Valuation de empresas: o goodwill pós-crise da Covid-19
No âmbito das operações de fusões e aquisições, o valuation de empresas é matéria espinhosa, multidisciplinar e, não raro, suscita debates acalorados entre advogados, economistas e contadores na tentativa de encontrar o método mais adequado vis-à-vis a empresa avaliada.
Entre os vários pontos que devem ser observados, especial atenção é dedicada ao estabelecimento, que é definido pela legislação brasileira como “todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária” (artigo 1.142 do Código Civil) e que inclui o que chamamos de aviamento ou goodwill.
O professor Haroldo M. Duclerc Verçosa define o aviamento como “a capacidade de geração de lucros, proporcionados pelos estabelecimentos comerciais”, podendo decorrer “fundamentalmente da própria localização do estabelecimento (aviamento objetivo, ou local goodwill) ou da especial e competente atuação do empresário à sua frente (aviamento subjetivo, ou personal goodwill)” [1].
O que a pandemia da Covid-19 tem a ver com isso?
A resposta é simples: a pandemia vem alterando a forma como as pessoas consomem bens e utilizam serviços oferecidos no mercado e, a persistir essa situação, isso poderá impactar no valuation de empresas objeto de operações de M&A, especialmente no tocante ao aviamento ou goodwill objetivo.
Atualmente, as pessoas, caso não queiram ou não possam, não precisam se deslocar fisicamente a um restaurante, a um cinema ou a uma loja para obterem os mesmos produtos e serviços que antes somente poderiam ser obtidos através de deslocamentos físicos.
Essa “comodidade” toda vem chamando atenção pois traz à tona, além de alguns aspectos negativos do ponto de vista psicológico comportamental, um outro ponto (positivo ou negativo, não vem ao caso) no tocante à avaliação do que chamamos de goodwill objetivo.
Dito com outras palavras, a localização dos estabelecimentos, a clientela que é atraída também em função disso e todas as facilidades e benefícios inerentes e conquistadas no âmbito da criação do ponto comercial continuarão a ter a importância que sempre tiveram se a aquisição de bens/serviços, e o respectivo consumo, passassem a ser nas residências dos compradores e não mais nos locais físicos dos vendedores?
Com efeito, quanto vale o goodwill objetivo de um restaurante que migrou totalmente para o sistema delivery ou take-out? Se o consumidor não precisa ir mais até uma loja para adquirir um produto, quanto passaria a valer uma loja num luxuoso shopping center?
Ainda não se tem uma resposta precisa e final acerca de tais perguntas já que estamos no meio da pandemia e não sabemos, ao certo, como será o chamado “novo normal”.
Todavia, mesmo ainda sem respostas finais, a permanecer ou se concretizar uma mudança comportamental dessa magnitude, os valuations de estabelecimentos comerciais que até então tinham um alto valor de goodwill objetivo devem ser conduzidos com cautela redobrada.
Não se está defendendo, de forma alguma, o abandono de ferramentas e técnicas de valuation até então utilizadas, mas apenas de, a persistir tal realidade, trazer um novo colorido às discussões em torno de algumas operações de M&A.
Aliás, cedo ou tarde, as próprias empresas de tecnologia que estão na vanguarda desse “novo normal” serão objeto de operações de M&A, sejam como adquirentes ou alvos. Que estejamos cada vez mais atentos aos ativos intangíveis, softwares, nuvens, dados, marcas, patentes e outras ferramentas não palpáveis, não vistas, que já existem ou sequer conhecemos ainda.
Adicionalmente, e aproveitando-se desse espaço para reflexão, há outras provocações interessantes em ramos paralelos ao do Direito Societário.
No âmbito imobiliário, se as reuniões presenciais estão sendo substituídas pelas virtuais, os colaboradores trabalhando em home office e os contratos, cada vez mais, assinados digitalmente, qual é o tamanho mais eficiente dos imóveis comerciais? Passando-se ao tamanho dos imóveis residenciais, haveria uma relação de eficiência inversamente proporcional à dos imóveis comerciais?
Na seara securitária, dissabores nos deslocamentos físicos tais como violência urbana e acidentes de trânsito são consideravelmente poupados se o padrão de consumo mudar. Os prêmios e as indenizações das apólices deveriam ser repensadas no futuro próximo?
Além disso, os consumidores, através dos aparelhos celulares, conseguem comparar preços, ter acesso a um maior número de informações e, por consequência, descartar aquelas empresas que estão cobrando acima do mercado, estejam elas localizadas num mesmo bairro ou em países diferentes. Os Direitos Concorrencial e Consumerista são beneficiados por essa nova realidade?
Em suma, com o passar dos tempos, saberemos se o que chamamos de “novo normal” foi apenas um exagero ou, de fato, uma realidade.
Até isso chegar, que o Direito fique atento às mudanças e, ao mesmo tempo, tenha um papel protagonista nisso tudo. Aliás, nada mais natural e esperado já que, como a História sempre comprovou, o Direito influencia e é influenciado pela própria sociedade, seja ela cada vez mais virtual ou não… Autor Adriano Dib – advogado do escritório Advocacia Adriano Dib , doutorando em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo e mestre em Direito pela Faculdade de Direito da University of Pennsylvania.