Uma das oportunidades que uma crise econômico-financeira pode gerar é a de aquisições de empresas. As companhias que não estão bem das pernas acabam sendo alvo daquelas que conseguiram driblar as dificuldades.

Atualmente, ficaram em posição vantajosa as que tiveram mais controle de caixa durante a pandemia da Covid-19, ou que integram setores menos afetados pelo contexto negativo dos últimos dois a três anos.

“O primeiro semestre foi muito forte, por mais que houvesse uma sinalização um pouco mais conservadora da Bolsa”, disse afirma Danielle Lopes, sócia e analista de ações da Nord Research.

“Já tínhamos um cenário de inflação e juros [elevados] muito aparente, mas, para fusões e aquisições, foi um momento importante. Sempre que há esses picos, esses momentos mais de crise, as empresas que têm caixa literalmente vão às compras.”

Ela destaca que o momento favoreceu a retomada de negociações ocorridas anteriormente, a exemplo da conversa entre o Fleury (FLRY3) e o Hermes Pardini (PARD3), ambas empresas do setor de saúde. Para Lopes, a operação – um dos destaques do ano, ocorrida em junho – era aguardada pelo mercado há algum tempo.

Imagem/Rede D’Or

Mas houve também quem surpreendesse. A compra da SulAmérica (SULA11) pela Rede D’Or (RDOR3) foi vista como uma grande cartada da empresa de hospitais, enquanto a Cosan (CSAN3) pegou os investidores no contrapé ao divulgar que adquiriu uma fatia de quase 5% na Vale (VALE3), e precisou explicar algumas vezes o que pretendia com a operação para diminuir a reação negativa do mercado.

A Suzano também aparece entre as empresas de capital aberto que fizeram aquisições relevantes em 2022, mas por adquirir parte das operações da Kimberly-Clark.

Vale ressaltar que este ano não está particularmente aquecido no que diz respeito a fusões e aquisições.

Diferentemente do cenário do ano passado, 2022 não deixou muitas brechas para entrada de empresas na Bolsa. O cenário macroeconômico interno e mundial, assim como o contexto de eleições majoritárias no Brasil, gerou incertezas e levou muita volatilidade ao mercado.

“O período eleitoral, com ano mais cheio de incertezas, e temos uma grande questão que é a fiscal. Quando falamos de fiscal, nos referimos também à tributação de grandes empresas, e isso desaquece um pouco o mercado”, diz Ariane Benedito, economista especializada em mercado de capitais.

Rede D’Or e SulAmérica

Jader Lazarini, analista CNPI da Agência TradeMap, destacou em fevereiro, quando a compra da SulAmérica pela Rede D’Or foi anunciada, que a operação era a maior das cartadas dadas pela companhia desde o IPO, em 2020, e se comparava à fusão entre a Intermédica (GNDI3) e a Hapvida (HAPV3), ocorrida no final do ano passado.

“Enquanto as operações de Hapvida e Intermédica são complementares, de Norte a Sul do Brasil, com a operação de planos acessíveis e hospitais próprios, a anexação da SulAmérica ao seus negócios coloca automaticamente a Rede D’Or, grande gestora de hospitais, no segmento de planos de alta renda”, pontuou.

No dia 8 de novembro, a Rede D’Or recebeu o aval da Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para a realização do negócio. Na avaliação do órgão, com a aprovação, “cria-se um novo grupo de saúde verticalizado que pode gerar grandes benefícios ao consumidor de saúde complementar”.

‘Por que sim?’

A proposta da Rede D’Or avaliava a SulAmérica em cerca de R$ 12 bilhões – quantia pequena se comparada ao valor de mercado da rede de hospitais à época, que beirava os R$ 100 bilhões.

De acordo com Denis Morande, sócio-diretor da empresa especializada em fusões e aquisições Fortezza Partners, a operação fazia sentido para a Rede D’Or. Desde que estreou na Bolsa, a empresa havia comprado mais de uma dezena de outras companhias e agido como consolidadora no setor de saúde. “Não tinha muito por que não realizar. Tinha mais por que sim.”

