Nesta semana voltamos a um tema recorrente por aqui: modelos de negócios no futebol. Em tempos de SAFs, MCOs e tudo mais, é fundamental conhecer o destino para definir qual o melhor caminho. Mas, essencialmente, fazer a escolha certa do clube.

Modelos de negócio no futebol estão associados à forma como os clubes operam e como geram valor aos seus acionistas. E falo em acionistas porque temos que partir do princípio de que o futebol associativo tem modelo específico. Vamos então iniciar por ele.

Numa associação sem fins lucrativos, o objetivo não é ter lucro, obviamente. Mas isso não significa que o clube deve ter prejuízo. O modelo de negócios é ser competitivo, mesmo que a grande maioria dos clubes saiba que não será campeão.

Associações não têm problema de custo de capital, não precisam remunerar acionistas. Logo, o importante é fazer receitas, gastar, investir e evitar dívidas. Basta isso.

Uma associação pode até viver de negociar atletas. Mas ela só faz sentido como negócio se o dinheiro arrecadado for reinvestido no clube, fazendo-o crescer e ser competitivo. Se não for esse o motivo, então é preciso repensar a classificação “sem fins lucrativos”.

No mundo em que os clubes possuem acionistas, temos duas divisões claras: clubes que têm INVESTIDORES EM FUTEBOL, em que os acionistas colocam capital em risco, que precisa ser remunerado e retornado; e clubes que têm DONOS. Para esses, a remuneração de capital é irrelevante, pois os clubes são meios de fazer política e relacionamento, quando não apenas uma paixão, um hobby.

Quando falamos em clubes com “donos”, a primeira lembrança que nos vêm são equipes como PSG e Manchester City, que são extremos e parte pequena de um universo cuja maioria esmagadora é formada por mecenas.

Pois é, não é um privilégio do Atlético Mineiro ter mecenas em sua gestão. Há muitos clubes pela Europa que vivem dessa forma, com acionistas que completam o fluxo de caixa com “dinheiro do bolso”, seja para bancar uma contratação, seja para pagar salários.

Na Itália, esse é o modelo mais difundido, um clássico desde sempre, de Berlusconni a Agnelli, como um bom espaguete a carbonara – que não leva creme de leite na receita.

Aliás, é também um clássico difundir a ideia de que donos de clubes retiram lucros das equipes, como capitalistas selvagens. Basta ver o desempenho histórico dos clubes na Europa para entender que, na maioria das vezes, os donos colocam dinheiro para fechar a conta e raríssimas vezes retiram alguma coisa.

Há dois caminhos para auferir lucro com futebol. Ambos estão associados aos modelos de gestão de clubes cujos donos são Investidores em Futebol.

O mais comum é comprar equipes em baixa e vender em alta. Equipes de divisões inferiores, de preferência tradicionais, mas com problemas de gestão. Como o valuation está sempre associado a um múltiplo de receitas – ignorem aqueles que tentam vender a ideia de modelos proprietários e mirabolantes – então comprar com uma receita de € 100 e vender com receita de € 300 indica o potencial de valorização de um clube bem gerido.

Outra forma de fazer dinheiro com futebol é formando atletas. Contratando barato, aplicando modelos eficientes de gestão esportiva – que também precisam fazer parte do modelo de negócios anterior – e construindo equipes que jogam bem, capazes de valorizar talentos.

Como não são associações sem fins lucrativos, a conquista não é o objetivo final. Mas disputar bem as competições é uma premissa importante, pois ajuda a valorizar os atletas.

Há também os modelos de Multiclub Ownership (MCO), nos quais o mesmo acionista controla equipes em diversos países.

Podemos até encontrar alguém que sonhe em ter um MCO formado por clubes que têm como objetivo ser competitivos em todas as ligas. Mas geralmente a ideia é criar uma rede que privilegia um ou dois clubes, que serão as chamadas flagships, utilizando os demais times para formar e desenvolver atletas.

Fazer futebol competitivo é caro, assim como é caro comprar clubes competitivos. Logo, um bom desenho de MCO precisa ser feito de maneira inteligente, sem panfletagem barata e irreal.

Daí, chegamos ao Brasil das novas SAFs. A chegada de John Textor trouxe ao botafoguense a esperança de que o clube seria o novo PSG. A verdade é que o clube se transformou “apenas” no novo Botafogo.

O clube ainda carece de evolução da estrutura de gestão, mas ganhou uma visão mais estruturada do futuro. Leva tempo para acontecer uma transformação completa – é preciso paciência. Mas está claro que ninguém vai colocar R$ 300 milhões todos os anos para fazer do clube um competidor natural contra Flamengo e Palmeiras.

Vale a mesma coisa para a 777 Partners e o Vasco. Há algumas semanas, a nova gestão colocou um pouco de ordem nas expectativas e confirmou que vai investir em jovens talentos, em vez de gastar com atletas caros. Natural, assim como foi com o Botafogo. Dinheiro não dá em árvore e ser competitivo demanda muito dinheiro.

Botafogo e Vasco serão parte de estruturas de MCOs nas quais não são flagships. Ainda que em nenhum dos casos os irmãos ricos sejam realmente relevantes no cenário mundial – não dá para chamar o Crystal Palace nem o Genoa de clubes grandes e, por enquanto, a aquisição do médio Lyon não foi formalizada – os clubes brasileiros estão em ligas imaturas, sem apelo comercial internacional. Logo, seus modelos de negócios passam pela busca de melhor desempenho esportivo, mas necessariamente pela busca e formação de atletas.

É ruim? Não. Ruim era quando os clubes não conseguiam competir, fazer dinheiro ou revelar alguém – e quando faziam, tinham que vender por valores irrisórios.

Esta é uma realidade que não será muito diferente dos próximos clubes que virarem SAFs no Brasil. Podem receber aqui ou acolá algum dinheiro que aumente a competitividade, mas não haverá derramamento de dinheiro que justifique a expectativa de transformação de clubes regionais em gigantes mundiais.

Se Bahia e Athletico Paranaense virarem SAF e forem negociados, tendem a melhorar a estrutura e subir de patamar, que já é elevado no caso dos paranaenses. Mas dificilmente chegarão a níveis de receitas que rivalizem com os maiores.

Então, será a vez de um modelo eficiente de gestão esportiva entrar em campo, para que o modelo de negócios seja sustentável sem necessariamente receber dinheiro infinito. Porque ele não existe.

Portanto, seguimos no processo de evolução do futebol brasileiro. Sigo lembrando que o mais importante é construir uma estrutura de gestão eficiente, baseada em aspectos modernos como scouting, cultura esportiva e respeito a orçamento. E que isso sustente um modelo de negócios justo e transparente para o torcedor..Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. . saiba mais em InfoMoney 18/09/2022