No final da tarde de sexta-feira, uma notícia do Valor sobre “deficiências moderadas” nos controles internos do Grupo Mateus fez arrepiar a espinha de gestores que haviam participado da oferta — o maior e um dos mais quentes IPOs de 2020.

Como a regra do mundo é ‘quem pariu Mateus que o embale,’ a notícia fez os comprados no papel cancelar o churrascão com a família e passar a tarde em ligações com os bancos do sindicato, a própria companhia e advogados envolvidos na oferta (e até alguns não envolvidos).

No final do dia, analistas e gestores concluíram que havia mais fumaça do que fogo: além das falhas encontradas não mudarem nenhum número da companhia para trás, a percepção inicial de que o Mateus podia ter tentado esconder alguma coisa parece ter sido desfeita.

Num documento conhecido como “relatório circunstanciado,” a Grant Thornton, auditores do Grupo Mateus, apontou 21 falhas nos controles internos do varejista, mas as classificou como “leves e moderadas”.

Advogados do Mattos Filho — que assessorou a companhia na oferta — e do Pinheiro Neto — que assessorou os bancos, disseram aos gestores que a CVM só obriga as companhias a fazer o disclosure de falhas “significativas” — um nível de gravidade acima das falhas encontradas no Mateus.

“Como a companhia acabara de vir de um episódio trágico [a queda em cascata de prateleiras numa loja, que matou uma pessoa e feriu oito], eles decidiram ser totalmente transparentes e enviaram o relatório na íntegra, em vez de simplesmente responder que ‘não foram encontradas falhas significativas’, como a maioria das empresas faria nessa situação,” uma pessoa envolvida na oferta disse ao Brazil Journal. “Não se tentou esconder nada, o que houve foi um excesso de transparência.”

Os cordenadores foram XP (líder), BTG Pactual, Itaú BBA, Bradesco BBI, Santander, Banco do Brasil e Safra.

Segundo advogados e bancos, o impacto de todas as falhas no resultado da empresa somaria menos de R$ 1 milhão, o que seria imaterial para efeito da tomada de decisão dos investidores.  

“Se fosse algo material, os advogados não deixariam isso passar e a própria CVM teria prorrogado o prazo da oferta,” disse um banker que não participou da oferta.

Mais do que os próprios apontamentos dos auditores, o que preocupou os gestores foi o timing do disclosure — em parte porque o Valor reportou, corretamente, que as atualizações foram enviadas à CVM nos dias 5 e 9 de outubro.  Como o pricing do IPO foi no dia 8, os investidores inicialmente acharam que a companhia podia ter decidido esconder as más notícias até depois de concluir a operação.

Mas uma revisão do cronograma de arquivamentos deixou claro que o Mateus publicou o relatório dos auditores no dia útil seguinte a recebê-lo dos auditores — no dia 5, portanto antes do pricing. 

Buscando tranquilizar investidores, advogados e banqueiros disseram que grandes empresas com boa reputação — como Natura e Magazine Luiza — têm falhas “significativas” de controles internos apontadas por seus auditores, e o mercado não fica preocupado com isso.

As falhas apontadas pela auditoria do Mateus envolvem desde lançamentos ‘off books’ (segundo os bancos, ‘pequenos ajustes’ que são comuns na transição de uma empresa de capital fechado para a contabilidade de acordo com o IFRS) e uma discussão sobre qual regime usar ao reportar a provisão de juros (a empresa fazia pelo regime caixa; a auditoria defendia o regime de competência).

Isso não quer dizer que o Mateus seja perfeito.

Diversos investidores notaram que ainda chama atenção o fato de uma empresa que vale R$ 20 bilhões não ser auditada por uma das Big 4, as quatro maiores firmas de auditoria globais.

 “Eles ainda estão construindo a organização e a governança de uma empresa listada,” diz um acionista. “Contabilmente, eram três négocios quase totalmente separados: o atacado, o varejo e as indústrias de panificação e frios… Ele consolidou isso para o IPO, isso não tava consolidado antes. Agora, eles tem que aproveitar esse episódio para melhorar os controles e construir uma comunicação condizente com o tamanho da empresa.”

Mas quais dos 21 itens realmente preocupam o mercado?  “É difícil dizer, porque nada parece ter materialidade,” diz outro investidor. “Cada item é coisa de R$ 100 mil, R$ 200 mil … Você tem que buscar os grandes problemas; se você atribuir peso relevante a cada problema apontado nos formulários de referência, você não compra nada na bolsa.”

Ainda assim, os investidores reconhecem que o susto do Mateus serviu para lembrar a importância de discutir controles internos — um assunto que, árido e cheio de minúcias, é frequentemente relegado pelos investidores.

O episódio deixa algumas perguntas que podem ajudar a melhorar o processo de avaliação dos controles das companhias por parte dos investidores…. Leia mais em braziljournal 18/10/2020