Mudanças durante a pandemia tiveram forte impacto negativo nas empresas de educação, mas também abriram portas; mais tecnológicas saem na frente

Ainda em processo de recuperação após a crise enfrentada desde 2014, o setor de educação teve um forte revés nesse ano de 2020 com a pandemia do novo coronavírus. Em um país ainda sem um acesso tão amplo à educação, ao mesmo tempo em que as oportunidades de expansão são grandes, períodos de crises também acabam afetando sobremaneira os números das companhias, em meio aos elevados índices de desistência dos alunos e inadimplência em um cenário de contração da renda.

Isso tem acontecido com empresas do setor, com destaque para as duas maiores listadas na Bolsa, a Cogna (COGN3) e a Yduqs (YDUQ3), que tiveram baixas respectivas de 31,16% e 20,48% de suas ações na B3 em agosto, sendo algumas das maiores quedas do Ibovespa no período, também com a repercussão de resultados ruins. No acumulado do ano, as baixas também são expressivas: até o fechamento de quarta, COGN3 tinha perdas de cerca de 48%, enquanto YDUQ3 tinha queda superior a 41%.

A ação da Cogna, que já vinha caindo forte desde 31 de julho, com os investidores embolsando os lucros após a abertura de capital da subsidiária Vasta na Nasdaq – dos pregões de 2 a 30 de julho os papéis COGN3 tiveram um verdadeiro salto, de 36,71% em meio à expectativa pelo IPO -, seguiu em trajetória de baixa após a companhia registrar um resultado considerado bastante fraco, levando inclusive a diversas revisões de recomendações para baixo (veja mais clicando aqui).

A Cogna que, além da Vasta – que oferece portfolio de produtos e serviços às escolas, desde a

metodologia de ensino, conteúdo digital e soluções complementares -, conta com as marcas Kroton, Saber e Platos, teve um prejuízo ajustado de R$ 140 milhões no segundo trimestre de 2020, ante lucro de R$ 267 milhões registrado um ano antes. A receita líquida, por sua vez, teve queda de 21% na comparação anual, a R$ 1,37 bilhão, tanto como reflexo do menor faturamento no ensino superior quanto pela maior evasão dos alunos do ensino infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental.

Já no último dia 27 de agosto, no pregão pós-resultado, as ações da Yduqs fecharam em queda de 7,48%. A empresa de educação teve um prejuízo de R$ 79,5 milhões no segundo trimestre, revertendo lucro de R$ 194,8 milhões obtido no mesmo trimestre do ano passado. O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) caiu 67,5%, para R$ 111,2 milhões.

Conforme destacou o Morgan Stanley em relatório de maio, os sinais que se apontavam já eram negativos – principalmente para o ensino superior – em meio ao desafio de controlar a evasão e evitar um aumento significativo da inadimplência, questões estas que foram sentidas nos resultados do primeiro semestre das duas grandes companhias listadas na B3.

Contudo, apesar de, a princípio, o cenário parecer pouco promissor, nos momentos de crise também surgem oportunidades. E isso não é diferente para as empresas de educação.

Neste sentido, apontam os analistas, algumas empresas estão mais bem posicionadas para captar essas oportunidades, enquanto outras ainda terão que fazer o “dever de casa”. No atual cenário, quem estiver melhor posicionado em termos tecnológicos – com a tendência de digitalização após a pandemia – e também em outros segmentos além do ensino superior pode sair na frente.

De uma forma geral, os analistas ainda veem um cenário desafiador para a Cogna, apesar dos bons números da Vasta, enquanto veem a Yduqs mais bem posicionada em meio a esse novo cenário – mas ressaltam oportunidades a serem exploradas pelas duas companhias, além de outras do setor.

“A digitalização mais rápida cria uma oportunidade considerável de receita”, destacaram os analistas , em relatório sobre o setor em geral, mas que apontaram principalmente para as possibilidades de plataforma de educação no segmento do ensino fundamental.

Em termos práticos, os analistas avaliam que as escolas que adotam sistemas de aprendizagem online (ou seja, plataformas de ensino à distância, EAD) têm uma vantagem significativa em relação aos que adotam livros didáticos. Eles também avaliam que os programas suplementares (que auxiliam a manutenção e o desenvolvimento da educação em níveis ou modalidades específicas), apesar de mais cíclicos, ganharão mais relevância no médio prazo. O tamanho desse mercado no Brasil, ainda pouco explorado, é de R$ 16 bilhões.

“Aprender por meio de vídeo, princípios de ‘gamificação’, realidade aumentada e mista não é algo novo, mas provavelmente se tornará muito mais difundido. Isso não afeta o conteúdo, mas afeta como o conteúdo será experimentado”, apontam.

Eles ainda reforçam: aulas presenciais continuarão sendo o formato predominante, ainda mais levando em conta que as medidas de distanciamento começam a ser flexibilizadas. Otero e Mariani apontam ainda que as escolas oferecem interações sociais muito necessárias e um lugar seguro para as crianças serem supervisionadas enquanto os pais trabalham.

De qualquer forma, eles apontam novas tendências para a educação que surgem com a “geração Alpha”, aquela que engloba todas as crianças nascidas a partir de 2010 e a primeira a ser 100% digital. A geração Alpha, ressaltam, pensa digitalmente,  é prática, espera personalização e busca um propósito por trás de seu aprendizado.

Além disso, o mercado de trabalho do futuro valorizará o aprendizado via STEAM – metodologia que mistura conceitos de Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática para trabalhar diferentes áreas de maneira conjunta, bastante presente na Educação 4.0 e que é vista como uma maneira de colocar o aluno como protagonista de seu próprio aprendizado.