Ele destaca que a Rede D’Or pretendia participar da operação de compra Amil, que não foi adiante. Depois disso, a SulAmérica então passou a ser uma das opções.

“Por mais que seja listada [em Bolsa, a SulAmérica ] pertence a uma família. Eventualmente havia questões sucessórias que iriam aparecer no futuro e a empresa preferiu fazer uma transação com um grupo que está ficando cada vez mais institucionalizado.”

Na avaliação de Lopes, da Nord, a operação é relevante pelo tamanho e pela capacidade da Rede D’Or de operar muito bem no segmento hospitalar e conseguir se unir a uma empresa complementar.

Sabemos que Rede D’Or só faz aquisições, até mesmo olhando só para leitos, nas quais a rentabilidade seja muito acima da média do mercado. Eles têm um histórico excelente de aquisição”, diz, destacando que o payback da compra pode ocorrer até em prazo mais curto que o esperado.

Fábio Jamra, sócio da RGS Partners, assessoria em fusões e aquisições, ressalta que outro ponto positivo da operação é o plano de verticalização das operações adotado pela Rede D’Or, que permite a absorção de uma maior margem de lucro na cadeia.

‘Por que não?’

Por outro lado, a economista Benedito, vê o negócio negativamente. Pela complexidade da operação, afirma, o retorno do investimento pode demorar mais a ocorrer.

“Vai precisar de muito investimento em reorganização das operações e depender também dos setores nos quais [as empresas] estão inseridas. Mas [a companhia] pode estar vendo algo que nós não estamos. Por algum motivo esse link ente as duas empresas fez sentido. [De todo modo], eu fico muito desconfortável, sentada na cadeira do investidor, não tomaria o risco, exatamente por essa dificuldade de previsibilidade de retorno.”

Para ela, se positiva, a operação poderia gerar um retorno do investimento em quatro anos. “Mas é bem difícil acontecer. Seria um movimento fora da curva”, destaca.

“As ações apanharam muito, porque criou-se a incerteza do que aconteceria com o grupo, se seria uma unificação ou não, o que o Cade entenderia sobre isso, porque está reduzindo o mercado. (…) São papéis voláteis, e acho que ainda pode vir muita volatilidade.”

Ela ressalta a entrada da Rede D’Or na área de seguros. “São estruturas que se complementam, mas há seguradoras de capital aberto muito mais interessantes e com menos riscos que a SulAmérica”, analisa. E dá exemplos: “Uma BB Seguridade, um Bradesco, que teve frustação de resultado, mas a área de resseguros tem uma receita superimportante. Tem a Porto Seguro também”.

“Por ter viés mais conservador, eu não daria exposição para uma empresa que não tem uma instituição financeira forte por trás, que poderia segurar uma queda de receita via outros segmentos e que, em momentos de instabilidade, traz mais receita, por meio do spread bancário. Então não acho que faça muito sentido”, sustenta.

A ação da Rede D’Or acumula baixa de quase 35% no ano.

Fleury e Pardini

Ainda no primeiro semestre deste ano, outra operação no segmento de saúde atraiu as atenções dos investidores. O Fleury fechou um acordo para comprar o laboratório Hermes Pardini (PARD3) por R$ 2,5 bilhões.

A estimativa das empresas, em 30 de junho, era que o negócio gerasse um aumento de até R$ 190 milhões no Ebitda (lucro antes dos juros, impostos, amortização e depreciação) anual da operação conjunta.

“O processo de crescimento inorgânico, acelerado pela CEO Jeane Tsutsui, que está no cargo há um ano e meio, mostra uma estratégia diferente da tomada pela companhia até a chegada da pandemia. Antes, o Fleury tinha o objetivo de crescimento por meio de unidades de marcas que já estavam dentro de seu guarda-chuva. A grande virada de chave foi o anúncio da aquisição do Hermes Pardini, forte em Minas Gerais”, afirmou Lazarini, da TradeMap.

Para Lopes, da Nord, o destaque do Pardini é a especialização lab-to-lab, a prestação de serviços para laboratórios e hospitais, inclusive na área veterinária. “Entra em marcas que o Fleury não estava. Então, são segmentos que se complementam nas faixas de renda.”

