Recentemente, a mídia especializada noticiou o ajuizamento de uma ação de produção antecipada de provas pelos fundadores do Kabum, comércio eletrônico brasileiro especializado em tecnologia e jogos, contra o braço de investimentos do Banco Itaú, o BBA, assessor financeiro do Kabum no processo de venda para a Magazine Luiza em 2021, sob alegações de fraude na assessoria de venda.

Na ação mencionada, os fundadores do Kabum criticam a atuação do BBA, alegando que a venda da empresa foi mal negociada. Segundo eles, o banco teria enviesado as tratativas para que o deal fosse fechado com a Magazine Luiza, em detrimento de outras propostas, inclusive mais vantajosas, de players do varejo.

A despeito do litígio instaurado entre os fundadores do Kabum e seus assessores financeiros, a narrativa dos fatos exposta na ação deixa claro que a relação entre os vendedores e a compradora apresentou ruídos em um ponto costumeiramente problemático em contratos dessa natureza: a cláusula de earn-out, adotada em operações de fusões e aquisições a fim de prever um pagamento adicional condicionado a resultados futuros do negócio adquirido.

Na operação, cujo preço de aquisição totalizava R$ 3,5 bilhões, a Magazine Luiza pagaria aos fundadores do Kabum R$ 1 bilhão em dinheiro, dividido em duas parcelas, e os outros R$ 2,5 bilhões em ações da própria Magalu, que equivaliam, em valores de julho de 2021 (quando o negócio foi fechado), a 125 milhões de ações da varejista. Neste caso, a parcela do preço em ações compõe o earn-out, que seria paga em tranches de 6, 12 e 18 meses após o fechamento, mediante o atingimento de algumas metas e condições acordadas contratualmente.

Dessa forma, a vertiginosa queda no preço das ações do Magalu impactou diretamente o preço de aquisição do Kabum e, por consequência, o earn-out a ser pago. Segundo os advogados dos fundadores, “o contrato não previu nenhum mecanismo contratual que garantisse a preservação do valor do preço na data do fechamento”.

A cláusula de earn-out é comumente utilizada em contratos de M&A como uma forma de alinhar os interesses do comprador e do vendedor em relação ao desempenho futuro da empresa-alvo, pois trata-se de uma estratégia usada para viabilizar uma negociação quando comprador e vendedor não chegam a um acordo sobre o quanto vale a empresa ou o ativo negociado. Essa cláusula estabelece um pagamento adicional ao vendedor da empresa-alvo caso determinados objetivos sejam alcançados após o fechamento do negócio.

Em geral, a cláusula de earn-out estabelece metas específicas de desempenho da empresa-alvo, como receita, lucro ou outros indicadores-chave de desempenho (KPIs) que precisam ser atingidos dentro de um determinado período. Se tais metas forem alcançadas, o vendedor receberá o pagamento adicional no valor máximo previsto contratualmente. Se não forem alcançadas, o pagamento adicional será parcial ou inexistente, a depender das condições pactuadas contratualmente.

A cláusula de earn-out é uma forma de mitigar o risco de pagamento excessivo por parte do comprador. Com essa cláusula, o comprador pode pagar um valor menor pela empresa-alvo no momento da aquisição, com a promessa de pagar um valor adicional caso as metas de desempenho sejam alcançadas. Isso pode ser especialmente útil em transações em que o comprador não tem certeza do potencial futuro da empresa-alvo, mas acredita que ela pode se tornar mais valiosa com o tempo.

Por outro lado, a cláusula de earn-out também pode ser uma fonte de tensão entre o comprador e o vendedor. Sem a intenção de esgotar o assunto, alguns dos problemas mais comuns relacionados ao tema são:

  • Dificuldades na medição de desempenho: O sucesso ou o fracasso de uma empresa pode ser medido de várias maneiras, e as partes podem ter visões diferentes sobre quais indicadores-chave de desempenho (KPIs) são relevantes para a cláusula de earn-out. Além disso, pode haver disputas sobre o momento em que o desempenho deve ser medido, o que pode levar a desacordos sobre a quantia a ser paga.
  • Dificuldades na integração pós-aquisição: A realização das metas de desempenho pode depender da capacidade do comprador de integrar efetivamente a empresa-alvo em sua operação. Se a integração não for bem-sucedida, pode ser difícil para a empresa-alvo atingir as metas estabelecidas na cláusula de earn-out.
  • Conflitos de interesse: O comprador pode ter incentivos conflitantes em relação à cláusula de earn-out. Por exemplo, o comprador pode estar interessado em reduzir a quantia a ser paga ao vendedor, o que pode levar a uma falta de cooperação ou investimento na empresa-alvo.
  • Dificuldades financeiras: O desempenho da empresa-alvo pode ser afetado por fatores externos, como mudanças na economia ou no mercado. Se a empresa-alvo não atingir as metas estabelecidas na cláusula de earn-out devido a dificuldades financeiras ou de mercado, o vendedor pode alegar que o comprador não fez o suficiente para ajudar a empresa-alvo a superar tais dificuldades.
  • Problemas legais: A cláusula de earn-out pode ser complexa do ponto de vista legal, o que pode levar a disputas judiciais ou arbitrais entre as partes. Além disso, pode haver problemas com a execução da cláusula de earn-out, como a falta de fundos suficientes para fazer o pagamento.

A fim de mitigar tais riscos e desgastes no pós closing, é importante que as partes estabeleçam contratualmente metas de desempenho claras e mensuráveis para o pagamento de earn-out, além de se comprometerem a trabalhar juntas para alcançá-las. Além disso, é importante que o comprador se comprometa a investir adequadamente na empresa-alvo e que as partes estejam alinhadas em relação aos incentivos da cláusula de earn-out… saiba mais em Jornal Floripa 11/03/2023