Neste sétimo texto da série, vamos discutir um dos conceitos mais fundamentais em finanças e, mais especificamente, em valuation: a taxa de desconto utilizada para trazer o fluxo de caixa a valor presente (para melhor interpretação deste texto, leia antes este). Essa discussão é relevante, pois a taxa de desconto impacta diretamente a análise e pequenos desvios podem gerar avaliações bastante distintas. A boa teoria diz que esta taxa depende do risco associado ao fluxo que ela desconta: quanto maior esse risco, maior deve ser a taxa. Para ser didático, ilustrarei com uma operação de empréstimo e como devemos avaliar esse tipo de operação.

Imagine a situação em que a empresa AAA empresta R$ 1 milhão para a empresa CCC. A empresa AAA tem um WACC atualmente calculado em 10% ao ano. Por sua vez, CCC encontra-se em situação financeira delicada, de forma que há alto risco de não conseguir honrar este empréstimo. Com isso, o mercado avalia que a taxa de juros adequada ao empréstimo seja mais alta: 20% ao ano. Portanto, o empréstimo se dá nessa taxa de juros, ou seja, dada pelo mercado. Pergunto, então, qual o VPL (valor presente líquido, ou seja, qual o valuation) deste empréstimo para a empresa AAA?

Note que a pergunta é importante, pois sairá dos cofres da empresa AAA o montante de R$ 1 milhão e entrará um empréstimo (fluxo a receber) em seu lugar no balanço. A resposta é simples e inequívoca: o empréstimo tem VPL zero porque a taxa de juros acordada é a taxa justa e adequada dado o risco da empresa tomadora (CCC). Em outras palavras, a taxa de desconto para o fluxo do empréstimo precisa ser 20% ao ano! Qualquer que seja o sistema de amortização acordado, faça as contas e verificaremos que o valor presente do fluxo do empréstimo será de R$ 1 milhão. Isso quer dizer que o VPL do empréstimo não será positivo, muito menos negativo, mas nulo.

Aliás, sempre que a taxa de desconto igualar a taxa de juros do empréstimo, o VPL será nulo (lembre-se que o VPL é sempre zero quando a taxa de desconto iguala a TIR de um fluxo qualquer) – e isso acontecerá sempre que a taxa de empréstimo for coerente com o seu risco. Abaixo, apresento duas formas de pagamento para o empréstimo de R$ 1 milhão com 20% de juros em um prazo de cinco anos: com parcelas anuais constantes e com pagamento anual dos juros e amortização total ao final. Note que o VPL em ambos os casos a 20% é naturalmente nulo.

Mas suponha agora que o empréstimo tenha sido a uma taxa cara, de forma que a taxa de desconto adequada fosse mais baixa (por exemplo, 10% contra 20% de juros cobrados): o empréstimo passa a gerar valor para a ponta credora, o que faz sentido porque esta cobrou caro pelo empréstimo. Já para empréstimos baratos (subsidiados a uma taxa mais baixa do que a taxa de desconto adequada – por exemplo, 30% contra juros de apenas 20%), o valor é gerado para a ponta devedora, que pagará barato pelo empréstimo (daí o valor negativo abaixo, na ponta credora). E observe que os valores são maiores na medida em que o pagamento do principal é mais postergado (Fluxo 2): pense por que isso faz sentido..

Valuation- qual taxa de desconto devo utilizar?

O exemplo acima de valuation de um empréstimo é bem legal, pois deixa claro estarmos falando de duas coisas distintas: a taxa de juros do empréstimo e a taxa de desconto adequada ao seu valuation. Esta última depende fundamentalmente do risco de crédito de quem toma o empréstimo (e de eventuais garantias colaterais que reduzam este risco). Por sua vez, a taxa de juros do empréstimo depende também de fatores exógenos (de mercado). Em geral, empréstimos caros nascem de alguma ineficiência do mercado, como por exemplo sua iliquidez: nesses casos, há um spread aplicado na taxa que seria a adequada ao risco. Já taxas subsidiadas podem surgir, por exemplo, de alguma política governamental de estímulo a algum tipo específico de projeto.

