Depois do tsunami tech de 2021, com o maior investimento em venture capital no Brasil até hoje [R$ 46,5 bilhões mapeados somente pela ABVCAP], os ventos de 2022 trouxeram uma realidade diferente, de capital mais caro e escasso. Temos tempo. Ainda estamos nos primeiros minutos do primeiro intervalo da transformação digital. A oportunidade é grande.

No nosso país, é ainda maior. Segundo o novo relatório anual de tendências digitais conduzido pelo nosso fundo de venture capital Atlantico, o índice de penetração de empresas de tecnologia na economia ainda é baixo, de 3% no Brasil, uma ordem de grandeza menor do que em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, onde esse número supera os 50%, ou na China, onde chega em 20%. Para realizar todo esse potencial, o empreendedor brasileiro precisa ter celeridade. É preciso cortar além da gordura.

Para se adequar ao novo momento, empresas de tecnologia — das pequenas startups aos grandes unicórnios — estão fazendo uma série de mudanças, com foco em aumentar margens, melhorar a relação entre o custo de aquisição de clientes (CAC) e seu lifetime value (LTV), e estender o tempo até terminar o precioso caixa. Mas as medidas ainda são tímidas, especialmente considerando a redução de 60% em investimentos de venture capital no Brasil entre o quarto trimestre de 2021 e o segundo trimestre de 2022. [Ainda segundo a ABVCAP, os aportes somados saíram de R$ 13 bilhões para R$ 6,4 bilhões, na comparação entre o quarto trimestre de 2021 e o primeiro trimestre de 2022)

O delicado equilíbrio entre otimismo e cautela
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O sentimento geral de fundadores de unicórnios latinoamericanos é de um otimismo cauteloso, segundo dados inéditos do relatório. Cerca de 56% estão mais cautelosos, mas 47% estão otimistas ou entusiasmados com o momento.

Do total, 35% das startups da região fizeram algum corte de funcionários, mas 80% deles corresponderam a uma redução de menos de 10% dos colaboradores, de acordo com pesquisas divulgadas no relatório. Cortes na faixa de 5% a10% se enquadram mais em uma rotina de melhoria de eficiência do que em reduções mirando aumentar as chances de sobrevivência. Embora a maioria das startups tenha adiado os planos de uma nova rodada de investimento, os cortes apontam para um aumento médio de 6 meses de caixa.

Enquanto o Brasil digital se prepara para uma crise de seis meses, analistas mundo afora preveem uma retomada bem mais lenta, mais na casa de anos do que meses. É hora de dosar nosso otimismo como empreendedores. De segurar o ‘reality distortion field’ com um pouco mais de cautela.

Como fundador do Peixe Urbano, vivi na pele os altos e baixos de uma empresa de tecnologia de rápido crescimento. Criamos um cenário de hiper eficiência após um início de hiper escala. De uma sala de apartamento com duas pessoas, em dois anos, passamos para US$ 100 milhões em faturamento anual com amplas margens. Pouco depois, com a implosão repentina de nosso mercado mundo afora, entramos num turnaround agressivo, cortando dois terços de nossa equipe para alcançar o breakeven.

Foi importante agir rapidamente para sobreviver. Nesses casos, é melhor arriscar errar para cima, isso é, cortar muito além da gordura e se preparar para momentos mais difíceis. Errar para cima garante que permanecemos no jogo, com mais uma tentativa de acertar a mão. Em uma empresa estável e saudável, sempre é possível reconstruir. Errar para baixo pode significar o fim da linha: uma ampulheta vazia, um caixa exaurido.

Descobrimos ser possível fazer mais com menos, como as melhores startups vêm fazendo no Brasil há muito tempo. 2021 foi atípico, mas o ecossistema criado aqui sobreviveu durante uma década com acesso a capital reduzido. O resultado: empresas de tecnologia inovadoras e resilientes, com cultura de foco no resultado e busca pela eficiência operacional.

Entramos num novo capítulo da história Brasil digital. Quem sabe assim abriremos o segundo tempo da transformação digital… leia mais em Índices Bovespa 20/09/2022