IPOs de tecnologia da América Latina só devem voltar em 2027, diz Passoni
Com os investidores mais focados em big techs americanas e uma piora na perspectiva macroeconômica no Brasil, novas listagens de empresas de tecnologia da América Latina nos Estados Unidos só devem voltar acontecer em 2027, avalia Paulo Passoni, sócio-gestor na Valor Capital. Baseado em Nova York, ele diz que pode até haver exceções nesse intervalo, de empresas rentáveis e em crescimento, como iFood – mas, em geral, o momento é de comprar e não de vender.
A trajetória de Passoni lhe confere uma perspectiva privilegiada desse mercado. Ele se juntou à Valor Capital há cerca de dois anos, onde é responsável por buscar investimentos em startups latino-americanas de alto crescimento ou de outras regiões que estejam interessadas em expandir a atuação no Brasil e tenham potencial para se tornarem companhias globais. Antes, passou três anos no Softbank como sócio-gestor para fundos na América Latina, quando investiu em companhias que se tornaram unicórnios, como Vtex, Quinto Andar, Afya e Creditas, e foi da Third Point, hedge fundado por Dan Loeb que chegou a investir em IPOs de empresas da América Latina.
A região representa cerca de 80% da carteira da Valor e o Brasil responde por metade das empresas investidas. A gestora tem hoje na carteira desde empresas em estágio maduro, como a Wellhub, Loft e Docket, a estágios iniciais, como a Akad. A maioria dessas companhias mira uma estreia em bolsa americana, onde estão seus competidores e os principais investidores de tecnologia – mas o plano pode demorar. A seguir os principais trechos da entrevista:
Qual a perspectiva para IPOs de empresas de tecnologia da América Latina em Nova York?
O mercado voltará primeiro para as empresas americanas e, seis meses depois, os investidores vão ver como essas empresas performaram para começar a se abrir para companhias de mercados emergentes como o Brasil. Nos Estados Unidos, o mercado de ações teve uma performance muito forte em 2023 e 2024 e o valuation das empresas hoje está bom, nem super caro e nem barato. O problema é que o mercado está cada vez mais concentrado em poucas empresas de tecnologia que estão indo bem, as chamadas Magnificent Seven. Desde 2021, essas empresas tiveram crescimento do lucro líquido de 90% e suas ações subiram na mesma magnitude. As empresas fora desse grupo tiveram crescimento de 5% no lucro e suas ações quase não subiram. Além disso, a cada ano, os investidores que são detentores de fundos passivos, que replicam os índices de ações, aumentaram e a carteira desses índices é calibrada pelo valor de mercado das empresas. Quanto mais as empresas grandes aumentam o peso no índice, mais esses fundos compram papéis dessas companhias. Então, o tamanho para as empresas irem a mercado está subindo porque os investidores estão mais focados em companhias grandes e estão mais sensíveis à liquidez do papel.
Qual é o parâmetro de liquidez?
Hoje uma liquidez boa é partir de US$ 50 milhões por dia. Para isso, a empresa teria que ter um free float de US$ 5 bilhões e, como no início elas vendem apenas um pedaço do capital, em torno de 25%, o IPO teria que ser de US$ 15 bilhões para cima. Ou, talvez no começo, de US$ 10 bilhões, para o float ir subindo e o papel ficar mais líquido, como foi o caso do Nubank e do Mercado Livre. Os investidores só vão comprar um IPO pequeno se for uma oportunidade espetacular. E isso faz com que as empresas da América Latina demorem mais tempo para ter pelo menos US$ 500 milhões a US$ 1 bilhão de receita. A maioria das empresas da região não tem mercado grande o suficiente para chegar lá. Para isso, vai precisar haver M&As de empresas do mesmo setor para ficarem maiores. E por tudo isso, a minha visão, é que os IPOs da América Latina devem ficar para 2027. Poderá haver exceções, de empresas que tem exposição ao mercado americano e que sejam altamente rentáveis. Tem empresas como o iFood que poderiam fazer IPO amanhã se quisessem, mas eles estão preferindo investir em expansão para outros mercados como serviços fina financeiros, e-commerce, e aproveitando para comprar empresas. O momento atual não é de vender, é de comprar.
