Os 5 sentidos (visão, audição, paladar, olfato e tato) são a base por onde percebemos os fatos empíricos. Se a precificação de ativos for uma mensuração direta dos fatos, então ela será também diretamente influenciada pelos sentidos.

Que os sentidos sejam ampliados por relatórios, fontes de informação terceirizadas e IAs, não muda a essência da precificação, apenas chamamos essas fontes adicionais de sentidos estendidos. A realidade estendida como os óculos do Meta ou dispositivos XR/MR/AR/VR e AV para Gamers representam o que há de mais avançado no tratamento dos sentidos.

Até que ponto o realismo dos fatos permite uma percepção mais aguçada da realidade? Muitas vezes os sentidos nos enganam, são as ilusões, algo pode fazer sentido e ainda assim produzir engano. O mágico encanta a plateia, também o ilusionista das palavras pode encantar investidores. É possível se prevenir da (auto)ilusão? Segundo Platão sim, pelo uso razão.

                                      Para Platão os sentidos estariam na superfície do saber enquanto a verdade pode estar oculta. Há uma profundidade fora dos sentidos, segundo Aristóteles podemos usar a razão para alcançar a causa ou o fundamento.

A Tese de Investimento  busca a causa e a relaciona ao benefício

Uma narrativa possui ao menos 5 elementos: enredo, narrador, personagens, tempo e espaço. Contar histórias faz parte da cultura humana, nosso cérebro é adaptado para guardar as histórias com muito mais facilidade que números ou informações soltas. As histórias ou narrativas produzem uma ligação emocional com o leitor ou ouvinte, gerando sentido, propósito e identificação.

A tese de investimento utiliza a estrutura da narrativa, entretanto, está focada na argumentação pelo uso da razão. A tese não pretende criar uma identificação com o leitor ou ouvinte, como ocorre na narrativa, ao contrário, busca libertar o receptor de sua identificação, da ilusão dos sentidos.

Elementos básicos de uma tese de investimento

Quais seriam os elementos básicos de uma tese de investimento? É a pergunta a qual venho trabalhando. Até onde cheguei, consigo identificar ao menos 7 elementos que permitem criar uma ‘gramática’ ou a estrutura básica de tese, proponho elas abaixo:

  1. Beneficiário: Podemos chamar o beneficiário em geral de investidor, entretanto, a estrutura da tese não precisa beneficiar apenas o investidor, o propósito da tese é também a organização;
  2. Recurso estratégico: Uma empresa ou empreendimento conta com o uso de vários recursos, entretanto, ao menos um recurso deve ser estratégico, ou seja deve ser valioso para a organização, raro de obtenção e exclusivo ou não reprodutível (recomendo para este ponto a leitura do livro Administração Estratégica e Vantagem Competitiva de J.B. Barney e W.S. Hesterly);
  3. Ativo estratégico: O ativo estratégico é o objeto mediador entre o beneficiário e a contraparte, pode ser pensado em analogia como a chave do cofre (ativo), onde está guardado o que tem valor (o recurso). Uma outra forma de pensar a diferença entre o recurso estratégico e o ativo estratégico é que o recurso cria valor, enquanto o ativo captura valor como preço mercado;
  4. Causa Atuante: A causa autante é geralmente uma externalidade à empresa ou negócio que atua como força motriz do macroambiente em uma trajetória path dependence (caminho de dependência), formando uma tendência de longo prazo para a indústria. Sugiro neste ponto a leitura do livro Cenários Prospectivos: como construir um futuro melhor, de R. J. S. Grumbach.
  5. Necessidade: A necessidade é o uso da razão para identificar o processo lógico que liga a causa atuante ao conjunto de recursos e ativos estratégicos. Ao fim a necessidade indica como a causa externa produz valor para os recursos exclusivos e como esse valor é capturado pelo ativo estratégico, fazendo com que o benefício econômico flua ao beneficiário.
  6. Benefício Econômico: Na forma mais simples o benefício econômico se apresentaria como resultado financeiro para a organização, entretanto, pode ser que esse resultado não apareça diretamente como financeiro. Optei por chamá-lo de benefício econômico, para abarcar todos os outros benefícios não financeiros que fluem à organização.
  7. Contraparte: A contraparte é a outra parte que reconhece o valor criado, para os propósitos da tese de investimento a contraparte são os agentes do mercado financeiro que precificam os resultados obtidos com a tese bem sucedida.

