A C&A é um mistério que atormenta os banqueiros de investimentos. Por que ela vale tão menos que suas concorrentes em bolsa, ainda que não seja tão menor em tamanho de negócio? O descasamento não é coisa recente, de dias de baixa do mercado ou do prejuízo que anunciou ontem à noite, mas acompanha a varejista desde seu IPO.

Uma consequência é que a companhia tem poucos analistas na cobertura e outra é que a C&A parece ter mais gestores investidos com viés de M&A do que de fato apostando no negócio atual. A equação, claro, faz com que os bancos batam à porta com alguma frequência, oferecendo potenciais transações. Até agora, nenhuma proposta foi adiante — mas há um consenso de que o controlador quer se desfazer do negócio em algum momento no médio prazo, dizem as fontes.

Com quase 300 lojas, a operação local do grupo holandês vale R$ 1,08 bilhão na B3, mesmo tendo praticamente a mesma receita anual que a Guararapes, dona da Riachuelo, que vale R$ 4,3 bilhões — ambas estão na casa de R$ 5 bilhões de vendas líquidas. Expoente do setor, a Renner fatura quase o dobro (R$ 9,55 bilhões em 2021), o que lhe confere market cap de R$ 23 bilhões. Ou seja, a Renner é negociada em bolsa a 2,4 vezes as vendas e a C&A, a 1/5 da receita.

Vendas sem rentabilidade não contam muita coisa e um comparativo de margens começa a jogar alguma luz na discrepância de valuations. No ano passado, quando as varejistas ainda estavam se recuperando do baque do isolamento social, a C&A mal saiu do atoleiro. Reportou uma margem Ebitda de 1,1%, enquanto Renner e Guararapes ficaram em 11,6% e 17,5%, respectivamente. No primeiro trimestre deste ano, a situação ficou ainda pior.

A C&A reportou prejuízo de R$ 152,1 milhões de janeiro a março, ainda que a receita tenha dado um salto de 54%. No mesmo dia, a Renner mostrou que está retomando o patamar pré-covid, com alta de 63% das vendas na comparação anual, um lucro de R$ 192 milhões e margem Ebitda de 17,1% — ainda que distante do que era dois atrás.

Por que a C&A vale tão pouco na bolsa

Repercutindo os balanços, a ação da C&A despencou 13,97%, enquanto a Renner subiu 5,99% na sexta-feira. Hoje, nas primeiras duas horas de pregão, caía mais 9%. A ação da C&A saiu a R$ 16,50 no IPO em 2019 e, há pouco, era cotada a R$ 3,19.

“Tudo o que estamos fazendo pede muito capex, muito investimento e muitas despesas adicionais também. As receitas desse projeto de expansão têm um mismatch de tempo para que consigamos ver os resultados”, diz Roberta Noronha, diretora de relações com investidores da C&A, ao Pipeline.

Ela se refere principalmente à retomada do plano de abertura de lojas, em que a C&A pretende abrir 20 a 25 lojas por ano, em média – somando unidades da marca principal e da marca ACE. Só no ano passado, a companhia investiu R$ 680 milhões, incluindo 26 novas unidades.

Além dos investimentos em expansão, um detrator de margens tem sido a divisão de “fashiontronics” (celulares e eletrônicos). Normalmente os itens ajudam a aumentar a venda por metro quadrado nas lojas, mas afetam a margem bruta – agora, nem ajudando em vendas estão. Em termos de receita, a categoria ficou 23,5% abaixo de vestuário, que chegou a R$ 911 milhões e uma margem bruta de 51%, enquanto os eletrônicos registraram uma margem de 19,5%.

A fraca geração de caixa tornou a alavancagem da companhia ponto de atenção. A Fitch fez uma revisão da nota de risco de estável para negativa, no mês passado. “A revisão reflete os desafios da C&A para fortalecer sua geração de caixa e suas margens operacionais, de forma a reduzir sua alavancagem financeira para níveis adequados à atual classificação”, escreveu a agência, quando avaliou uma emissão de R$ 600 milhões em debêntures da varejista.

No ano passado, a relação entre dívida líquida ajustada/Ebitdar (que exclui os custos com aluguel) ficou próxima de 6x, bem acima das expectativas da Fitch, que projetava 3x. No primeiro trimestre deste ano, a dívida líquida chegou a R$ 1,07 bilhão, ante R$ 180 milhões no mesmo período do ano passado, diante de um Ebitda negativo em R$ 109 milhões.

Os analistas do Citi estimam que a alavancagem atual esteja em torno de 1,7x. A C&A tenta controlar esse teto. “A expectativa é de que não ultrapassemos 2x dívida líquida/Ebitda ao longo do ano”, afirma Roberta. O Citi reduziu, em abril, o preço-alvo de R$ 9 para R$ 6 para o papel e também alterou a projeção para o ano completo, de lucro para prejuízo em 2022 e cortando pela metade a projeção de lucro para 2023. No entanto, manteve a recomendação de compra, ainda que considerada de alto risco, apostando na estratégia de cinco anos da companhia.

Em dezembro, a varejista chegou a um acordo com o Bradesco para desfazer a sociedade no financiamento aos clientes. Para isso, terá que desembolsar R$ 470 milhões em 2023 na recompra de participação – o que dificulta a desalavancagem, destaca a Fitch. A mudança no acordo era uma expectativa dos analistas dado que o índice de aprovação de clientes era baixo. Ainda é cedo para avaliar qualquer mudança mas, no primeiro trimestre, o C&A Pay representou 10% das vendas no trimestre, ante 36% das vendas financiadas na Renner.

“A gente sabe que tem que esperar esse timing da financeira começar a apresentar resultado. Se a performance melhorar, é um papel que está muito barato”, diz um gestor gestor com pequena posição na ação.

Os controladores da C&A, a família Brenninkmeijer, venderam no ano passado a operação no México e na China. No Brasil, sondaram interessados antes do IPO, mas não encontraram ao preço pedido. A operação local foi a primeira a ter capital aberto, num grupo historicamente misterios…. leia mais Pipeline 09/05/2022