Em um mercado perfeitamente eficiente e sem nenhum tipo de subsídio, sim, essas duas taxas (de juros cobrados e de desconto) coincidirão e tornarão o VPL do empréstimo nulo. É preciso frisar que um empréstimo realizado a uma taxa adequada de mercado não pode criar valor, ou seja, jamais terá VPL positivo por si só. Mas note que essa é uma análise a priori. Claro que se todos os empréstimos de alto risco forem pagos contratualmente, o resultado, a posteriori, será positivo para o credor. Essa é uma confusão que muitos fazem. É preciso sempre ressaltar que um valuation é uma análise a priori e, com isso, carregada de incerteza: a taxa de desconto precisa justamente capturar a dimensão dessa incerteza. Se, no decorrer do tempo, essa incerteza se dissipar de forma positiva para a empresa, terá sido um ótimo negócio, caso contrário, poderá revelar um mau negócio, mas tudo isso a posteriori. Este ponto (análise a priori vs. análise a posteriori) é a origem de muitas confusões conceituais que já tive de lidar em sala de aula e com clientes.

Uma outra confusão frequente diz respeito ao (falso) argumento de que o empréstimo deveria ser valorado no WACC da companhia AAA, “afinal de contas, é essa taxa que a empresa AAA precisará entregar para seus credores e acionistas”. Esse argumento está conceitualmente equivocado e recai no erro número 5 tratado no quinto texto desta série. Isso porque a teoria é clara: a taxa de desconto deve ser ajustada pelo risco do fluxo que ela desconta (ou seja, pelo risco de a empresa tomadora não conseguir pagar), e não se relaciona com a origem do dinheiro que será emprestado. Na verdade, há um problema de inversão de causa e efeito aqui: o WACC é o efeito da estrutura de capital e do risco dos negócios da empresa e não a causa.

Dessa forma, usar o WACC da empresa AAA (que se originou de sua operação e estrutura de capital anteriores) para descontar o fluxo do empréstimo é misturar banana com maçã, pois são negócios absolutamente distintos (e com riscos distintos). Isso geraria um valor artificial, que simplesmente não está na mesa. Como o empréstimo tem perfil de risco diferente do perfil médio de risco da empresa AAA até então, o WACC não pode ser utilizado.

Na prática, o que acontece é que, após o empréstimo, o nível de risco dos negócios da empresa AAA aumenta e o WACC será impactado (efeito, não a causa) por este novo negócio da companhia (o empréstimo de alto risco): o novo WACC será maior que 10% pelo efeito marginal deste empréstimo a 20%. Em última instância, se repentinamente o empréstimo para a empresa CCC se tornar o único negócio de AAA, seu novo WACC passará a ser, inequivocamente, 20% ao ano (o WACC anterior perderia totalmente sentido).

O novo WACC da empresa AAA (pós-empréstimo) servirá para descontar os fluxos de caixa da empresa em conjunto (ou seja, provenientes dos negócios que já existiam e do empréstimo), mas jamais apenas o fluxo do empréstimo. Isto pois o WACC representa um custo médio e não específico de um ou outro negócio. Em outras palavras, o empréstimo de alto risco é a causa e o novo WACC, o efeito – não o inverso. Este conceito é importantíssimo.

Na prática, para empresas de grande porte, pequenos projetos terão impacto muitas vezes desprezível em seu WACC: verdade. Mas, de forma alguma, isso significa uma justificativa para se utilizar o WACC como taxa de desconto para projetos com risco diferente do risco médio das operações da companhia. Afinal de contas, o WACC é a consequência (efeito), jamais a origem (causa)! Simples assim.

Um outro erro muito comum em situações de empréstimos é contabilizar conjuntamente a forma como o dinheiro emprestado será utilizado (como se empréstimo e uso do dinheiro fossem uma coisa só). Isso só seria possível se o pagamento do empréstimo estivesse atrelado ao sucesso da utilização do dinheiro pelo credor, isto é, se o risco do pagamento do empréstimo fosse exatamente o mesmo risco do sucesso do negócio (o que, na absoluta maioria das vezes, não é verdade). Em uma situação típica, o risco do empréstimo é bem diferente do risco do negócio no qual o dinheiro tomado emprestado será utilizado. Portanto, precisamos trabalhar com dois fluxos distintos e, naturalmente, duas taxas de desconto distintas.

Espero que tenham gostado! Se tiverem dúvidas ou comentários, não hesitem em me procurar no Instagram e no Linkedln @carlosheitorcampani. Peço também para compartilhar este artigo e a série completa com profissionais que possam se interessar pelo tema… leia mais em Valor Investe 27/12/2024