Depois de um pico, em 2021, seguido por uma queda acentuada nos dois anos seguintes, os investimentos em startups no Brasil mostram sinais de recuperação, mas de forma irregular e a passos lentos.

Entre janeiro e setembro, as startups brasileiras captaram US$ 1,46 bilhão em capital de risco, com 313 negócios fechados. O valor representa um crescimento de 9,5% em relação ao mesmo período de 2023, mas ainda é cinco vezes menor que o registrado nos primeiros nove meses de 2021.

Os dados fazem parte de relatório da plataforma de inovação Distrito que será divulgado nesta semana. O monitoramento do mercado leva em consideração informações primárias de startups, gestores e aceleradoras, além de consultas a bancos de dados públicos.

No último mês, os investimentos em startups no Brasil somaram US$ 191,7 milhões, uma queda de 17,8% em comparação a setembro de 2023. O número de negócios também diminuiu, na comparação anual, passando de 42 para 27 no mesmo mês. Na América Latina, o recuo foi de 16,6%, com a quantidade de aportes caindo de 65, em setembro do ano passado, para 40.

O Brasil segue como o principal destino para capital de risco na região. Em setembro, captou 68,9% desses investimentos em startups latino-americanas. O principal negócio fechado no país foi da Cayena,um marketplace de alimentos para atacadistas, que levantou R$300 milhões com investimento liderado pela Bicycle Capital, gestora do bilionário Marcelo Claure, presidente da Shein na América Latina.

O ‘pós-inverno’ é lento

No documento, o Distrito ressalta que o momento é de incertezas para o venture capital na América Latina. Em uma indústria sensível aos juros, o documento destaca que, enquanto os Estados Unidos iniciaram um ciclo de queda das taxas, o Brasil mantém a Selic elevada em 10,75%, após uma recente alta em setembro.

O patamar elevado afeta a capitalização dos fundos que operam no país, lembra Victor Harano, gerente de Research do Distrito. Mas ele avalia que, apesar do cenário ainda desafiador, o primeiro semestre de 2024 trouxe sinais “lentos e graduais” de recuperação após a ressaca no pós-pandemia, que ficou conhecida como “inverno das startups”:

—A gente começou a ver sinais de retomada no primeiro semestre de 2024, mas ainda bem lentos. Não é uma saída rápida desse “inverno” como a gente esperava, mas é mais positivo frente ao que a gente teve no primeiro semestre de 2023. Provavelmente o resultado deste ano será ligeiramente melhor do que o do ano passado. Então, em termos gerais, é um mercado que anda de forma lateral, ou seja, melhora aos poucos — explica o analista.

Desde janeiro, a trajetória mensal desses investimentos em startups oscilou no Brasil sem uma trajetória clara, apesar dos níveis ligeiramente melhores que em 2023. O melhor mês em atração de investimento foi o de maio, quando houve US$ 222,03 milhões em aportes. O pior resultado aconteceu em março, com R$ 72,44 milhões. Em 2021, momento em que o mercado estava no pico, a média mensal de capital no setor foi de US$ 770,17 milhões, em um ano que totalizou US$ 9,2 bilhões em capital.

A pandemia de Covid-19 e a baixa de juros no mundo favoreceu o fluxo de dinheiro para startups, negócios de base tecnológica que dependem de capital para crescer. O período de inflação e aperto monetário, a partir de 2022, fez secar o investimento para setor, em um período marcado por demissões em massa, aquisições de empresas e mais seletividade dos fundos de venture capital, voltados para o setor.

Consolidação do mercado

Em 2024, Serrano salienta que um dos sinais positivos que vêm despontando no mercado é a retomada dos investimentos nas startups chamadas de “late stage”, que são aquelas em estágios mais avançados de desenvolvimento. O fluxo para essa categoria vinha perdendo espaço para os negócios mais iniciais (conhecidas como “early stage”), que costumam receber cheques menos volumosos.

— Essas rodadas maiores para “late stage” praticamente não aconteceram em 2023. Neste ano, a gente já vê mais desses negócios acontecendo — afirma o especialista. — Vale destacar que muitas dessas startups passaram pelo “inverno” e tiveram que fazer ajustes operacionais. Elas saíram desse período mais atrativas para os investidores, o que também ajuda a explicar a atração deste capital. Essa é uma boa notícia.

Entre os principais investimentos em startups em estágios mais avançados este ano, o maior foi da fintech Asaas, que trabalha com serviços financeiros para pequenos e médios negócios, e que levantou R$ 820 milhões em outubro. Na sequência, aparece uma rodada de aporte para a Celcoin, de R$ 650 milhões. A startup, também do segmento financeiro, oferece serviços de tecnologia bancária.

O setor de fintechs continua a liderar na atração de capital, segundo Serrano. No primeiro semestre deste ano, o segmento recebeu 30,7% de todos os investimentos em startups na América Latina. Em seguida, aparecem as energytechs, do setor de energia, com 10,5%, as healthtechs, da área de saúde, com 4,3%, e as agtechs, do agronegócio, com 2,2% de participação.

O analista ressalta que, além de uma melhora lenta, o ano de 2024 deve ser marcado também por mais consolidação entre startups. No primeiro semestre, foram 118 operações de fusões e aquisições na América Latina. Ele explica que a tendência ainda é um reflexo do período mais crítico do setor:

— A gente ainda está em uma saída desse inverno. Em 2022, muitas startups não conseguiram captar, mas ainda tinham caixa de investimentos anteriores, que costumavam durar de 12 a 18 meses. Esses cheques as ajudaram a atravessar o ano passado, mas talvez se esgotam para este ano e o próximo. Então até o começo de 2025 ainda devemos ver esse movimento aquecido de fusões e aquisiçõesleia mais em PEGN 16/10/2024