A escassez de operações fez o Brasil perder nove posições no ranking global que mede a atividade de ofertas de ações em 2023. Com o juro básico ainda intacto em 13,75% ao ano travando o apetite de investidores, o país saiu da décima posição, que ocupou em 2021 e 2022, para a 19ª, segundo a Dealogic, consultoria que mede a atividade do mercado de capitais em todo o mundo, considerando os números do ano até abril.

Na prática, isso significa que a atividade de mercado de capitais no Brasil se contraiu mais do que em outras regiões do globo, visto que em todo o mundo as emissões de ações caíram por conta do cenário de elevação de juros para combater a inflação, que tem sido persistente. O resultado até aqui reverte uma expectativa positiva dos banqueiros de investimento no fim do ano passado, momento em que previam uma fila de operações prontas para virem a mercado ainda nos primeiros meses de 2023.

Por aqui, considerando o volume em dólares, a bolsa local registrou até agora US$ 1,5 bilhão em operações, com poucas ofertas subsequentes de ações (“follow-on”) bilionárias que ajudaram a impulsionar o número. A transação do atacarejo Assaí, maior até o momento em 2023, somou R$ 4,1 bilhões, com o Casino vendendo ações para honrar compromissos financeiros na França. Depois disso, as empresas do setor de saúde Hapvida e Dasa precisaram acessar o mercado para diminuir o endividamento, mas contaram com o apoio dos controladores para garantir o sucesso das operações. A quarta oferta foi a da gestora de resíduos Orizon, para dar saída ao fundo da Jive, que vendeu sua participação na empresa. A única oferta inicial de ações (IPO , na sigla em inglês) de empresa brasileira foi o da petroleira Seacrest, que escolheu, no entanto, a bolsa da Noruega para a operação.

Juros e incertezas fazem Brasil cair em ranking de ofertas de ações

Com essas ofertas, a participação das operações de renda variável no Brasil correspondeu a 0,88% do volume global, conforme a Dealogic. Em 2022, quando o país ocupava a décima posição, essa fatia atingiu 2,46%, com a ampla contribuição da privatização de mais de R$ 30 bilhões da Eletrobras. Desconsiderando essa transação, bem acima da média, o país ficaria em 14º lugar.

Já em 2021, a participação brasileira foi de 1,96%. A melhor posição na última década foi registrada em 2019, quando o Brasil ocupava a sexta colocação no ranking, com uma participação global de 3,5%. Em 2018, contudo, ano eleitoral e de grande polarização, o Brasil respondeu por 0,6% do mundo, ocupando, com isso, a 22ª posição, ainda considerando as emissões de ações.

Alguns sinais, contudo, começam a trazer a leitura de que o mercado está começando a desanuviar. Nos Estados Unidos, o IPO da unidade de consumo da Johnson & Johnson, a Kenvue, que vinha sendo olhado de perto pelo mercado para avaliar o apetite do mercado em um momento de menor atividade global, movimenou cerca de US$ 4 bilhões, com uma demanda de dez vezes, segundo apurou o Valor.

Foi o maior IPO americano desde 2021. Segundo banqueiros de investimento, essa transação, dado o seu grande porte, poderá significar a reabertura do mercado global de renda variável, que segue morno. A retomada desse mercado nos Estados Unidos, segundo os especialistas, é ponto crucial para a recuperação dos IPOs também no Brasil. Aqui, a maior aposta para a volta do mercado é a empresa do setor elétrico CTG, oferta estimada em R$ 4 bilhões, mas que ainda não avançou porque investidores cobrariam um desconto nos papéis dada a atual volatilidade , conforme fontes. CTG, procurada, não comentou.

Ainda no ano passado, a China ultrapassou os EUA, com um volume de quase US$ 48 bilhões e uma fatia de 24% de todas as emissões do mundo. Os EUA registram emissões em ofertas de ações de US$ 41,5 bilhões no mesmo período, levando a uma participação global de 23,9%.

Operações em 2023 não estão fora do baralho, mas muitas empresas podem escolher 2024 por questão prática” MARCELLO LO RE, chefe de renda variável do Morgan Stanley no Brasil

O corresponsável pelo banco de investimento do Bank of America (BofA) no Brasil, Bruno Saraiva, afirma que o retrato mostra que o país tem desafios maiores que o restante do mundo, mas vê possibilidade de mais ofertas ainda neste ano. Com os juros elevados, o dinheiro gravitou da renda variável para a renda fixa, diminuindo o apetite local por emissões. Saraiva enxerga, contudo, uma luz no fim do túnel, tendo em vista a estimativa do banco de que a Selic pode começar a cair na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em agosto.

No segundo semestre deveremos ter mais atividade. Esse período de janela fechada acabou gerando um ‘pipeline’ [operações em preparação] represado, tanto de IPOs quanto de follow-ons”, afirma o executivo do BofA. Confirmado o início do movimento de queda dos juros no Brasil e com as estimativas convergindo no sentido de que haverá uma queda consistente dos juros, Saraiva acredita que o país poderá subir no ranking já a partir do ano que vem. “Em 2024 podemos voltar pelo menos a ser o top 10”, diz.

Para o chefe do banco de investimento do Itaú BBA, Roderick Greenlees, além da troca de governo no Brasil e com investidores buscando mais clareza sobre os projetos para a economia, o cenário de guerra na Ucrânia, que já ultrapassou um ano, e inflação persistente há mais de 12 meses também prejudicam a retomada das ofertas. “Mas já estamos vendo uma luz no final do túnel. A expectativa é de que os juros caiam a partir do segundo semestre do ano, acredito que depende de quão rápido vão cair.” E o mercado, lembra o executivo, trabalha em torno de expectativas. “O mercado antecipa o movimento. Os múltiplos indicados das empresas aumentam e as empresas ficam mais confortáveis para as emissões.”

O executivo do Itaú afirma esperar que em 2023 sejam realizadas até 20 ofertas de ações, um número que aposta em mais atividade no mercado de capitais ao longo do segundo semestre. Apesar disso, já se trata de uma projeção mais modesta do que a feita no fim do ano passado, momento em que calculava entre 25 a 35 ofertas na bolsa brasileira, entre follow-ons e IPOs. Roderick diz que, em evento do banco com empresas e investidores neste mês, em Nova York, muitas das empresas presentes revelaram planos de abrir capital . Havia 140 companhias participantes.

O chefe de renda variável do Morgan Stanley no Brasil, Marcello Lo Re, diz que existe uma expectativa de retomada das ofertas no segundo semestre do ano, mas ele pondera que um volume maior de operações deverá vir a mercado só em 2024. Isso porque, até lá, as estimativas para a economia do país devem estar mais otimistas, gerando um interesse maior do mercado, tanto do lado vendedor quanto do comprador. “Operações em 2023 não estão fora do baralho, mas muitas empresas podem escolher 2024 por uma questão prática”, afirma….. leia mais em Inteligência Financeira 16/05/2023