A similaridade das estratégias de negócio, com foco em prestação verticalizada e ticket médio mais baixo em relação aos principais concorrentes, e de crescimento inorgânico para novos mercados antes inexplorados, pode suscitar a tese de concorrência potencial entre as partes

Plano de saúde

Anunciada em 11 de janeiro de 2021, a fusão entre as operadoras de planos de saúde (OPS) Intermédica/Notredame e Hapvida aponta para a formação de uma gigante da saúde suplementar no país.

A fusão une a segunda e a quarta maiores operadoras em números de beneficiários em nível nacional (excluindo autogestão) em uma empresa líder de mercado.

Ao mesmo tempo, analistas têm conjecturado a respeito do potencial de retorno do negócio, indicando que o baixo nível de sobreposição geográfica entre as empresas, com elevada complementariedade, e o modelo de negócio verticalizado seriam trunfos da operação.

Isso, inclusive, mitigaria os riscos de eventual restrição por parte dos reguladores, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

De fato, o modelo de negócio verticalizado, em que a operadora é proprietária da rede assistencial, em especial, dos hospitais, é uma das formas mais eficientes de se combater o desperdício ou uso desnecessário de procedimentos que elevam os custos repassados aos planos de saúde, alinhando incentivos da operadora e do prestador.

Apenas para pontuar, de acordo com Nota Técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), denominada “Inflação dos Planos de Saúde – 2000–2018” (IPEA, 2019), a inflação dos planos de saúde no Brasil foi de 382% entre 2000 e 2018, enquanto o IPCA no mesmo período foi de 208%.

Ademais, de acordo com estudo elaborado pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), o gasto total do sistema teve um aumento de R$ 83,6 bilhões entre 2013 e 2018, um crescimento de 12,1% ao ano, contra um IPCA médio de 4,27% no mesmo período.

Ou seja, os custos da saúde suplementar têm se elevado em níveis muito superiores aos da inflação oficial.

Controle dos custos e preço competitivo são, cada vez mais, variáveis-chave para o crescimento da base de beneficiários.

O que isso pode indicar a respeito da trajetória – e do resultado – da análise da fusão Hapvida-Intermédica por parte dos reguladores?

Em uma análise simplista e mais tradicional, seriam analisadas as sobreposições entre ambas as empresas em nível municipal e, eventualmente, caso seja identificada alguma sobreposição elevada, o Cade poderia impor um remédio local com o objetivo de sanar aquela preocupação.

Considerando a baixa sobreposição regional entre Hapvida e Intermédica, a primeira com foco nas regiões Norte e Nordeste e a segunda com atuação mais forte no Sul e Sudeste, possivelmente uma aprovação sem restrições ou com remédios pontuais é o desfecho mais provável.

Contudo, uma análise sistêmica da dinâmica concorrencial do setor de planos de saúde pode conduzir a conclusões menos favoráveis à operação.

O setor vem sendo bastante afetado pela queda do poder de compra da população nos últimos anos, potencializada pela crise da Covid-19, enquanto os reajustes anuais dos planos coletivos não raro ultrapassam a taxa de 20%.

Isso levou o setor à perda de pouco mais de 3 milhões de beneficiários entre dezembro de 2014 e setembro de 2020, uma queda de 6%.

Tradicionais líderes de mercado, Amil e Bradesco Saúde, sofreram ainda mais: queda de 32% e 19% no número de beneficiários no mesmo período, respectivamente, segundo dados da ANS.

Por outro lado, Hapvida e Intermédica desfrutaram de um crescimento de 39,3% e 128,7% no mesmo período, respectivamente, impulsionadas por crescimento orgânico e, principalmente, por consistentes estratégias de expansão via aquisições, como não deixam mentir seus releases aos investidores¹.

Nos últimos movimentos, aquisições que marcaram a entrada da Intermédica no Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais e da Hapvida, também em Minas Gerais.

A similaridade das estratégias de negócio, com foco em prestação verticalizada e ticket médio mais baixo em relação aos principais concorrentes, e de crescimento inorgânico para novos mercados antes inexplorados, pode suscitar a tese de concorrência potencial entre as partes.

Em síntese, trata-se de uma teoria em antitruste que considera não apenas as sobreposições atuais entre as empresas envolvidas em uma fusão, mas também a potencialidade de competição futura, caso haja elementos razoáveis para acreditar que essa concorrência efetivamente a ocorrerá.

Trata-se de argumento já utilizado pelo Cade em análises complexas e que resultaram em restrições ou mesmo reprovações, como nas fusões entre a BM&F e Cetip e na fracassada união entre Kroton e Estácio, que formaria uma gigante do setor educacional.

Naquela ocasião, a Superintendência-geral do Cade considerou que Kroton e Estácio “possuem estratégias de expansão e atuação mercadológica semelhantes, e que vêm se consolidando, ao longo dos últimos anos, em rivais em diversos mercados”.

Além disso, continua o texto, “não apenas são concorrentes em diversos mercados em que hoje é possível avaliar as sobreposições existentes, mas também são potencialmente concorrentes em um número relevante de novos mercados, seja por meio dos planos de expansão orgânica apresentados pelas partes ao Cade durante a instrução, seja por meio da manutenção da política de aquisições de novas IES, conforme afirmado por ambas em seus relatórios aos acionistas das companhias”.

É de se ressaltar, entretanto, que a referida tese não é de ampla aceitação, especialmente por requerer elementos de convicção a respeito do quão provável e concorrencialmente relevante é uma entrada futura em determinado mercado, o que para alguns pode ser encarado com mero exercício de futurologia.

Não se sabe qual o peso o Cade dará para esse aspecto da fusão… Por Marcelo Nunes de Oliveira.. Leia mais em Infomoney 30/01/2021