Antes mesmo da pandemia, as cartas de Larry Fink, CEO da gestora BlackRock, que administra quase US$ 10 trilhões, convocavam o mercado de investimentos a embarcar de vez na temática ESG. Representaram um divisor de águas para temas como desenvolvimento sustentável, impacto social e economia de baixo carbono serem incorporados aos portfólios. Ainda que a combinação de resultados financeiros e retorno para a sociedade nem sempre seja compreendida pelo mercado, segundo especialistas ouvidos pelo Prática ESG, esses temas são tendências cada vez mais presentes nas discussões sobre dinheiro.

Exemplo disso está no relatório global de “supertendências” do banco Credit Suisse deste ano. Dos seis macrotemas em que os investidores devem ficar de olho na opinião dos analistas, dois estão diretamente relacionados a sustentabilidade – sociedades ansiosas e mudanças climáticas – e dois têm intrínseca relação, como infraestrutura e valores da geração do milênio.

Sem dúvida, um dos principais temas que rondam o noticiário desde a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), em novembro do ano passado, é o mercado de carbono. Décadas após as primeiras discussões sobre o assunto, os países finalmente firmaram um compromisso para desestimular o uso de combustíveis fósseis e concordaram em criar um mercado global de carbono. Um passo adiante na regularização do mercado brasileiro foi dado em maio, com a publicação de um decreto que dá a partida para a precificação dos gases poluentes (GEE) e a criação de um mercado regulado de créditos aqui no país – com mais de uma década de atraso.

Conheça oportunidades e tendências para investimentos ‘verdes’

O potencial nacional é de até US$ 100 bilhões até 2030 em receitas vindas dos chamados créditos de carbono equivalentes, de acordo com estudo da consultoria WayCarbon e do ICC Brasil. A consultoria McKinsey estima que até 2030 a demanda por créditos voluntários, que não dependem de leis, pode atingir até US$ 2,3 bilhões no Brasil – hoje, o país emite menos de 1% desse potencial.

“Brasil tem o maior potencial de investimento em bioeconomia do mundo e poderia usá-lo para gerar oportunidades sociais” — Fernanda Camargo, sócia fundadora da Wright Capital

Apesar dos números promissores e do natural protagonismo que se espera, tendo em vista a quantidade de ativos ambientais, o mercado nacional de carbono ainda é incipiente tanto em volumes, quando comparado à Europa e Estados Unidos, quanto no interesse por parte do investidor, tendo em vista as dificuldades de regulamentação e a falta de parâmetros.

Para Marina Cançado, co-CEO da Future Carbon, que trabalha com projetos que possibilitam a geração de crédito de carbono, os ativos ambientais locais podem contribuir para novos instrumentos financeiros inovadores. “O crédito de carbono foi o primeiro ativo ambiental que se tornou ativo financeiro. No futuro, vão existir outros: créditos de biodiversidade, eventualmente ligados à água; diferentes formas de monetizar a conservação de uma área ou em um processo de reflorestamento, além de diferentes fontes de receita para além do sequestro de carbono”, afirma.

Alguns exemplos oriundos da esfera governamental surgiram nos últimos anos. Em março, o governo federal anunciou a criação de créditos específicos para metano como parte do programa Metano Zero. Além disso, desde 2016, o Ministério de Minas e Energia promove o programa RenovaBio, que permite a produtores e importadores de biocombustíveis emitirem créditos de descarbonização, o CBIOs. Cada CBIO equivale a uma tonelada de emissões de GEE evitada.

“Hoje, existem os investidores institucionais e os que buscam esse tipo de mecanismo também porque querem fazer parte dessa transição”, pontua Cançado. “Do outro lado, as empresas começam a perceber que vão precisar fazer a gestão financeira de créditos de carbono e pensam: será que não é melhor comprar hoje para fazer um hedge dessa operação?”, completa.

“O crédito de carbono foi o primeiro ativo ambiental que se tornou ativo financeiro. No futuro, haverá outros” — Marina Cançado, co-CEO da Future Carbon

De acordo com pesquisa da consultoria EY divulgada no ano passado, 97% dos CEOs entrevistados concordaram que as mudanças sociais e ambientais têm impacto crítico em suas empresas. O investimento em impacto socioambiental é outra temática que ganhou relevância recentemente.

Em 2020, investimentos de impacto somaram US$ 636 bilhões no mundo, na estimativa do relatório “Investing for Impact: The Global Impact Investing Market 2020” da International Finance Corporation (IFC), unidade de investimento do Banco Mundial. Comparado a 2019, quando o investimento de impacto foi de US$ 505 bilhões, aumentou 26%. Quando se adicionam à conta private equity, venture capital, ativos reais, imobiliário, infraestrutura, dívida corporativa e outras aplicações que têm intenção de gerar impacto, mas não o medem, os ativos sob gestão chegam a US$ US$ 2,28 trilhões em 2020, pelo IFC.

O comprometimento de países, estados, cidades e empresas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, lançados pelas Nações Unidas (ONU), impulsiona o interesse. Só em países em desenvolvimento, os aportes para esta finalidade podem chegar a US$ 4 trilhões em projetos de risco e retorno incertos, no cálculo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Pioneira na gestão de venture capital de impacto no Brasil, a gestora Vox Capital lançou, em maio, seu primeiro fundo de varejo com foco em investimentos em títulos de dívida “verdes’” de empresas alinhadas à obtenção dos ODSs. “Temos uma metodologia que pega o core business da empresa, quais linhas de receitas são diretamente conectadas com a Agenda 2030, e exclui os papéis que estão envolvidos em controvérsias ou más práticas”, afirma Gilberto Ribeiro, sócio e diretor de operações da casa.

O executivo da Vox Capital acredita que o equilíbrio entre resultados financeiros e transformações socioambientais pode ser um fator decisivo para o investidor optar por um fundo de impacto social. “No varejo, o que é o tripé da tomada de decisão do investidor? Retorno, segurança e só depois o impacto”, diz. “Entre dois fundos equivalentes, o investidor deveria preferir o que tem algum tipo de impacto na agenda do que um fundo que ele não sabe o que faz, onde aplica os valores”…. leia mais em Valor Econômico 10/09/2022