Dois anos atrás, com o mercado bombando, Rafael Ferri encantava investidores de varejo – a maioria cristãos-novos na Bolsa – com uma fórmula simples para ganhar dinheiro:

“Conga é R$ 10, Vara é R$ 20 e Bradesco é R$ 30.”

Em lives que reuniam até 20 mil pessoas nas noites de domingo, Ferri – um veterano de outras bolhas – comentava os rumos do mercado, discutia as principais ações da sua carteira, e enquanto isso, promovia aquela que foi sempre sua maior posição: o TradersClub.

Um misto de empresa de análise com rede social, o TradersClub rapidamente se tornou um destino fácil para muitos dos novos CPFs que chegavam à B3.

O frenesi era tão grande que o próprio TC fez um IPO que avaliou a empresa em R$ 2,7 bilhões, com Ferri dizendo a investidores que a ambição era comprar a Agência Estado – o principal terminal de informações financeiras do País, usado por boa parte dos bancos e corretoras.

Um ano depois, o TC perdeu mais da metade de seu valor de mercado, em linha com uma queda que trucidou valuations em todo o mercado e fez toda a Faria Lima sangrar.

Mas agora, a empresa enfrenta seu pior vento contra. Na terça-feira à noite, um vídeo anônimo viralizou na Faria Lima fazendo acusações graves contra a empresa.

No vídeo, uma mulher com o rosto pintado de palhaço chama as dicas do TC de “furadas”, diz que há denúncias contra o TC na CVM e exorta os investidores da empresa a cobrar explicações. O vídeo diz que a CVM está investigando alegações de que a empresa engaja em práticas como manipulação dos resultados, spoofing e front running.

Hoje cedo, uma nota do colunista Lauro Jardim foi na mesma direção, afirmando que a CVM e a BSM (o órgão de autorregulação do mercado, ligado à B3) estão investigando a companhia por manipulação de mercado.

A ação do TC fechou em queda de 27%.

No Twitter, o CEO do TC, Pedro Albuquerque, disse que as informações do vídeo são “falsas”. “Não temos preocupação com denúncias porque fazemos tudo o que é correto,” escreveu Albuquerque. “Fiquem tranquilos que o bem sempre vai vencer o mal.”

Num comunicado, a companhia disse que não foi notificada de nenhuma investigação.

Os problemas do TC sublinham o território conquistado pelos chamados influenciadores digitais nos últimos anos. Com capacidade de formar opinião e fazer preço em papéis menos líquidos, os movimentos desses influenciadores obrigaram a Faria Lima e o Leblon a prestar atenção.

“É impressionante como a CVM deixou isso correr solto, porque muitas vezes esses caras não têm o certificado de analista para poder comentar, e se escondem atrás do ‘disclaimer’ de que ‘não sou analista de investimentos,’ como se isso fosse suficiente,” diz um participante do mercado. “É como você dizer, ‘não sou médico’, mas se você tomar esse medicamento aqui e esse outro aqui, você não vai ter câncer.”

O fato é que a safra de investidores que entraram na Bolsa nos últimos anos – estimulados pela Selic de 2% – foi cultivada por influenciadores com graus variados de preparo e boa fé.

“Mas se um gestor profissional aponta isso, vão falar que ele não quer que o pequeno investidor ganhe dinheiro na Bolsa, e que ele quer que todo mundo vá para fundos só porque isso é o interesse próprio dele,” diz o sócio de uma gestora.

Assistindo de camarote, muitos gestores torcem para que os últimos eventos envolvendo o TC sejam o início de uma capitulação que marque o fundo do mercado.

“Quando o último incauto que entrou na Bolsa pela mão desses influenciadores zerar sua posição, o mercado vai estar pronto para se recuperar,” disse um gestor. “Daqui a 30 anos, quando fizerem a crônica dessa época, aquele folclore sobre o IPO da Merposa vai ser atualizado por outro símbolo dos excessos.”

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Num Fato Relevante de duas páginas agora à noite, o TC disse que tem sido alvo “de uma campanha de desinformação mais conhecida pela sigla FUD (fear, uncertainty and doubt; medo, incerteza e dúvida),” que pode ser uma forma de manipulação de mercado.

A empresa disse que “refuta veementemente o teor das acusações formuladas no vídeo, … saiba mais em Brazil Journal 30/06/2022