Os últimos dois anos – e mais especificamente o de 2022 – derrubaram a tese de que apenas as gigantes do varejo alimentar têm potencial e capacidade financeira para adquirir concorrentes ou lojas de empresas que atuam no mesmo mercado. Esse processo vem se acelerando significativamente também entre redes regionais.

Exemplos não faltam: no interior do estado de São Paulo, o Flex Atacarejo adquiriu cinco lojas da Bon-Netto; o Grupo Amarelinha comprou sete lojas da Rede Palomax; a rede Savegnago adquiriu 14 lojas do Paulistão; e o Villarreal Supermercados anunciou uma fusão com a rede Simpatia. Já no Rio Grande do Sul, a Asun incorporou quatro lojas do Grupo Big, pertencente ao Carrefour.

E, ao que tudo indica, as movimentações não vão parar por aí. Segundo uma pesquisa realizada pela Hand, assessoria especializada em fusões e aquisições, ao menos 479 empresas familiares do varejo brasileiro têm potencial para receber aportes de fundos de investimento ou para passar por um processo de M&A (sigla em inglês para fusões e aquisições). Dessas, 185 são redes de supermercados e atacados, com faturamento anual acima de R$ 300 milhões.

Varejistas regionais com dinheiro em caixa compram concorrentes

Outro levantamento, desta vez da consultoria PwC, aponta que 2021 foi ano das fusões e aquisições no Brasil, registrando 706 transações em todos os setores, o que representa aumento de 100% nos últimos cinco anos e recorde histórico para o mercado nacional. Leonardo Dell’Oso, sócio da PwC Brasil, acredita que o momento econômico provocado pela crise da Covid-19 foi o propulsor do movimento. “Na pandemia, a taxa de juros cresceu muito e a disponibilidade de crédito desapareceu. O câmbio estava favorável, e setores muito afetados pela crise forçaram as empresas a fazer movimentos estratégicos”, comenta o executivo. “Isso fez com que o pequeno empresário conhecesse o mercado de M&A. Os dados mostram que teve muito mais gente acessando fusões e aquisições como alternativa de captação de recursos”, completa.

Cristina Souza, CEO da consultoria Gouvêa Foodservice, também atribui à pandemia a maior procura por M&A. “O crescimento do setor impulsionado durante esse período gerou caixa e confiança para redes regionais, além de uma reconexão e fidelização com consumidores que ao longo dos anos tinham se distanciado. Durante a pandemia o setor foi um dos que melhor se posicionou e gerou protocolos, o que reatou laços”, afirma.

Receita para crescer rápido

Um dos principais motivos para as empresas aderirem a fusões ou aquisições é a busca por um crescimento mais acelerado do que o alcançado de forma orgânica. “Abrir uma nova loja requer um estudo de demanda, a identificação, negociação e preparação do ponto, a construção da loja, o seu abastecimento e todo o desenvolvimento do fundo de comércio, que é a capacidade do ponto de gerar demanda. Isso leva tempo. Mas é possível comprar uma rede de lojas que já opera e já está atuando em plena capacidade, já desenvolveu seu fundo de comércio, já tem sua clientela definida, já tem sua demanda consolidada, e isso pode ser feito de um dia para outro, só virar a chave”, compara Dell’Oso, da PwC.

Entretanto, é preciso ter cautela para que o atalho não leve ao caminho errado. “O pós-M&A não é tão óbvio e, portanto, todo cuidado e planejamento são necessários. Um bom assessor no M&A pode garantir tranquilidade no pós-operação. Uma consultoria que garanta a sinergia projetada nos números também é fundamental desde o início”, recomenda Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores.

Falta de planejamento adequado é o principal fator para que o processo de M&A não seja bem-sucedido, aponta um estudo global da PwC. A pesquisa revela ainda que 2/3 dos movimentos de M&A não geram o resultado esperado, rentabilidade, retorno ou geração de valor aos sócios.

E o que pode dar errado? Tudo, desde a compra até a gestão, explica a consultora da Gouvêa Foodservice. “A compra pode ser malsucedida com erros de comunicação aos clientes, mudança de bandeira prematuramente e rupturas oriundas do processo de integração, prejudicando a confiança e relacionamento com o cliente”, diz Cristina. Segundo ela, também há riscos para quem não está preparado em termos estruturais, tem uma liderança imatura para tratar com o tema ou quando o time de uma ou das duas partes está desalinhado.

M&A vs crescimento orgânico

Maior risco Controle total da operação
Crescimento mais rápido e agressivo Crescimento mais lento e controlado
Desafio na fusão das culturas Controle da cultura organizacional
Herança de histórico de vendas e boas práticas Histórico de vendas baseado na concorrência local e boas práticas provindas de outras unidades
Clientela já consolidada Investimento em marketing para conquista de clientes para a nova loja
Adaptação de espaço físico (troca de bandeira, por exemplo) Busca por ponto comercial e implantação da nova loja
Capital para a fusão ou aquisição Capital para a implantação do zero

Oportunidade para momentos de crise

Empresas capitalizadas são as que geralmente buscam aquisições como uma estratégia de crescer no mercado. “As empresas compradoras em primeiro lugar são aquelas com apetite agressivo de crescimento”, define Ana Paula, da AGR Consultores. O mais comum é que essas redes saiam à frente na abordagem, mas o caminho inverso também existe.

“É comum ver empresas que tenham uma necessidade de investimento e estejam endividadas buscarem movimentos que não são de aquisição, mas de fusão. Ou mesmo de venda de participação societária para capitalização do negócio”, pontua o executivo da PwC. Ele reforça que essa opção fica ainda mais favorável com o cenário econômico de juros altos, como o que acontece no Brasil atualmente.

Além de dificuldades financeiras, brigas de sociedade e principalmente sucessão são os principais motivos apontados pelos consultores para que as redes se coloquem à disposição para um M&A. “Muitas empresas regionais são familiares, estão na segunda geração, e a terceira geração dá sinais de que não deseja atuar no negócio. Esse é um motivo muito forte e frequente”, confirma Cristina Souza, da Gouvêa Foodservice.

Independente da motivação, as fusões e aquisições entre redes regionais devem continuar por todo o País. Um estudo da PwC aponta que o mercado de M&A no Brasil é dominado por pequenas e médias empresas, concentrando 90% das operações. “Esse comércio pequeno e local sempre vai existir. As redes estão deixando de ter grandes lojas para assumir um modelo de pequenas unidades locais em maior quantidade. E há também investidores estratégicos construindo essas redes menores, o que alimenta essa tendência. Nossa avaliação é de que o processo de M&A no setor de varejo seguirá aquecido nos próximos anos, com boas possibilidades de expansão”, analisa Dell’Oso.

Já Ana Paula ratifica a perspectiva de que os anos de 2023 e 2024 serão muito difíceis para a economia. “Nos períodos difíceis é que surgem boas oportunidades de compra. Assim, esperamos que o mercado continue se consolidando”, conclui a CEO da AGR… leia mais em SA.Varejo 30/11/2022