Transformação digital: não é a tecnologia, estúpido!
O sucesso da transformação digital depende menos das tecnologias em si e muito mais da capacidade das empresas e seus executivos compreenderem sua amplitude e o desafio de implementarem suas estratégias digitais em tempo hábil
O fator humano é extremamente importante para o sucesso de projetos de transformação digital
Transformação digital é um fenômeno novo, que ainda gera dúvidas até mesmo quanto a sua definição e abrangência. Quando você pergunta a dez pessoas o que é transformação digital receberá onze repostas diferentes.
A explosão exponencial de novos negócios impulsionados pela tecnologia digital começou após a criação recente do iPhone. Recente pois foi em 2007, apenas há 13 anos. Aliás, a própria web fará apenas 30 anos em 2021.
Considero que transformação digital é incorporar tecnologias digitais para mudar radicalmente a maneira como a empresa opera, compreendendo, muitas vezes, mudanças significativas em seus modelos de negócio. E, por ser um fenômeno novo, não sabemos bem o que é, mas já sentimos que existem mudanças significativas acontecendo aqui e ali, sinais claros do embrião de uma revolução.
Estamos trilhando os primeiros passos, mas que, ao longo dos próximos anos, vão desmontar empresas e até setores consolidados. A inteligência artificial (IA) está se disseminando, provocando mudanças significativas na sociedade. Algumas ainda imperceptíveis, mas outras já delineiam seu potencial de disrupção no médio e longo prazo. Funções e empregos existentes vão desaparecer e outros surgirão em seu lugar. Competidores vão surgir de lugares inesperados, criando novos setores de indústria ou eliminando as fronteiras entre os atuais.
A questão é: as empresas e seus executivos estão se dando conta da amplitude e velocidade destas transformações? O Covid foi um exemplo de acelerador. Trouxe muita coisa que se pensava que só iria acontecer nos próximos cinco a dez anos. Antecipou o futuro.
No meu convívio com o mundo corporativo, principalmente CEOs e CIOs, vejo que uma grande parcela das empresas ainda não tem consciência da amplitude da transformação que está por vir. Não é o novo normal, o pós-Covid, mas o pós pós-Covid. Não é uma simples marolinha, mas um tsunami em alto mar, pouco perceptível ainda, mas com poder de levar o que encontra pela frente ao chegar no litoral.
No meu convívio com o mundo corporativo, vejo que uma grande parcela das empresas ainda não tem consciência da amplitude da transformação que está por vir
Uma das dificuldades que temos em visualizar as mudanças que estão ocorrendo de forma exponencial é que pensamos de forma linear. Um desafio que faço nas reuniões com executivos é: tentem imaginar como seria sua empresa daqui a cinco anos, transformada pelas tecnologias digitais e para isso olhem como ela era a 25 anos atrás, em 1995, e a compare com ela hoje.
Sim, como as mudanças são exponenciais, os cinco anos à frente serão, no mínimo, tão intensos como os últimos 25 anos. Para termos uma ideia do poder da exponencialidade, basta lembrar de como era o mundo em 1995! O Google ainda não tinha sido lançado e Amazon era embrionária.
A varejista virtual de Jeff Bezos faria seu IPO dois anos depois, em 1997, se autodenominando “a maior livraria da Terra” (Earth’s biggest bookstore). E batia de frente com a arrogância de uma empresa estabelecida, então líder no setor, a Barnes & Nobles, que processou a Amazon por se dizer a maior livraria.
Só para lembrar o processo: “A Barnes & Noble tem um estoque de livros maior que a Amazon, e não há nenhum livro que a Amazon possa obter que a Barnes & Noble não possa”. O documento também afirmava que a Amazon “não é uma bookstore de forma alguma, mas é um ‘broker’ de livros fazendo uso da internet exclusivamente para gerar vendas para o público”. Em resumo, não entendeu nada. Hoje, a Barnes & Nobles tenta desesperadamente apenas sobreviver.
Há 25 anos, a maioria dos executivos não conseguia imaginar um cenário de intenso uso de redes sociais, smartphones e seus apps, Analytics, IA, Computação em Nuvem, DevOps e assim por diante. Facebook, Twitter, AirBnB, Uber, iFood, bancos 100% digitais e outras empresas não eram, nem por sonho, imaginadas e muito menos eram discutidas nas estratégias de negócios.
Há 25 anos, a maioria dos executivos não conseguia imaginar um cenário de intenso uso de redes sociais e smartphones
Como fazer a transformação digital? Não é comprando e implementando tecnologias sem um mapa claro de onde se quer chegar. A transformação digital começa com uma estratégia de transformação digital do negócio. Para definir essa estratégia, em um cenário onde a única certeza é a incerteza, não será suficiente olhar os desafios de negócio atuais.