O cenário macroeconômico local também impacta essas listagens fora?
2026 será um ano difícil por causa de tarifas comerciais impostas pelo governo Trump para o México. No Brasil, os investidores vão estar focados na eleição e as empresas vão preferir ter maior clareza do que será a próxima política econômica. Mas hoje estou até otimista com o Brasil pela seguinte razão: o governo Lula só tem dois caminhos. Ou continua brigando com o mercado e não entrega um ajuste fiscal e as coisas pioram – mas não muito porque existe uma expectativa de que pode ter mudança de governo em 2026 -, ou, o mais provável na minha visão, é que finalmente cai a ficha e ele faz o ajuste fiscal para conter a degradação econômica brasileira. Com os juros altos onde estão, a economia vai desacelerar e os juros estão muito ligados ao fiscal e ao câmbio. O governo não tem opção a não ser fazer esse ajuste. Na minha visão, a gente chegou no ponto de pessimismo quase máximo em dezembro do ano passado. Claro que tem alguns investidores que já começam a falar que o Brasil está barato, mas é um de 10. O resto me pergunta: e aí, esse Brasil vai implodir? O que está acontecendo com o câmbio? E eu tenho que ficar explicando política para um investidor que está investindo em tecnologia. Isso está impactando realmente o apetite para Brasil.
No Brasil, não há um IPO desde 2021. Quando a bolsa local pode voltar a ser uma opção de saída para os investimentos dos fundos?
Para as empresas que atuam só no Brasil, o maior competidor é a NTN-B. Se esses papéis estão pagando inflação mais cerca de 8% sem risco, você tem que pedir pelo equity inflação mais 12%, o que dá cerca de 17% de custo de capital. Mais o prêmio de risco, daria um custo de capital de 20% e o múltiplo da empresa cai. Dá para fazer o IPO, mas a um múltiplo de oito vezes o lucro, o que vai deixar muito dinheiro na mesa. E o juro alto faz com que os empresários não consigam captar recursos a valuations razoáveis para não serem diluídos, e sem capital novo as empresas nem investem. Além disso, os fundos de ações no Brasil diminuíram, com muitas gestoras fechando, e tem pouco capital sobrando no país. Dá para fazer IPO no Brasil de US$ 60 milhões? Até dá, mas a empresa vai negociar com uma liquidez de cerca de US$ 400 mil por dia e nenhum fundo do mundo consegue montar uma posição nesse papel. E ainda tem a questão do câmbio desvalorizado.
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Qual o ritmo de investimentos da Valor e o que estão buscando?
Em 2024, no segmento de growth capital, fizemos cerca de seis a sete investimentos, e no early-stage fizemos mais de 15, volume parecido com 2023. Somos muito focados em fintechs e nesse segmento tem duas teses que a gente gosta muito. Uma é delas é de vertical lending, de empresas que fazem empréstimo para um setor específico, e, muitas vezes, olhamos até companhias de software nesse segmento. Um exemplo é a brasileira Principia, que faz empréstimos para universidades privadas. Isso dá uma vantagem de informação muito grande e permite distinguir os bons dos maus clientes de modo que o risco de crédito seja razoável. Achamos que o mercado de crédito privado no Brasil vai crescer 10 vezes nos próximos 10 anos. Outro mercado que estamos empolgados é de tokenização de ativos baseado em blockchain. O Brasil é líder mundial na adoção de blockchain e achamos que o país vai ser a primeira economia do G10 a tokenizar todos seus ativos. Os países que estão mais avançados em tokenização no mundo são Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos, Cingapura e Brasil, que é a maior economia. Isso faz do país o laboratório do mundo para adoção dessas tecnologias… leia mais em Pipeline 20/01/2025