A eficácia dos mecanismos de ajuste de preço em operações de M&A no Brasil
No contexto das operações de Fusões e Aquisições (“M&A, em inglês”), o preço de aquisição é um dos pontos mais debatidos durante as negociações; por isso, os mecanismos de ajuste de preço são conhecidos pelo seu potencial litigioso. Com o Brasil sendo visto como o líder de operações de M&A na América Latina, e tendendo ao crescimento de operações desse tipo nos próximos anos, fica evidente a relevância de se analisar a eficácia dos mecanismos de ajustes de preço mais utilizados nas operações de M&A no Brasil.
Função do ajuste de preço
Não é raro que em uma operação de M&A exista um hiato entre a formalização do negócio e o efetivo fechamento. Na verdade, segundo dados da SRS Acquion, cerca de 63% dos M&As celebrados em 2023 adotaram essa estrutura de conclusão do negócio em dois atos separados 2. Isto geralmente ocorre devido às tecnicidades dessas operações, que envolvem desde aprovações regulatórias e societárias até o cumprimento de condições específicas que devem ser atendidas para que ocorra o fechamento do negócio.
E, em se tratando de um contrato de compra e venda, é natural que nas operações de M&A exista um vendedor querendo vender pelo maior preço e um comprador querendo comprar pelo menor preço. Assim, na existência desse conflito de interesses, é fundamental que, durante o período compreendido entre a formalização e o fechamento – que pode ser de dias, meses e até anos – existam mecanismos de ajuste de preço para assegurar que o valor obtido a partir da metodologia de avaliação escolhida e acordada entre as partes ainda condiga com a realidade econômica da empresa-alvo, de modo a resguardar o interesse de ambas.
Mecanismos de ajuste de preço
Cláusula de ajuste de preço
A Cláusula de Ajuste de Preço por Conta de Conclusão (Completion Accounts), muito comum nos Estados Unidos, se baseia em um cálculo econômico-financeiro realizado no momento da formalização do instrumento de compra e venda, e que pode se basear em parâmetros da empresa-alvo, como EBITDA, dívida líquida, capital de giro ou qualquer outro. A partir desse cálculo, é acordado um Valor Alvo, que deve ser atingido pela empresa-alvo no momento do fechamento. As consequências do não atingimento, ou atingimento acima do Valor Alvo acordado, incluindo eventual margem, serão definidas nessa cláusula, podendo, assim, haver aumento ou diminuição do preço de aquisição, conforme o caso3.
Cláusula de Earn-Out
Outra cláusula importada, e em parte, semelhante à Cláusula de Ajuste de Preço, visto que também condiciona o pagamento a eventos e condições futuras, é a Cláusula de Complemento do Preço – Earn-Out. Essa cláusula fraciona o Preço de Aquisição no momento da formalização do contrato, definindo o pagamento de uma fração do preço acordado (podendo ser ajustado ou não por outro mecanismo) no momento do fechamento. O restante do preço de aquisição fica condicionado ao atingimento de condições futuras predeterminadas, atreladas ou não à performance financeira, a efetiva liquidação de algum ativo contingente, ou mesmo obtenção de alguma condição comercial especificamente esperada que gere valor na empresa-alvo4.
Holdback e Escrow Account
Assim como a Cláusula de Earn-Out, uma parte do preço também ficará retida (Holdback); porém, nesse caso, será retida uma parte do preço já pago pelo comprador em uma conta vinculada (Escrow Account), para fazer frente a determinadas contingências da empresa-alvo identificadas na fase de auditoria (“Due Diligence”) na Operação de M&A. O objetivo desse mecanismo é resguardar o comprador e evitar desembolsos para arcar com passivos provenientes da gestão do vendedor. Dessa forma, caso ocorra a materialização de alguma das contingências identificadas na Due Diligence, o comprador já terá o valor separado para arcar com o passivo em questão. E caso a materialização não ocorra, o valor garantido é liberado para o vendedor5. A escolha entre um simples mecanismo de Holdback ou a contratação de uma Escrow Account está ligada a capacidade de pagamento do comprador. Caso o vendedor entenda que se sente seguro suficientemente com a promessa de pagamento futuro, ou prefere que o dinheiro seja alocado a uma instituição financeira que deverá checar o cumprimento da condição de liberação do valor.
Locked-Box
Na Cláusula de Locked-Box, muito comum nos contratos de M&A europeus, as partes estabelecem, no instrumento de compra e venda, um preço de aquisição fixo com base nos balanços da empresa-alvo, anteriores à data de formalização do instrumento. A partir desse preço fixo, durante o fechamento da operação, é analisado se a empresa-alvo operou dentro do curso normal dos negócios. A definição de “curso normal dos negócios” é acordada entre as partes e pode ser definida na própria cláusula de Locked-Box, mas também pode ter seu conceito incluído em outras cláusulas do contrato, como nas cláusulas de declarações e garantias, condução dos negócios, entre outras. Note que o que é avaliado nessa análise não é necessariamente a performance financeira da companhia, mas sim se a empresa-alvo operou dentro do curso normal dos negócios. Ou seja, caso existam pagamentos, desembolsos ou operações financeiras que estejam fora do curso normal dos negócios (Leakages), definidos no contrato pelas partes, o vendedor terá que reembolsar o comprador, ou descontar esse valor do preço de aquisição a ser liquidado no momento do fechamento6.
A eficácia dos mecanismos de ajuste de preço no Brasil
Os mecanismos de ajuste de preço desempenham um papel fundamental nas operações de M&A, pois buscam garantir uma transação justa e equilibrada entre as partes envolvidas, considerando os vários riscos e incertezas inerentes a estas operações. Por isso, a correta implementação dessas cláusulas no Direito Brasileiro é essencial para fortalecer a segurança jurídica e a eficiência das operações de M&A no Brasil, promovendo um ambiente de negócios mais confiável e estável, cada vez mais atrativo para investidores de todo o mundo.
Todavia, para uma correta implementação desses mecanismos no Brasil, não basta apenas observar as normas e diretrizes gerais dos contratos estabelecidos no Código Civil Brasileiro. Isto porque, tratando-se de cláusulas importadas com alto potencial litigioso, a mera adequação ao direito brasileiro pode não ser suficiente para que a justiça brasileira intérprete e julgue tais mecanismos da melhor forma. Esse desafio é ainda mais relevante considerando a mudança trazida pela lei 14.879/24, que agora limita a eleição de foro e impede as partes de buscarem varas especializadas fora da comarca de residência das partes.
Portanto, a correta implementação desses mecanismos no Brasil vai além da simples utilização dos princípios do Direito Brasileiro. É necessário delicada construção redacional do mecanismo, com fundamentado conhecimento contábil e financeiro, prezando por com precisa descrição, e atentos a potenciais interpretações e resultados desses mecanismos em um eventual litígio futuro. Autores; Matheus Melo Eschipio – Advogado Associado das áreas de Societário e Fusões & Aquisições do TN Advogados e Lucas F. G. Bento – Sócio das áreas de Societário e Fusões & Aquisições, Mercado de Capitais e Bancários, e Contratos e Relações Comerciais no TN Advogados. Advogado…. leia mais em Migalhas 01/07/2024