Será preciso imaginar como as tecnologias digitais poderão impactar o negócio, a curto e médio prazo, criando rupturas (por exemplo, a shared economy e novos entrantes) e a partir deste contexto, desenhar o mapa de onde você quer chegar. Ou seja, tente fazer uma engenharia reversa de um futuro imaginado e crie as ações para sair do hoje e chegar lá.
Algumas barreiras têm que ser quebradas. Afinal, não estamos falando de inovação incremental (esta é o dia a dia, melhorias dos modelos e processos existentes), mas de inovação transformadora: ruptura de modelos, novas categorias de produtos e canibalização do próprio negócio.
Muitas empresas não têm o DNA de transformação. A cultura organizacional é uma barreira difícil de vencer. Onde você posiciona a cultura de sua empresa?
a – É inovadora (first mover) por natureza?
b – É uma seguidora rápida (fast follower)? Estas são as que acompanham de perto as inovadoras e tentam segui-las o mais rápido possível, evitando os erros do pioneirismo
c- É cautelosa, que atua de forma proativa em mudanças, mas age apenas quando já existem “best practices” consolidadas?
d – É retardatária ou laggard, que basicamente adotam o lema “ meu negócio sempre deu certo assim. Por que mudar?”
Vale a pena notar que a grande maioria das empresas que sistematicamente desaparecem da lista da Fortune 500 faz parte dos grupos de empresas cautelosas e retardatárias. Para cada Amazon e outras empresas que assumem riscos a cada instante, existem milhares de outras que se mantém no seu canto, confiando seguras que seu setor se perpetuará protegido, seja por regulação, seja por aversão a riscos.
Mas, com as mudanças acontecendo de forma tão dramáticas e rápidas, os custos da inação tenderão a se tornar bem maiores que os custos dos riscos. A organização também afeta a capacidade de a empresa mergulhar na transformação digital.
Como sabemos a tecnologia é essencial a esse processo e quando vemos áreas de TI colocadas sob gestão financista, quando muitos CFOs olham mais os números e são avessos às inovações disruptivas, e CIOs mais preocupados em discutir tecnologias que transformações de negócio baseadas na digitalização, vemos que existe um risco de sobrevivência. Aliás, a relevância da expertise técnica do CIO já despencou, dando lugar a relevância da expertise de negócio, inovação e empreendedorismo.
Tecnologia deve ser meio e não o fim de sua atividade na empresa. Observamos que muitas dessas empresas carecem de um líder que as mobilizem e a galvanizem em relação à transformação digital. Sem uma clara liderança digital, a consequência é que os budgets que possibilitam investir em inovação são restritos e, em caso de situações econômicas adversas, simplesmente são eliminados.
A transformação digital requer uma nova mentalidade, um mindset digital. Implementar uma cultura digital passa inclusive por contratação de executivos e funcionários que pensem digital. Nativos digitais ou mesmo “naturalizados digitais” atuam no mundo digital de forma muito mais natural que os migrantes digitais, receosos de mergulhar fundo na transformação digital. Afinal, não é o mundo onde se formaram e se prepararam profissionalmente. Existe a tendência natural de se sentirem inseguros neste novo contexto.
Volta e meia observo empresas iniciando sua jornada de transformação digital sem participação ativa de seus CEOs e CIOs. Os CIOs que não entenderem esta mudança cataclísmica para sua TI, tornando sua TI mais ágil e experimentadora, vão perder a relevância.
Claro que nenhuma TI pode se transformar e operar como uma startup de um dia para o outro, mas porque não começar a operar de forma ágil, não tentando controlar o ambiente (adotando a mesma e desgastada fórmula de sempre, de TI controlador!), mas criando núcleos que operem como uma “lean startup” dentro da TI, que se espalhem rapidamente e que transformem a TI por completo após algum tempo?
O fenômeno da transformação digital não é “conversa” de palco. IA não é buzzword. A transformação digital vai atingir de forma disruptiva todos os setores, em maior ou menor grau. E muito mais rápido que pensamos.
O fenômeno da transformação digital não é “conversa” de palco. IA não é buzzword
O sucesso nesta jornada, inevitável, sob risco de desaparecimento do próprio negócio, depende menos das tecnologias em si e muito da capacidade das empresas e seus executivos compreenderem sua amplitude, e o desafio de implementarem suas estratégias digitais em tempo hábil.
Transformação digital não é uma simples e desordenada adoção massiva de novas tecnologias, mas uma verdadeira transformação dos negócios… Pro Cezar Taurion é VP de Inovação da CiaTécnica Consulting Leia mais em neofeed 09/10/2020