A rede varejista Muffato, do interior do Paraná, desistiu de comprar as lojas remanescentes do Makro para entrar na capital paulista, em um acordo estimado em mais de R$ 2 bilhões. Em entrevista ao Estadão, Everton Muffato, um dos três irmãos que atuam como CEOs da empresa, afirma que fusões e aquisições continuam na mira. “O grupo é um consolidador hoje. A gente avalia outras oportunidades que estão na mesa”, afirma Muffato.

A empresa planeja continuar a sua expansão no mercado brasileiro com mais de dez novas lojas previstas para o ano que vem. A empresa vai terminar 2022 com 89 unidades, incluindo uma nova loja autônoma, em Curitiba, que funciona de forma parecida com as lojas Amazon Go, com processamento de pagamentos automático, filas ou operadores de caixa.

A abertura de capital na Bolsa, como fez o Grupo Mateus, do Maranhão, está no radar da empresa, mas não no curto prazo. Apesar do assédio de bancos e corretoras, o IPO só será feito quando a empresa entender que existe uma oportunidade de expansão dos negócios além do que consegue fazer com a geração de caixa atual. O grupo paranaense faturou mais de R$ 10 bilhões em 2021 e a estimativa de crescimento para este ano é de cerca de 10%.

A gestão da empresa é dividida por Everton e os irmãos Eduardo e Ederson. Eles perderam o pai, fundador do Muffato, em 1996, quando ainda eram adolescentes. O executivo diz que o formato, apesar de pouco usual, tem dado certo: “Perdemos nosso pai em 1996, aos 41 anos. O Eduardo tinha 13, eu tinha 16 e o Ederson tinha 18 anos. Superamos essa falta do nosso pai com um ecossistema horizontal. Não criamos um CEO e nos dividimos nas tarefas”, explica.

Por que a negociação de compra das unidades do Makro não foi para frente?

O Makro é uma grande empresa que está há mais de 50 anos no Brasil. Foi precursor do cash and carry no País, que depois virou o atacarejo. A marca teve seu auge na década de 1990. Eles foram muito fiéis ao modelo deles e demoraram a aderir ao atacarejo, mas não há nenhum demérito nisso. O Brasil aderiu a outro modelo. Lá atrás, o Makro começou uma desmobilização no Brasil ao vender suas operações fora de São Paulo. Assim como outros, olhamos essa operação quando eles contrataram um assessor para apresentar a proposta ao mercado. A Muffato já está em cidades do interior de São Paulo. O negócio não avançou por incompatibilidade de interesses, houve desalinhamentos de ambos os lados.

A empresa tem uma nova estratégia para ir a São Paulo?

Não posso afirmar isso, mas todos os varejistas brasileiros sonham em acessar os maiores mercados. A capital tem uma complexidade. O crescimento orgânico tem um desafio maior porque São Paulo tem questões logísticas, como horários de descarga, e particularidades de uma megalópole. Estamos avançando no Estado. Fomos a Ourinhos neste ano e iremos a Assis no ano que vem. Vamos ter mais investimento no interior de São Paulo e estamos avançando para novas cidades. Em algum momento, o Makro espalhou seu negócio pelo Brasil inteiro. Isso gerou uma complexidade e um custo altos. No nosso negócio, temos de gerar sinergias. Hoje, abrir uma loja em São Paulo não faz sentido porque existem custos de mídia, logística, gestão e regionais de RH. Quando abrimos uma unidade, temos de aproveitar o máximo possível que ela pode gerar de sinergia para o grupo. Do contrário você tem uma empresa que gera mais custos do que receita.

Quais são as próximas cidades que estão no radar da empresa para expansão?

Fecharemos o ano com 89 lojas. Teremos um plano audacioso para o ano que vem, com mais de dez novas lojas. Temos uma média de expansão de 15% ao ano em faturamento.

Fusões e aquisições continuam nos planos da empresa?

Posso falar com segurança que sim. O grupo é um consolidador hoje. A gente avalia outras oportunidades que estão na mesa. Nos preparamos para nos credenciar a estar em um novo cenário. Avaliamos as oportunidades que aparecem, mas há um hiato entre analisar propostas e fechar acordos. Mas sempre mantemos a visão de longo prazo. Não fazemos nada por fazer. O que se somar ao propósito e à missão de entrega do grupo faz todo o sentido.

O Grupo Mateus tem uma estratégia de negócios parecida com a da Muffato e fez IPO. A entrada na bolsa de valores está nos planos futuros da empresa?

Fomos muito provocados. Por coincidência, quando o Wilson Mateus deu entrada na CVM, eu estava lá. Disse a ele que aquilo era um divisor de águas porque ele daria visibilidade a empresas como a nossa. Era uma grande responsabilidade e ele não fez feio. Fez um dos IPOs de maior sucesso. A reboque disso, fomos provocados por bancos e gestoras, que olharam para nós. Mas cada um faz um movimento por um motivo, como fusão ou aquisição ou necessidade de crescimento caixa para desenvolvimento orgânico. Precisamos achar o nosso motivo. Não é um tabu, mas não é algo que tenha necessidade de ser feito. Temos uma geração de caixa que suporta o nosso crescimento e nos permite inovar. Se surgir algum movimento que faça sentido nos levar para a bolsa, já temos uma gestão como a de uma empresa de mercado. Buscamos fazer tudo com sustentabilidade de negócios.