Em 2022, o papel do Fleury registra desvalorização de cerca 0,60%.

‘Sem saída’

Segundo ela, a aquisição – já aventada uns anos antes – era imprescindível, principalmente para o direcionamento do crescimento da companhia e após o período da pandemia de Covid-19.

“Imagino que as empresas tenham batido os resultados e percebido que ambas ganharam com isso. Elas poderiam ter sido muito maiores antes.”

Na avaliação de Morande, da Fortezza, desta vez “o Pardini não tinha saída, tinha que ser vendido para alguém”. “Ele ia ficar pequeno no contexto nacional.”

Tela com números referentes às recomendações de casas de análises para a ação da Rede D’Or.

Suzano e Kimberly-Clark

Em outubro, foi a vez de a Suzano comprar os negócios da Kimberly-Clark Brasil de fabricação, marketing, distribuição e venda no país de produtos da categoria de tissue, como papel higiênico, toalhas de papel, guardanapos e lenços.

“O chamariz do negócio está na fábrica de produção de tissue, localizada em Mogi das Cruzes (SP). A capacidade anual da unidade está na casa das 130 mil toneladas, o que pode fazer com que a empresa tenha maior exposição à região Sudeste do país”, destacou o analista Lazarini na ocasião do anúncio.

Morande ressalta que a operação mostra a Suzano entrando com tudo num segmento de nicho e que tem a ver com geografia. “Papel higiênico e papel toalha não viajam muito, senão fica muito caro.”

A operação, na prática, incorpora à Suzano uma etapa de produção que antes estava nas mãos de outra companhia. Essa verticalização, segundo Benedito, dá à transação um caráter positivo, em particular num momento economicamente mais turbulento, em que as empresas ficam com margens apertadas.

“A Suzano de certa forma comprou o centro de vendas dela. Não é uma diversificação, mas uma aquisição de um ‘cliente’, digamos assim. Em vez de aumentar os polos de centro de distribuição, tem o próprio produto que utiliza a matéria-prima dela dentro do grupo”, afirmou.

A ação da Suzano registra queda de quase 5% em 2022.

Cosan e Vale

Uma das maiores aquisições do ano foi também a mais controversa. Em 7 de outubro, a Cosan anunciou a compra de 4,9% de participação na Vale, e indicou que pretendia aumentar ainda mais esta fatia. As ações da companhia caíram mais de 8% por causa do anúncio e chegaram a entrar em leilão.

A maior preocupação dos investidores residia no montante pago pela fatia na mineradora – cerca de R$ 17,7 bilhões à época, ou 56% do valor de mercado total da Cosan no mesmo período.

“Um desembolso de mais da metade do próprio valor da empresa é algo que assusta os investidores“, disse Sérgio Castro, analista CNPI da Agência TradeMap à epoca.

Passado o susto inicial, porém, a leitura do mercado é a de que a operação é positiva. “É normal que, no momento em que a operação é feita, tenha uma reprecificação, porque o investidor está posicionado nas duas [ações]. Onde está a diversificação? Mas, para a saúde da empresa, faz sentido”, afirma Benedito.

Ela ressalta que o negócio, aprovado pelo Cade em meados de novembro, foi uma espécie de operação de hedge feita pela Cosan.

“Já que a Cosan poderia ter os resultados influenciados negativamente pelo setor de minério, por todas as questões macroeconômicas e por ser menor operacionalmente entre as suas pares, fez uma aquisição grande porque, se perde no balanço, ganha em dividendos e lucro que a Vale pode vir a dar, por ter a maior parte do mercado.”

Jamra também avalia a operação positivamente. A Cosan “entendeu que a Vale estava negociando por um valuation atrativo e que estruturalmente a empresa deveria ser muito resiliente e continuar crescendo”. “Sempre vai haver demanda por minério. E é algo que a Cosan domina muito bem, que é commodity”, destaca.

Neste ano, as ações da Cosan acumulam recuo superior a 21%… leia mais em TradeMap 23/11/2022