valor de mercado. “Ele provoca, de um lado, aumento no custo de capital das empresas e, de outro, queda das receitas, já que o consumo das famílias é achatado. A consequência disso é que o lucro das despesas despenca e, portanto, os preços dos ativos caem”, explica Fábio Coelho, presidente-executivo da Amec (Associação dos Investidores no Mercado de Capitais).

Custo de oportunidade da renda fixa – É uma decorrência do item anterior. Juros mais altos engordam os retornos oferecidos pela renda fixa e fazem dela um investimento mais atrativo que a Bolsa, que paga menos e é mais volátil. E menos dinheiro circulando na Bolsa é a pior notícia possível para um IPO, que busca justamente captar recursos.

“Os investidores institucionais no Brasil fazem um movimento de manada em direção à renda fixa, sobretudo a de prazos mais curtos. O apetite do investidor muda não só em função dos juros mais altos, mas também em função da volatilidade. E esse ambiente volátil será a tônica de 2022”, observa Coelho.

Tensão pré-eleitoral – Por falar em volatilidade, 2022 é ano de eleições e o ambiente político continua carregado de polarização. Isso deixa o ambiente de investimentos intranquilo, inclusive porque o elefante branco da questão fiscal está fazendo bastante barulho.

“O debate econômico com os representantes dos candidatos começou a se aquecer e não está sendo nada bom: está sendo populista e arriscado do ponto de vista fiscal. Não é nada disso que o mercado quer ouvir”, resume Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos.

Gestores ressabiados – Para as gestoras de fundos que têm ações na carteira, a liquidez dos papéis que elas compram é um dado importantíssimo. Isso porque, em momentos de estresse, muitos cotistas tendem a sair dos fundos, e para atender aos pedidos de resgate as gestoras precisam transformar os ativos em dinheiro.

“Por isso, elas tendem a preferir empresas mais consolidadas, como Vale, Petrobras, Ambev e Bradesco. Com esses papéis, elas sabem que não haverá dificuldade de liquidez caso ocorra uma onda de resgates em momentos ruins do debate eleitoral. Para uma empresa novata, já é mais complicado, as small caps sofrem muito nesse cenário”, afirma Cruz.

Isso não quer dizer que os gestores nunca se interessem por empresas estreantes na Bolsa. Quando a taxa Selic estava a 2% e qualquer coisa pagava melhor que a renda fixa, o apetite deles por IPOs era naturalmente maior. Agora, a coisa mudou de figura.

“Com os juros subindo e o investidor saindo da Bolsa, esses caras têm um acúmulo de pedidos de resgate para atender. Muitos estão tendo que vender ativos, zerar posições [para honrar os resgates]. Então, eles não têm caixa para investir em uma coisa nova” explica Pedro Lang, head de renda variável da Valor Investimentos. “Eles vão tirar dinheiro de uma posição sólida para botar em uma empresa que não conhecem [já que existe uma assimetria de informações em um IPO]? Acho difícil.”

Fracassos recentes – Se é verdade que a Bolsa teve um grande número de IPOs nos últimos dois anos, poucas foram as estreantes que conseguiram manter o desempenho depois de consumido o fogo de palha inicial. “Boa parte dos IPOs recentes está tendo performance negativa. Com isso, os gestores estão bem mais seletivos em relação aos próximos IPOs em que vão entrar”, diz Fernando Siqueira, gestor da Infinity Asset.

A situação tende a ficar ainda mais difícil para os IPOs daqui para a frente?

Há controvérsias. Para Siqueira, 2022 será mais volátil, mas terá alguns IPOs, ainda que em menor quantidade que nos anos anteriores. “Empresas que já registraram o pedido, com ofertas em análise, alguma coisa deve acabar saindo”, acredita.

Ele ressalta que setores que concentraram boa parte das ofertas nos últimos 2 anos, como tecnologia e saúde, terão menos espaço desta vez. “Esses setores foram muito demandados e o mercado se dispunha a pagar um valuation mais caro. Agora, devem despertar menos interesse”, prevê o gestor da Infinity.

Coelho observa que os próprios resultados de 2021, quando mais da metade dos IPOs registrou quedas poucas semanas após a estreia, já são uma sinalização clara de que o apetite dos investidores por novidades está fraquinho.

“Empresas que estejam realmente necessitando de capital podem testar a via do IPO, mas muitas partiram para a emissão de debêntures. Se os recursos não eram tão necessários, elas estão adiando a captação para um momento de menor volatilidade e maior apetite”, afirma o presidente da Amec.

Cruz diz que a leitura macroeconômica do momento é negativa, mas pode mudar, o que abriria uma janela de oportunidade nos próximos meses. “Vamos supor que o debate comece a melhorar; nenhum candidato quer governar em 2023 com terra arrasada. Se Lula disparar, a tendência é que ele amenize o discurso, já que ele sabe que tudo o que disser terá grande impacto. Se isso acontecer, o mercado pode concluir que os próximos anos não terão um risco fiscal tão grande e, assim, se animar a colocar mais recursos nas empresas.”

O que o investidor precisa ter no radar nos próximos IPOs?

Na visão de Siqueira, o investidor deve prestar atenção especial em nomes de setores menos conhecidos, sem grande presença na Bolsa, como era o caso da ESG Environmental, uma das recentes desistências. Ele acredita que o valuation será o fator mais importante deste ano…. .autor Thiago Lasco..Leia mais em 6Minutos 31/01/2022