Por fim, vale lembrar que a tese não é uma proposição genérica válida ao mesmo tempo para todos os investidores, há um componente de especificidade na tese, explorei esse ponto em minha útima newsletter.

O caso das jazidas de minério da Vale do Rio Doce

Gostaria de apresentar um caso de tese de investimento. Pela minha limitação de tempo, apresentarei um caso mais simples e também mais didático, relacionado às jazidas da Vale. Ao menos será possível identificar os elementos básicos propostos para uma tese de investimento, vejamos como ficam no caso da Vale, sob a minha ótica.

Ativos Estratégicos

Considero que as jazidas minerais, as licenças ambientais de exploração de minério e o acesso portuário para a exportação dos produtos sejam os principais ativos estratégicos da Vale. Usualmente os ativos estratégicos têm proteção juridico-legal, enquanto os recursos são mais difíceis de proteger.

Recursos Estratégicos

Já a infraestrutura de logistica da Vale (especialmente as ferrovias que levam aos pontos de distribuição e exportação), assim como todo o expertise da vale em extração de minério são os recursos estratégicos. Esses recursos são difíveis de serem reproduzidos, há condições históricas únicas na Vale (a forma como foi privatizada) que lhe trouxeram de herança as ferrovias e o acesso portuário. Outras vezes podem ocorrer efeitos de ambiguidade cusal, complexidade social, etc que produzem recursos únicos para certas organizações.

O mais interessante dos recursos estratégicos é que sua proteção não é tão necessária ou obrigatória, pois seu uso está na dependência dos ativos estratégicos que já possuem proteção legal, então são indiretamente protegidos. É o caso de certas tecnologias criadas internamente que sem alguns ativos estratégicos não podem ser operacionalizadas.

Causa Atuante

A causa atuante do crescimento da Vale do Rio Doce na primeira década de 2000 certamente foi o crescimento da economia chinesa e a consequente exportação de minério para a indústria da construção civil chinesa. Um possível novo ciclo de comodities pode vir pelo crescimento da India e também pela demanda de outros metais como o cobre, largamente utilizado em motores e transformadores elétricos impulsionados por novas demandas como eletrônicos, consumo de processamento para AI e todo o ecossistema de cidades inteligentes e carros elétricos.

De forma geral a causa atuante é uma macrotendência que funciona como força motriz do crescimento de algumas demandas identificadas como fatores chave de ativação dos recursos estratégicos da empresa.

Necessidade

Identificados os principais elementos da tese fica claro perceber como a necessidade se forma. No caso da Vale, uma reativação da demanda de minério vindo pela Índia pode revalorizar seus ativos. Não pretendo aqui defender esta tese de crescimento da Vale, seria necessária uma análise bem mais profunda, apenas utilizo este exemplo para mostrar de uma maneira mais prática como os elementos de uma tese podem ser conectados.

Pontos de Alerta sobre as Teses de Investimento

Sem dúvida as teses de investimento são muito úteis no value investing, especialmente no growth stage. Mas sem a análise aritimética do valuation perdem-se os parâmetros de relevância da tese de investimento, este é o problema de uma análise puramente topológica (sem números) aplicada aos investimentos. Entendo, como Damodaran, que as narrativas e os números devem interagir de forma conjunta. Autor: Jaime Macadar, da Macadar Avaliações ….. Leia mais em linkedin 01/11/2024