O setor de tecnologia enfrentou o seu “annus horribilis” em 2022. Após vários anos seguidos de crescimento, impulsionadas pela digitalização da economia e a busca por parte de investidores de empresas com retornos elevados, no ano passado essas companhias se viram obrigadas a puxar o freio de mão em meio à elevação na taxa de juros dos Estados Unidos e os temores envolvendo a desaceleração na economia mundial.

Levantamento feito pelo Valor Data mostra que as principais empresas de tecnologia do mundo, Apple, Microsoft, Alphabet (controladora do Google), Amazon, Tesla, Meta (dona do Facebook) e Netflix perderam conjuntamente US$ 4,62 trilhões em valor de mercado em 2022. O montante é o equivalente a quase três vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2021 ou quase seis vezes o valor inteiro da bolsa brasileira.

Big Techs’ perdem US$ 4 6 tri em valor

Essa reprecificação dos valores que os investidores consideram justos para essas companhias aconteceu com a percepção de que elas não vão mais crescer tanto, de um lado por conta da redução de investimentos, com o custo de capital ficando nos patamares mais altos em décadas, e por outro, na redução da demanda por produtos e serviços pelos consumidores e empresas.

“Essas companhias cresceram muito durante a pandemia e acharam que eram infalíveis aos ciclos econômicos, estavam pagando caro por mão de obra, inflaram a força de trabalho para suportar os investimentos e agora viram que não é bem assim”, diz William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue Securities. Ele explica que os múltiplos do setor acabaram voltando à média do que era na pré-pandemia.

O fato de a economia americana ainda estar aquecida, com inflação dando sinais tímidos de recuo, indica que o Federal Reserve (banco central dos EUA) pode continuar a manter juros elevados por mais tempo, indo contra expectativas que já no fim de 2023 pudesse ser iniciada uma redução nas taxas, explica André Kim, sócio e analista da GeoCapital. “O consumo deve ficar baixo por mais tempo, pressionando o crescimento das empresas de tecnologia.”

As grandes empresas de tecnologia podem ser divididas em dois campos, o primeiro formado por Microsoft, Alphabet e Meta, em que o grosso das receitas é feito por meio da oferta de serviços e produtos para empresas. O segundo é ligado à chamada economia real, como Apple, Amazon, Netflix e Tesla, que vendem produtos diretamente para o consumidor final.

“Em um primeiro momento nós vimos um ajuste maior nas empresas que lidam com venda de publicidade para outras companhias e também nas que oferecem serviços para pessoas”, comenta Thiago Kapulskis, analista do Itaú BBA. No entanto, com a ampliação dos temores, mesmo companhias consideradas mais resilientes, como Apple e Microsoft, começaram a ser questionadas.

A face mais evidente do processo de ajuste nos investimentos dessas companhias está sendo nas demissões em massa que ocorrem desde o ano passado. No início de janeiro, a Amazon demitiu cerca de 18 mil funcionários. No ano passado, a Meta reduziu sua força de trabalho em 11 mil pessoas. Nesta quarta-feira, a Microsoft anunciou que vai demitir 10 mil pessoas.

Segundo o site Layoffs.fyi, o setor de tecnologia americano como um todo realizou cerca de 150 mil demissões em 2022. Para efeito de comparação, o número é maior do que a soma total de funcionários de Petrobras, Vale e Ambev, três das principais empresas brasileiras, em 2021.

“Após essa reprecificação de múltiplos em 2022, o que nós vamos ver agora em 2023 é o ajuste operacional de fato dessas companhias”, explica Alves, da Avenue. As empresas terão que rever metas e apresentar ao mercado um plano de execução mais comedido para os próximos anos, de forma a sinalizar aos investidores um comprometimento com a saúde financeira, explica.

Para Kapulskis, do Itaú BBA, mais importante que os resultados de quarto trimestre que serão divulgados ao longo das próximas semanas, será o indicativo que essas empresas vão passar. “Ainda há um ajuste importante a ser feito pelas empresas, muito por conta do atraso nos efeitos da alta nos juros na economia real, cerca de 18 meses”, aponta.

“Quando as pessoas deixam de gastar e as empresas reduzem investimentos, normalmente há uma demora nessa retomada, gostam de ter evidências reais de recuperação econômica, e ainda não estamos perto disso”, afirma Kim, da GeoCapital. Com isso, as expectativas para as grandes empresas de tecnologia continuam ruins, com a falta de visibilidade nessa recuperação. … leia mais em Inteligência Financeira 19/01/2023