Desde o começo da “Era das Startups” no início da década de 2010, quando elas começaram a se proliferar e o setor de venture capital a se profissionalizar, diversos novos conceitos e métodos de análise de empresas emergiram. Steve Blank, Aaron Ross, Bob Dorf, Eric Ries, Alexander Osterwalder e incontáveis novos pensadores ganharam holofote por tentar desvendar esse novo mundo onde uma empresa com prejuízo astronômico não era mais considerada uma empresa ruim, contanto que estivesse em crescimento acelerado. E se popularizaram os conceitos de runway, burn rate, LTV, CAC, MRR, taxa de conversão e muitos outros. No meio dessa enxurrada acadêmica, um conceito em especial nos chama a atenção por ter nascido de forma orgânica na própria indústria do venture capital: a regra dos 40% (rule of 40% no original). E é sobre ela que vamos falar hoje.

Essa regra surgiu inicialmente num post no blog de Brad Feld, investidor de venture capital e rapidamente passou a ser usada na indústria toda.

Como na maioria das vezes as empresas que cresciam muito tinham resultados negativos e os gestores de venture capital precisavam ter uma primeira validação rápida, surgiu essa “regra do dedão” (rule of thumb) para rapidamente identificar se um negócio de SaaS (software as a service) é bom ou não. Ela é bem simples: se taxa de crescimento + margem de lucro for maior que 40% é uma empresa de software saudável. E quanto maior o indicador, mais saudável ela é.

Por exemplo, se uma empresa tem a taxa de crescimento de 30% e margem de lucro de 10% ela em tese é uma empresa saudável (30% + 10% = 40%). Acontece que é muito comum uma empresa de SaaS, por estar gastando muito com marketing e desenvolvimento, ter prejuízo e alta taxa de crescimento. Ou seja, uma empresa que cresceu 100% e tem prejuízo de 60% totaliza 40% e também é considerada uma empresa saudável.

Quais indicadores devem ser usados para aplicação da regra?

Como “taxa de crescimento” Brad Feld menciona que o ideal é a variação do MRR de um ano para o outro. Ele diz que você pode usar também a variação da receita total, mas não deixe de fazer a conta com o MRR para validar se alguma discrepância contábil não alterou o resultado.

Como “margem de lucro” ele cita diversas métricas que podem ser utilizadas, tais como: lucro líquido, EBITDA, resultado operacional, free cash flow, cash flow. A preferência do autor é usar a margem EBITDA (EBITDA / Receita Líquida) como indicador pois ele não considera eventuais despesas financeiras, não operacionais e a depreciação passando uma visão operacional mais crua e verdadeira.

Como a regra dos 40% se comporta nos investimentos no Brasil?

Utilizando dados exclusivos Klooks analisamos sob uma perspectiva da regra dos 40% diversos investimentos realizados em empresas de SaaS. Abaixo os principais analisados:

Regra dos 40% Brasil

Fonte: Dados financeiros exclusivos Klooks

Captações early stage apresentam relação EBITDA + Crescimento melhores?

Isso é o que essa amostragem indica. Os dois casos seed são os que apresentam os melhores resultados, uma vez que estavam com crescimento exponencial no momento da captação (Omie com 745% e Unico com 497%). Em geral as Series A também apresentam indicadores altos, em geral acima do indicador. Olhando as captações em etapas posteriores (Series B+, IPOs e Follow-ons) o indicador já não fica tão atraente.

Indicador médio por round de captação - Venture Capital

Fonte: Dados financeiros exclusivos Klooks

Por que existem captações com resultados baixos ou negativos?

É interessante que diversas empresas apresentavam indicadores não favoráveis ao investimento mas mesmo assim conseguiram captações relevantes. O indicador chama atenção no caso do Series A e Series B da Docway e do Series D da VTEX, onde temos uma relação EBITDA + Crescimento negativa.

Isso possivelmente acontece pois a expectativa de resultados no momento da captação era muito mais alta do que o que o passado refletia. Entendemos que isso pode ocorrer por diversos motivos, mais no campo do crescimento do que do EBITDA. Abaixo listamos os que nos parecem mais prováveis:

  • A empresa tinha um diferencial tecnológico que, na opinião do investidor, ainda não estava impactando seus resultados
  • A empresa recém tinha implementado uma estratégia de canais e em indicadores gerenciais já se notava melhora relevante, mas o resultado ainda não estava refletindo
  • A dor atacada era extremamente relevante com um mercado atingível muito grande mas a empresa ainda não estava imprimindo a velocidade de crescimento que tinha potencial
  • A empresa sofreu com ameaças externas não calculadas no momento da sua captação (ex.: cyberataques ou inadimplência)

O indicador é definitivo em uma análise?

Apesar de ser um indicador muito importante para o investidor, não podemos tomar posições definitivas apenas analisando a “regra dos 40%”, isso por que não existe um cenário correto para uma startup. Tudo depende do modelo de negócio e das projeções para longo prazo.

Analisar de forma isolada o indicador pode levar o investidor a ignorar fatores como os que salientamos acima. Por isso é sempre interessante analisar o indicador comparando com pares de mercado e com outras métricas. Você pode conferir e entender alguns dos principais indicadores financeiros em nosso post sobre o temasaiba mais em Klooks 26/08/2022