No início, era uma inconsistência contábil de R$ 20 bilhões. Depois, um rombo de R$ 43 bilhões. Mas não era nem um, nem outro. A dívida virou um pedido de Recuperação Judicial de R$ 41,2 bilhões, com quase 8 mil nomes no Brasil e nos Estados Unidos, onde a rede Lojas Americanas também recorreu à lei para renegociar as dívidas. Uma tormenta de grandes proporções. Nos últimos dias, a confusão ficou ainda mais confusa. Os riscos de restrições de crédito derrubaram ações de Magazine Luiza e Via (dona de Casas Bahia e Ponto) no início da semana, mas subiram forte com a possibilidade de falência da Americanas e migração de clientes. Resultado: de 16 a 25 de janeiro, entre sobes e desces, Magalu se valorizou 12,98% e Via perdeu 6,10%. E mais: os sócios Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, donos de 30% do capital da Americanas, disseram que não sabiam de nada.

A postura do trio entornou ainda mais o caldo. E a briga dos bancos com a companhia ganhou um novo capítulo, desta vez no exterior. O Bradesco, maior credor da rede com dívida de R$ 4,8 bilhões a receber, já trabalha com seus advogados para entrar com processos nos EUA e na Europa contra a varejista e seus administradores. O banco já foi à Justiça no Brasil para que os acionistas Lemann, Sicupira e Telles deponham sobre o rombo no balanço. Trata-se do primeiro desdobramento jurídico do caso Americanas envolvendo um credor da companhia no exterior, em uma escalada de disputas entre os bancos e a empresa, mesmo após a aceitação do pedido de Recuperação Judicial.

Americanas: os bastidores da crise

O BTG Pactual também engrossou a voz contra a Americanas. Na manhã da quinta-feira (26), a pedido do banco, a Justiça garantiu o bloqueio de R$ 1,2 bilhão. O BTG havia entrado com o recurso no STJ na noite de terça-feira (24), após o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ter derrubado a liminar que permitia ao banco manter o dinheiro bloqueado.

A grande confusão gerada pela Americanas, que antes dizia ter caixa de R$ 8 bilhões, mas tinha pouco mais de R$ 1 bilhão, terá desdobramentos incertos, segundo o economista Tulio Menezes, gestor de recursos do Grupo Fractal. “Está todo mundo perplexo com o que está acontecendo”, afirmou. “Há uma perda total de credibilidade da Americanas e muito receio se os sócios bilionários do 3G estarão dispostos a cobrir o rombo”, disse. Mesmo sem tirar dinheiro do bolso, Lemann já ficou um pouco mais pobre: com a queda de mais de 75% no valor de mercado da Americanas, a fortuna do homem mais rico do Brasil passou de R$ 83 bilhões para R$ 81 bilhões, segundo a Forbes.

A tempestade chamada Americanas torna a vida das redes varejistas mais difícil não só pelo escândalo em si, mas pelo contexto em que ocorre. As empresas associadas diretamente ao consumo da população deverão ter em 2023 um ano difícil para seus negócios e em um ambiente mais desafiador do que o visto há um ano, segundo especialistas ouvidos pela DINHEIRO. Há um conjunto de obstáculos, como os juros altos, a inflação de custos, a inadimplência e a incerteza fiscal. A economista Izis Ferreira, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), afirmou que cada empresa terá de adotar estratégias próprias para contornar essa bagunça toda. “Não existe bala de prata. O cenário é desafiador para o consumo”, disse.

DESDOBRAMENTOS Entre os mais otimistas, há quem veja do caos da Americanas um efeito positivo para as concorrentes no médio prazo. Os analistas João Pedro Soares e Felipe Reboredo, do banco Citi, calculam que Magazine Luiza teria aumento de 18% no volume de mercadorias negociadas (GMV, no jargão do mercado) neste ano, seguido pela Via, com expansão de 15% e Mercado Livre, com mais 11%. No cálculo deles, o Magalu receberia uma parcela de 14% das vendas on-line diretas da Americanas e 25% das operações no marketplace. Já Via receberia 12% das vendas diretas e 24% das de marketplace. Mercado Livre receberia 11% das vendas de marketplace.

Mas, por enquanto, toda projeção é encorada em cenários hipotéticos e o risco de falência aumenta a cada dia. A agência de risco Fitch reduziu a nota de crédito da Americanas de ‘C’ para ‘D’. Já a Moody’s cortou sua avaliação de “Caa3” para “Ca”, acompanhada da perspectiva negativa. “As ações de classificação também destacam os maiores riscos de governança, em particular a falta de controles e transparência”, disse a agência, em relatório. As ações da Americanas atingiram na sexta-feira (20) seu menor patamar da história, encerrando as negociações valendo R$ 0,71. Na semana, o papel acumulou uma desvalorização de 77,46% e, desde o início de 2023, a queda é de 92,64%. A confusão ainda promete… leia mais em Isto é Dinheiro 27/01/2023