Como a empresa se mantém competitiva no mercado mesmo diante de gigantes como Carrefour, Assaí e GPA?

Quem ganha o jogo não é o maior, e sim o que é mais rápido e melhor. É isso que nos guia. Nossos competidores são multinacionais, empresas listadas e mais capitalizadas. Nos colocamos como um concorrente importante no mercado. Nos desafiamos, em tecnologia, a ser mais ágeis e ter uma entrega melhor ao consumidor. O Brasil é um país continental. Quando analisamos outros países, como Portugal, eles têm o tamanho do Estado do Paraná. A Espanha seria parecida com o mercado de São Paulo. Vários países menores têm grande concentração de vendas em um ou dois varejistas alimentares. Dentro do Brasil tem muitos ‘Brasis’. O Grupo Mateus e a Muffato lidam com comportamentos e culturas antagônicas. Imaginar que um modelo único vai ser um sucesso em todo o País é utopia. Corremos para estar entre os dez maiores do mercado, em faturamento, mas foi para ter capacidade operacional e de investimento para manter a inovação, o que engrandece a marca e nos dá perenidade. Não fazemos nada de curto prazo para agradar investidores. Pensamos sempre no longo prazo, no nosso propósito e na nossa eficiência.

Os negócios familiares podem ter impasses e disputas. Como a Muffato mantém a gestão conjunta da empresa entre os irmãos?

Perdemos nosso pai em 1996, aos 41 anos. O Eduardo tinha 13, eu tinha 16 e o Ederson tinha 18 anos. Tínhamos uma equipe, claro, mas era uma empresa regional e menor. Superamos essa falta do nosso pai com um ecossistema horizontal. Não criamos um CEO e nos dividimos nas tarefas. Nesse caminho, criamos uma empresa exponencial de uma necessidade que virou uma oportunidade. Tivemos uma grande agilidade porque os três se desdobraram e passamos a ter três CEOs. Hoje, temos uma governança e um grupo diretivo. Em toda a empresa não há ninguém que seja parente de sangue na parte operacional. A companhia toda é profissionalizada e existe um conselho familiar. Estamos criando um corpo diretivo que dependa menos da família, que seguirá definindo os caminhos da empresa. Hoje, a empresa já não tem uma super dependência dos irmãos. É um ecossistema que funciona há 26 anos. Nossa mãe também teve grande importância, nos dando apoio sempre. Mas o segredo para manter tudo fluindo bem é o pragmatismo. Em empresas familiares, a emoção fala mais alto do que a razão e evitamos que isso aconteça.

Como o novo lançamento da loja autônoma se relaciona com a estratégia de negócios da Muffato?

Buscamos inovar no varejo alimentar desde 1999, quando começamos no comércio eletrônico. Em 2017, lançamos o Scan & Go, que o consumidor podia escanear e pagar pelas suas compras. Agora, chegamos à fricção zero. O consumidor pode chegar, pegar o que quer e sair. Buscamos tirar o atrito, a compra precisa ser prazerosa. A tecnologia tem de facilitar a vida do consumidor, e não complicá-la. O que mais gosto no Uber, além de chamar um motorista facilmente, é abrir a porta e sair. Isso é sensacional. Agora, temos um mercado com a mesma experiência no Muffato Go. Temos uma concièrge na loja, mas você pode fazer suas compras sem precisar falar com ninguém. Você só precisa do celular para entrar, não precisa mostrar na saída. Inauguramos uma nova fase do varejo do Brasil, não só do alimentar. Essa tecnologia pode ser usada para farmácias, cosméticos ou venda de roupas.

Foi feito um estudo sobre a viabilidade econômica da loja autônoma?

Somos uma das poucas empresas de varejo que tem uma verba para pesquisa e desenvolvimento no Brasil. O Muffato Labs está incubado dentro de uma empresa de tecnologia que é a RenovRetail. Para o caixa de autoatendimento que lançamos em 2012, a conta não fechava. Mas sabíamos que o consumidor tinha aprovado o conceito. Tanto que hoje qualquer lugar tem isso. Hoje, fizemos um projeto que é viável no mundo atual, se ela tiver um grande sucesso, ela pode ficar de pé. Mas acredito que a segunda loja terá uma viabilidade maior. Todos os equipamentos são importados em euro. Se forem fabricados localmente, a queda de custo será abrupta. No médio prazo, vejo que esse é um negócio que fique em pé. Convidamos os parceiros a pensar fora da caixa. Todos precisaram fazer alguma adaptação para participar do projeto. Os sensores e tecnologias precisaram ser importados e adaptados. As câmeras de visão computacional foram importadas, mas todos outros itens foram ‘tropicalizados’ para baratear o custo.

A nova loja autônoma não tem atendentes de caixa, uma função exercida por parte dos quase 20 mil funcionários da empresa. Como a Muffato prepara as pessoas para esse modelo mais tecnológico do varejo alimentar?

A operadora de caixa de anos atrás não tem nada a ver com a atual. Hoje, temos Pix, clube de benefícios, aplicativos de pagamento e e-commerce. A nossa operadora de caixa é quase uma gestora. A tecnologia cria novos cargos. Uma loja autônoma tem mais de 30 pessoas cuidando dela à distância. Nos últimos cinco anos, a Muffato criou 70 novas funções que não existiam antes… saiba mais em Revista Distribuição 11/11/2022