Startup que cobra de hospitais privados para fornecer solução de graça ao SUS é contemplada pelo BNDES
Nos almoços de domingo, Ana Helena Ulbrich contava ao irmão Henrique Dias sobre os desafios do trabalho na farmácia clínica do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre. A equipe era pequena para avaliar as prescrições de mais de 800 leitos, e a tecnologia poderia ser uma grande aliada na tomada de decisão.
Como Dias estudava inteligência artificial no doutorado, os dois juntaram os conhecimentos e transformaram a questão em negócio. A NoHarm.ai é investida pela fundação de Bill Gates e que acaba de ser contemplada pelo edital do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Juntos pela Saúde, que selecionou cinco projetos para dividir um aporte de R$ 20 milhões.
A startup não é a primeira empreitada dos irmãos como sócios. Em 2002, quando Ulbrich conseguiu um estágio em uma farmácia de manipulação, ela sugeriu que eles criassem um software para digitalizar a gestão. Dias tinha começado a programar e desenvolveu a solução, que foi vendida para duas empresas. Mas a falta de experiência fez com que eles não antecipassem os possíveis problemas de uso e desistissem do negócio.
15 anos depois, com a bagagem adquirida e uma nova tese para se debruçarem, os irmãos decidiram criar a NoHarm a partir dos dados do hospital em que Ulbrich trabalhava, utilizados para desenvolver dois algoritmos que, inicialmente, viraram um artigo científico publicado em uma revista de informática médica.
Apesar de ceder os dados para o estudo, o hospital não adotou a tecnologia desenvolvida, fazendo com que o doutorando buscasse outras instituições para oferecer a solução com o auxílio do grupo de pesquisa do CNPq dentro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). A primeira a aceitar foi a Santa Casa de Porto Alegre.
O que faz a startup
A solução da NoHarm ajuda na priorização dos pacientes, criando um score automático a partir da criticidade dos casos. Também detecta prescrições fora do padrão, aumentando a eficiência do trabalho da farmácia clínica e auxiliando na tomada de decisão. O hospital não precisa investir em infraestrutura para implementar a plataforma SaaS, hospedada na nuvem.
“O objetivo é evitar que o erro de prescrição, como alergias e doses mais altas de medicamentos, cheguem ao paciente. Quanto mais a gente empoderar o farmacêutico nesse momento com ferramentas, os furos diminuem”, pontua Ulbrich. No primeiro ano de uso, a Santa Casa de Porto Alegre aumentou a eficiência quatro vezes.
A plataforma foi desenvolvida dentro do Tecnopuc, parque tecnológico da PUCRS, com a ajuda de voluntários, com os irmãos se dedicando ao negócio em meio período. Por se tratar de uma organização sem fins lucrativos, eles conquistaram um aporte de R$ 150 mil do Google e receberam apoio da Amazon Web Services para utilizar a nuvem sem custo.
“A gente não acreditava no modelo de startup recebendo dinheiro de investidor porque ele quer o máximo de lucro possível, cobrando o máximo dos clientes. Nós queríamos dar de graça para o SUS e os investidores com quem conversamos não gostaram disso. Desde o início, tomamos a decisão de que mesmo que demorasse mais, a gente seguiria assim”, explica Dias.
O modelo da NoHarm cobra por leito em hospitais privados – de R$ 35 a R$ 50, sendo que o preço cai conforme aumentam os pacientes atendidos. Com isso, a ideia é ceder o uso da solução gratuitamente para os hospitais atendidos pelo SUS. Atualmente, a solução é utilizada por 150 instituições – 50 pagantes –, presentes em 16 estados do Brasil e no Distrito Federal.
De acordo com os números do último relatório de impacto da NoHarm, a startup teve receita de R$ 796 mil em 2022. “Temos a possibilidade de escalar muito rápido, sem aumentar nossos custos. São 10 pessoas na equipe para atender 150 hospitais. Se eu tenho um modelo escalável, por que eu vou cobrar do SUS? Cobro de 30% dos clientes e dou de graça para 70%”, afirma Dias.
O edital Juntos pela Saúde, do BNDES, que contemplou a NoHarm, é focado no fortalecimento do SUS nas regiões Norte e Nordeste. Segundo os irmãos, a ideia é implementar a solução em 20 municípios com menos de um médico por 1 mil habitantes e o valor captado será investido para abrir a NoHarm APS (atenção primária de saúde), área que os sócios sempre quiseram abraçar por entenderem que os hospitais recebem muitos pacientes que não são atendidos pelas unidades básicas de saúde… leia mais em PEGN 11/07/2024