Antes de estrear na B3, a empresa vai buscar se capitalizar na bolsa de Toronto, no Canadá, com o objetivo de ultrapassar a avaliação de US$ 1 bilhão e se tornar o primeiro unicórnio brasileiro nesse mercado.

PUCMED

A startup brasileira-uruguaia Productora Uruguaya de Cannabis Medicinal (PUCMED) se prepara para ser a primeira desse setor no país a abrir capital na bolsa de valores. Mas, antes de estrear por aqui na B3, a empresa vai buscar se capitalizar na bolsa de Toronto, no Canadá. A companhia não traça perspectivas de quando isso deve ocorrer, no entanto.

Lá no país da América do Norte, o uso da cannabis para fins medicinais é liberado desde 2001, e o uso recreativo é legalizado há quase cinco anos. É um cenário bem distante do brasileiro, que ainda se debate com a comercialização – bastante incipiente – dos produtos farmacológicos à base de substâncias que são extraídas das plantas do gênero cannabis, como o canabidiol (CDB) e o tetrahidrocanabinol (THC).

Atualmente, cerca de 24 produtos medicinais à base da cannabis têm produção e comercialização liberada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aqui no Brasil. Mas o mercado nacional é incerto, titubeante e fica nesse vaivém por estar às vezes sob o domínio de alas mais conservadoras no governo e de discussões técnicas ou burocráticas em órgãos de regulação.

Foi o que aconteceu no ano passado, quando o Conselho Federal de Medicina proibiu a prescrição do canabidiol em tratamentos que não fossem o do quadro de epilepsia. Depois, a entidade voltou atrás.

O cultivo das plantas de cannabis é proibido no país, a não ser pelas poucas associações de pacientes que conseguiram na justiça liberação para produção e fornecimento do canabidiol. Já deu para sentir como o mercado daqui é atrasado em relação a outros países?

Por isso, o objetivo da PUCMED em se transformar no primeiro unicórnio da indústria da cannabis na América Latina, ou seja, a primeira startup do setor avaliada em mais de US$ 1 bilhão, começa por se capitalizar no mercado canadense. Talvez, mais tarde, também pela bolsa brasileira – ou talvez não, já que a startup deixa a sua abertura de capital na B3 condicionada a “sócios estratégicos”.

Mas para crescer, a PUCMED precisa convencer investidores a tomar risco em um ano de elevação das incertezas, com inflação resistente, juros elevados e economias a passos lentos (quando não andando para trás) no mercado global.

E terá um desafio e tanto pela frente. A indústria da cannabis, altamente dependente do mercado norte-americano, sofreu, assim como todos os ativos de risco, com a política monetária restritiva imposta pelo Federal Reserve (o banco central norte-americano) em 2022.

As grandes empresas do setor nos Estados Unidos e no Canadá apanharam na pandemia e com a escalada da crise global, embora as quatro maiores companhias do mercado tenham começado a dar sinais de recuperação da receita em 2022.

Vale a pena ficar de olho na PUCMED?

A grande questão é que, para se tornar unicórnio em um cenário hostil para a tomada de riscos como o atual, os números apresentados pela PUCMED tornam a meta bastante ambiciosa.

A startup foi fundada em 2019 e tem a sede de negócios em Curitiba (PR), mas produz somente na Zona Franca de Florida, no Uruguai, já que o cultivo da cannabis (o gênero da planta da maconha) ainda não é permitido no Brasil.

A startup trabalha com o cultivo de flores de cannabis e no fornecimento de derivados de biomassa vegetal para fins industriais, medicinais e científicos. Do ponto de vista de mercado externo, esta é uma boa notícia, já que a empresa pode fazer negócios em setores distintos. No Brasil, ainda está limitada ao emprego medicinal dos derivados de cannabis.

A companhia estima um faturamento de aproximadamente US$ 13 milhões em 2023, US$ 28 milhões em 2024 e US$ 42 milhões em 2025.
“Contamos hoje com o maior estoque da América Latina, com potencial para produzir mais de 2 milhões de frascos e produtos à base de cannabis”, diz Alfonso Cardozo Ferretjans, líder da startup, em comunicado.

Atualmente, em parceria com associações e atendendo importações individuais, a PUCMED tem capacidade para tratar mais de 7 mil pacientes por mês, base que a empresa garante deve crescer “consideravelmente”.

Com a expansão de seus laboratórios no Uruguai, a startup deve fechar 2023 com a capacidade para atender mais de 22 mil pessoas mensalmente, segundo a companhia.

Aqui no Brasil, a PUCMED ainda lançou no fim do ano passado um marketplace para a aquisição de produtos com canabidiol e criou os primeiros espaços físicos sobre o tema no país: na Santa Casa de Curitiba e no Eco Medical Center, ambos na capital paranaense. A expectativa é de ter pelo menos 50 centros de acolhimento espalhados pelo Brasil até o fim de 2024.

Números extraordinários

O setor de cannabis no Brasil se apoia bastante em projeções, já que a realidade evolui bem devagar – ao ritmo dos dois passos para frente e um para trás – e de forma difusa, com a produção dividida entre grandes farmacêuticas, associações de pacientes e startups.

Segundo um levantamento da Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (Abicann) com dados do Euromonitor em 2020, o mercado da cannabis poderia movimentar US$ 30 bilhões no Brasil a partir de 2030.

Mas são números extraordinários, e a própria Abicann admite que, para se chegar nesse cenário, seria necessária dar um ritmo mais célere às discussões sobre a liberação e principalmente o cultivo da cannabis. As projeções dão conta de um Brasil com parque produtivo instalado de exploração da cannabis e operando a toda capacidade – bem distante do atual.

Pela análise da associação, apenas metade (US$ 15 bilhões) desse futuro da cannabis no país estaria concentrada na área medicinal. O resto viria da aplicação industrial do cânhamo, uma planta do gênero cannabis cujas sementes, fibras e caule têm sido explorados como substitutos de matérias-primas usadas em construção, algo já amplamente testado e usado em países da Ásia.

Já para as grandes farmacêuticas que atuam no mercado da cannabis no Brasil (com a liberação da Anvisa), a bolha da cannabis é bem menor. Além da complexidade do processo de extração do canabidiol, que faz com que a produção seja de alto custo, os investidores do setor seguem receosos com a instabilidade jurídica no país.

O Uruguai, peça-chave para o crescimento do setor, é um país com o mercado consumidor muito pequeno, então serviria mais como um parque produtivo para o mercado brasileiro. Chama a atenção ainda que muitos desses medicamentos têm custo elevado por aqui.

Por outro lado, um sinal positivo foi dado nesta semana, com a autorização para a distribuição gratuita de medicamentos à base de canabidiol na rede pública de saúde do Estado de São Paulo.

Muito dependente do Estado, a discussão do avanço do mercado de cannabis no Brasil ainda vai longe e carrega uma série de imbróglios legislativos e de ordem social que podem se desenrolar de vez ou continuar travando a pauta na agenda governamental. Por Beatriz Pacheco, Valor Investe Leia Mais em valorinvest 03/02/2023