Pequenos e médios hospitais, que chegaram a ter perda de até 40% em receitas no auge da pandemia com a suspensão de procedimentos eletivos e o medo dos brasileiros de ir a hospitais e se contaminar com a Covid – serão os mais afetados caso o Supremo Tribunal Federal (STF) não acolha a Ação de Inconstitucionalidade (ADI) contra a lei que definiu um novo piso salarial nacional para os profissionais de enfermagem de R$ 4.750. Menos capitalizados, eles podem se tomar alvo de propostas de aquisição de grandes redes, acelerando a consolidação do setor.

O apetite por compras tende a ser maior nas regiões metropolitanas, onde a concentração nas mãos de poucos grupos vem crescendo nos últimos anos. No Rio, por exemplo, apenas 30% dos hospitais são independentes, ressalta Marcus Quintella, presidente da Associação de Hospitais do Estado do Rio:

– Pequenos e médios hospitais não têm dinheiro para pagar os novos salários nem para demitir. E não têm crédito. As grandes redes acabam comprando-os pelo valor da dívida. Aliás, mais de 70% dos hospitais têm dívidas superiores ao seu valor patrimonial. Nas regiões metropolitanas, os grandes grupos vão tomar conta.

A criação do piso foi sancionada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, no início de agosto, o que torna esta semana decisiva para o setor, já que o primeiro pagamento com o novo salário seria em setembro. Segundo Francisco Morato, presidente da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), 70% dos pequenos e médios hospitais não têm como absorver o impacto do novo piso, estimado em R$ 16 bilhões, considerando a soma de unidades privadas, públicas e santas casas.Pequenos na mira

O setor, ressalta, tem dívidas na casa dos R$70 bilhões com tributos federais, e muitos hospitais podem fechar as portas. Guilherme Jaccoud, presidente da Federação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, destaca que apesar de as grandes redes também terem perdas com o novo piso, estão capitalizadas:

Os hospitais isolados não têm de onde tirar. Se tudo continuar como está, vão quebrar. E esses grupos ainda vão comprá-los mais barato. A visão desses grupos é oportunista e predadora.

RISCO À ASSISTÊNCIA

Além da maior concentração do setor, o novo piso tende a deixar pequenos e médios hospitais mais fragilizados, o que pode levar a problemas na assistência de saúde, especialmente fora da Região Sudeste.

– Em estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, mesmo os grandes hospitais podem ser afetados, pois a diferença é maior entre o piso regional e o nacional estabelecido pela nova lei. Ninguém sai incólume. Mas o fato é que unidades de pequeno e médio porte têm mais dificuldade de negociar, de repassar custos. As grandes redes se ajustam pela força – pondera Breno Monteiro, presidente da CNSaúde, entidade responsável pela ADI.

Em pesquisa feita com 2.511 instituições de saúde no país, 51% disseram que terão de reduzir o número de leitos diante do novo piso e 77% afirmaram que farão demissões no corpo de enfermagem. Outros 59% irão cancelar investimentos. O levantamento foi feito pela CNSaúde, em parceria com FBH, Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB), Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) e Associação Brasileira de Medicina Diagnostica (Abramed).

Para Morato, da Federação Brasileira de Hospitais, a verticalização da saúde preocupa. Até porque, 57% aos atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), destaca, são feitos pela rede privada:

– O Brasil não pode se dar o luxo de ficar sem pequenos e médios hospitais.

Para as santas casas e instituições filantrópicas – que em 825 municípios brasileiros são um único hospital disponível- o novo piso pode ser uma pá de cal sobre alguns serviços para os quais não conseguiam fechar as contas, diante da defasagem da tabela do SUS que cobre entre 40% e 60% dos custos, dependendo do procedimento. Com obrigação legal de ter ao menos 60% do atendimento dedicado ao SUS, esses hospitais concentram de 80% a 90% na clientela do sistema público.

A venda para grandes redes, como aconteceu ano passado com a Santa Casa de São Paulo, comprada pela Rede D’Or, pode ser uma saída para algumas unidades que estão nos grandes centros, mas a solução não é viável em áreas com pouca atratividade comercial. Na última década, mais de 500 instituições fecharam.

– O assédio das grandes redes é um fato, mas não é bom para o SUS, pois desestrutura a assistência – diz Mirocles Véras, presidente da CMB.

Frei Paulo Batista, membro do Conselho Administrativo da Associação Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus, que tem 72 serviços de saúde e assistência em sete estados do país, diz que sempre há assédio de redes privadas, interessadas nas unidades em áreas mais atraentes do mercado:

– Sempre há propostas, sobretudo para áreas de grande lucratividade. Mas não há interesse no barco-hospital que atende a comunidade ribeirinha ou nas cidades do Pará onde estamos e em que só há espaço para assistência pública ou filantrópica.

O novo piso também fragiliza as empresas do setor de medicina diagnóstica. Segundo Wilson Shcolnik, presidente da Abramed:

– A nossa esperança é que venha alguma medida compensatória, como redução de tributa Se isso não acontecer, as empresas que trabalham de forma isolada ficam mais fragilizadas, podendo gerar uma nova onda de aceleração das consolidações no setor.

REPENSAR A GESTÃO

Rita Ragazzi, sócia-diretora líder do segmento de Saúde e Ciências aa Vida no Brasil da KPMG, defende que o setor veja essa crise como uma oportunidade para pequenos e médios hospitais repensarem sua forma de atuação:

– Precisamos discutir a reestruturação da rede, criar modelos regionais, hubs de excelência com o uso de tecnologias disponíveis como telemedicina. Os pequenos precisam pensar em alianças, fazer compra em rede, digitalizar. Repensar a cadeia é caminho natural.

Para Adriano Londres, da consultoria Arquitetos da Saúde, há uma questão de escala que é difícil ser superada pelos pequenos e médios hospitais, mas não é só:

– Há problemas de gestão, eficiência. Trabalhar em rede, em nicho, pode ser um caminho. O pequeno e o médio não vão sumir, mas precisam pensar o caminho para sobreviver.

Foi como estratégia de sobrevivência, diante da chegada de grandes redes à cidade, como Einstein e Mater Dei, que foi criado o G-500, no ano passado, que reúne cinco hospitais de Goiânia – da Criança, do Coração, de Acidentados, Santa Mônica e Ela Maternidade. O movimento está no primeiro estágio de um processo que vai culminar na fusão das unidades. Já houve a criação de um centro de serviços compartilhados, que garantirá economia de R$ 5 milhões em energia.

– Temos que atuar de forma a adquirir escala em compra, treinamento, marketing. É um caminho sem volta – diz Haikal Helol, diretor do Hospital Santa Mônica, um dos hospitais do G-500.Autor: Luciana CasemiroReferência: O Globo.. leia mais em Capitólio 29/08/2022