Especialistas apontam que investidores seguem conservadores e dizem que queda na Selic só virá de fiscal “firme”.

O primeiro trimestre de 2023 confirmou as expectativas do mercado de que seria muito difícil ocorrer a realização de uma oferta inicial de ações (IPO, em inglês). A incerteza sobre a política fiscal e os juros em um patamar de dois dígitos já exerciam pressão suficiente até o Caso Americanas (AMER3) contribuir para o fechamento do mercado de crédito.

Neste sentido, a pressão por liquidez ajudou algumas emissões anunciadas neste trimestre. Recentemente, Hapvida (HAPV3) e Dasa (DASA3) divulgaram a intenção de realizar a oferta subsequente de ações, o chamado follow-on. No entanto, as transações não ocorreriam por apetite dos investidores, mas para que seus controladores pudessem injetar recursos para melhorar a estrutura de capital.

“Esses follow-ons só foram anunciados porque os controladores precisam intervir na estrutura de capital e diminuir a alavancagem”, resume Sérgio Goldman, chefe do research da Esh Capital.

IPOs em todo mundo enfrentam dúvidas com temores de recessão

IPos

A diretora executiva responsável pela área de mercado de ações do UBS BB, Teodora Barone, reforça que as emissões do trimestre foram “oportunísticas”. Mas lembra que outro follow-on, este realizado pelo Casino para vender ações do Assaí (ASAI3), mostrou, sim, que há interesse do investidor.

A operação do Assaí demonstrou que o mercado brasileiro está funcional. Conseguiu atrair apetite de institucionais brasileiros e estrangeiro – e isso após a quebra do SVB”, lembra Barone. Com participação do UBS BB, o follow-on do Assaí levantou R$ 4,06 bilhões ao Casino e foi a terceira maior transação do mercado acionário das Américas no ano.

Teodora Barone, do UBS BB: follow-on do Assaí mostrou que mercado acionário pode ‘andar’ (Divulgação)

Para Érico Nikaido, sócio na área de captação de recursos da Ártica, as incertezas vistas no fim de 2022, quando o InfoMoney mostrou que o cenário de IPOs seguiria restrito por mais tempo, pouco se alteraram. “Em termos de confiança, os investidores seguem cautelosos”.

Para retirar a cautela do dicionário do mercado financeiro, Barone e Nikaido apontam que é necessária uma sinalização efetiva da queda de juros. O entendimento é de que a proposta do novo arcabouço fiscal, apresentando pelo governo federal na última quinta-feira (30), possa ser o “primeiro passo” para que surja um ambiente para a queda na Selic.

“Até o fim deste semestre, pode haver uma sinalização para queda dos juros, que seria um catalisador para a Bolsa. Mas isso só ocorre com um fiscal crível”, reforça Paulo Weickert, sócio da Apex Capital, que tem R$ 5 bilhões sob gestão.

Paulo Weickert, sócio da Apex Capital: queda de juros seria um catalisador para a Bolsa (Divulgação)
Para Sérgio Goldman, da Esh, embora a queda nos juros seja o ponto principal, é pouco provável que uma ligeira baixa na Selic altere todo o ambiente de negócios em tão pouco tempo. “Mesmo o juro caindo, ele ainda é alto. Podemos ter momentos de euforia, mas não vejo como sustentável. Vejo situações pontuais de liquidez, mas não que mudará o estrutural”, avalia.

Apetite estrangeiro

Outra alavanca citada pelos agentes de mercado é o investidor estrangeiro. Com os fundos locais mais conservadores, esperava-se que os gringos liderassem o apetite por emissões. Porém, os movimentos recentes não têm validado a tese. Em fevereiro, os estrangeiros retiraram cerca de R$ 1,6 bilhão da B3, no pior resultado desde o primeiro semestre de 2022.

“O investidor estrangeiro era uma aposta que não está se concretizando. Hoje, se olharmos o fluxo, ele está migrando para a Ásia, onde [o investidor] está enxergando mais oportunidades”, afirma Goldman.

Sergio Goldman, da Esh Capital: capital estrangeiro ainda não deu tração à Bolsa (Divulgação)
Teodora Barone, do UBS BB, diz, por outro lado, que a entrada de capital estrangeiro vinha em ritmo expressivo desde as eleições de outubro e que seria normal um arrefecimento. “Os estrangeiros também seguraram e estão menos pessimistas que o local. Mas eles aguardam uma política econômica crível”.

Barone mantém a aposta de que o investidor estrangeiro deverá puxar a nova safra de IPOs. Ganham força nessa tese as empresas de capital intensivo como as de infraestrutura, agronegócio, saneamento e energia.

Para isso, contudo, é preciso que o sejam IPOs que ofereçam liquidez. “Estamos falando de papéis que possam rodar US$ 10 milhões em volume diário”, explica. “Operações em torno de R$ 1,5 bilhão já poderiam atrair [investidores estrangeiros], mas a transação ‘para todos os bolsos’ é a partir de R$ 3 bilhões”, avalia a executiva.

Enquanto o IPO não sai…

Se a janela permanece fechada aos empresários que desejam estrear na Bolsa, outras operações começam a ganhar tração, aponta Érico Nikaido, da Ártica. Com o mercado de dívidas fechado, já há movimento de empresários optando pelo equity em vez de dívidas.

“O credor subiu o prêmio de risco e diminui os prazos para novas dívidas. Na conta risco/retorno do empresário, tem valido à pena ceder uma parte da empresa para se capitalizar e esperar uma oportunidade de IPO”, afirma Nikaido.

Em outra frente, também ocorrem conversas para fusões e aquisições de companhias brasileiras por empesas estrangeiras. “Talvez o fluxo financeiro do gringo esteja aqui agora. Eles estão vendo oportunidades de negócio para comprar empresas líder de segmento a um preço atrativo”, afirma.

Érico Nikaido, sócio da Ártica: uso de equity no lugar de dívida e M&As ganharam força no trimestre (Divulgação)
Nikaido e Barone apontam ainda que os non-deal roadshows, em que os empresários apresentam suas empresas ao grupos de investidores, seguiram firmes durante o trimestre, reforçando a visão de que, ao menor sinal, o mercado poderá reabrir para as empresas.

“A sugestão é que os empresários que querem abrir capital busquem esses momentos de menor competição pela atenção dos investidores para se apresentar. Façam o dever de casa na companhia e busquem conversar”, recomenda Teodora Barone.

Outra avaliação do sell side é de que se vier uma safra de balanços positiva no primeiro trimestre de 2023, o mercado poderá ganhar mais confiança para avançar no mercado acionário. Mas para Weickert, da Apex, a tese poderá ter efeito contrário. “Se vier pior, aí que o investidor se retrai mais”...Leia mais em infomoey 01/04/2023