Em 30 de abril de 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participava, em Maceió (AL), do VII Fórum dos Governadores do Nordeste quando recebeu uma informação surpreendente. No meio de seu discurso, foi avisado de que a agência de classificação de risco Standard & Poor’s havia concedido ao Brasil o cobiçado grau de investimento. Visto pelo mercado como um selo de bom pagador, ele é conferido apenas a países com contas em ordem, bom crescimento econômico e baixo risco de dar calote. Lula interrompeu o pronunciamento para compartilhar a boa nova. “O Brasil vive um momento mágico: acabamos de passar para o investimento grade”, disse, sob aplausos discretos. “Eu não sei nem falar a palavra, mas, se a gente for traduzir isso, é que o Brasil foi declarado um país que cuida de suas finanças com seriedade.” Dezesseis anos depois daquela tarde de quarta-feira, Lula experimentou novamente um pouco da mesma euforia. Há alguns dias, outra agência, a Moody’s, elevou a nota brasileira de Ba2 para Ba1, colocando o país um degrau abaixo de reconquistar o grau de investimento perdido em 2015, na esteira do descontrole dos gastos durante o governo de Dilma Rousseff.

A animação do governo com a decisão levou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a afirmar que o Brasil poderá recobrar o investment grade ainda neste mandato de Lula, que termina em 2026. “Aquilo que parecia distante está à mão, se não tivermos receio de tomar medidas necessárias para o reequilíbrio das contas”, declarou Haddad. Esse é o motivo, contudo, que move o ceticismo do mercado: Lula terá coragem de promover um ajuste fiscal capaz de conter o crescimento da dívida pública? Para a maior parte dos analistas, tudo indica que a resposta é não. “Lula é contrário a um ajuste estrutural”, diz o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. “O Brasil não ganhará o grau de investimento nem por um milagre.

A primeira premissa de quem, como o presidente, descarta a urgência de um choque fiscal é que as receitas crescerão nos próximos anos, devido à aceleração da economia, ao fim de subsídios e à ampliação das fontes de arrecadação, como os 3 bilhões de reais que o Planalto espera obter em 2024 com as outorgas pagas pelos sites de aposta que desejam operar legalmente a partir de 2025. Por essa lógica, a economia mais aquecida contribuiria para estabilizar a relação entre a dívida e o PIB.

Qual seria a base para essa projeção para lá de otimista? Em 2020, no auge da pandemia de covid-19, a dívida bruta da União, estados e municípios alcançou um pico de 87% do PIB. O fim da crise sanitária e a reabertura da economia reduziram a proporção para 72% em 2022. Desde então, ela voltou a crescer e deve fechar o ano em 77%. O Tesouro Nacional estima que o endividamento se estabilize em 78% entre 2025 e 2028, quando começaria a cair.

A questão é que, com exceção de Lula e sua equipe econômica, quase ninguém acredita nessas estimativas. Os mais pessimistas, como a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, apontam que a dívida bruta alcançará 100% do PIB nesse período. “Será algo inédito”, diz Vilma Pinto, diretora da IFI. “O agravante é que a nossa estimativa já considera um crescimento da economia acima de 2% ao ano, e juros menores.”

Atacar os gastos públicos, portanto, é o único caminho para evitar que o país quebre. Além da falta de vontade política, o Orçamento cada vez mais engessado dificulta a tarefa.

Maílson da Nóbrega lembra que, em 1987, antes da promulgação da Constituição, os gastos obrigatórios representavam 37% das despesas primárias. Agora, essa relação já ultrapassa os 90% e deverá chegar a 95% em 2030. A lista de despesas obrigatórias é bem conhecida: estende-se da Previdência Social até os investimentos em saúde e educação determinados pela Constituição…. leia mais em Veja Negócios 13/10/2024