Com isso, os pais e alunos buscarão uma formação mais abrangente e holística, avaliam: “acreditamos que programas bilíngues e outros programas complementares ganharão participação”.

Isso não incorre em mudanças drásticas: eles não esperam que as escolas e os formatos de aprendizagem na sala de aula tenham mudanças abruptas no curto prazo. Contudo, haverá uma aceleração nas tendências que já começaram, como o aprendizado combinado e o uso da tecnologia como um impulsionador da experiência de aprendizado para os alunos. Eles também avaliam que alguns preconceitos podem ser removidos, especialmente aqueles relacionados ao valor atribuído ao ensino à distância, afirmam.

“Vencedores neste setor, em nossa opinião, serão aqueles que liderarem a transformação digital em conjunto com o aprimoramento acadêmico para seus alunos. As escolas que estão adotando sistemas de aprendizagem online estão um passo à frente e esperamos que a conversão de livros para learning systems acelere no Brasil a partir de agora”, avaliam.

Caminho das empresas na Bolsa

Para os analistas, as escolas que utilizam esses sistemas provavelmente serão as que mais se destacam nesse nova tendência, principalmente aquelas que utilizam os sistemas mais digitalizados, como o Sistema Ari de Sá, SAE Digital, Positivo, da Arco, e as marcas justamente da Vasta, do grupo Cogna.

“Esses players possuem plataformas educacionais bem estabelecidas que já integram o conteúdo que deve ser entregue em sala de aula, com recursos que devem ser utilizados em casa, remotamente. Esses recursos incluem plataformas de avaliação, ferramentas de gamificação, interfaces que conectam alunos com professores virtualmente, tutoria e vídeo-aulas pré-gravadas, entre outros”, apontam Mariani e Otero.

Por sinal, as ações da Vasta, negociadas nos EUA, tiveram a cobertura iniciada pelo Bank of America com recomendação de compra na semana passada, destacando justamente a oportunidade da companhia por oferecer uma ampla gama de programas complementares e com oportunidade de venda cruzada com escolas parceiras. Além do BofA, UBS, Morgan Stanley e Goldman Sachs iniciaram cobertura para os ativos da subsidiária da Cogna, com preços-alvos que projetavam alta de 25% a 62% para os papéis.

Porém, o otimismo do mercado com a subsidiária não se transfere da mesma forma para a Cogna como um todo. Na última semana, o BB Investimentos cortou a recomendação para os ativos COGN3 de outperform (desempenho acima da média do mercado) para neutra, com o preço-alvo sendo cortado de R$ 8 para R$ 7 (ou um potencial de valorização de 18% frente o fechamento da véspera).

Entre as principais questões, está a Kroton, que é o segmento da companhia no ensino universitário, unidade de negócio que foi o foco da companhia nos últimos 20 anos e hoje responde por cerca de 60% do faturamento total. A Cogna aproveitou os resultados particularmente fracos nesse segmento durante o segundo trimestre para anunciar uma verdadeira transformação no ensino superior.

Os cursos presenciais vão passar por uma reestruturação para versões via ensino à distância – uma espécie de hibridização dos cursos, com os estudantes menos resistentes a esse novo formato no pós-pandemia -, reduzindo os custos da companhia. Em teleconferência, Rodrigo Galindo, presidente da Cogna, ressaltou que a maior parte das ações para isso devendo ocorrer entre a segunda metade de 2020 e o início de 2021.

Com isso, pretende-se reduzir o tamanho da operação e a quantidade de unidades, reposicionar o portfólio com foco em cursos mais nobres e fazer o reposicionamento de marca em algumas praças. A expectativa é ter uma empresa mais enxuta, com mais margem e geração de caixa. Além dessa medida, a companhia ainda vai  focar os negócios em cursos de mensalidades elevadas, considerados “premium”, projetando inclusive eventuais aquisições em áreas como medicina.

Contudo, aponta a analista Melina Constantino, que assina o relatório do BB Investimentos, a reestruturação será uma longa caminhada e é preciso ter mais clareza para traçar um cenário mais positivo para as ações. Na mesma linha, o Credit Suisse manteve a recomendação underperform (desempenho abaixo da média do mercado) na sexta-feira após o resultado para os ativos da companhia, com preço-alvo de R$ 6 (leve alta de 1,2% frente o fechamento da véspera).

Enquanto a Vasta brilha os olhos do mercado, mas ainda há ceticismo com a controladora Cogna, o Morgan Stanley ressalta a Arco Educação, também listada na Nasdaq, como bem posicionada em um cenário de digitalização do ensino.

Os analistas do banco americano ressaltam que, em 2019, a Arco, a primeira startup de educação e tecnologia brasileira a abrir capital na Nasdaq, fez uma aquisição transformacional com a compra do Sistema Positivo de Ensino, companhia paranaense com 40 anos de mercado, dobrando a base de alunos e o mercado. Na última semana, a Arco ainda fechou a aquisição de 60% da Escola da Inteligência, do psiquiatra e escritor Augusto Cury, por R$ 288 milhões.

De acordo com os analistas do Morgan, existe a expectativa de continuidade da estratégia de fusões e aquisições, sendo que há uma oportunidade clara de expansão na América Latina como um todo, dada a baixa penetração dos sistemas de ensino online na região.

Neste sentido, eles ressaltam que a última oportunidade de expansão no mercado latino-americano é clara tanto para a Vasta quanto para a Arco. Contudo, a diferença é que (i) a Arco está em processo de integração de uma aquisição transformacional (da Positivo), e (ii) potenciais empresas de portas de entrada possuem maior relação com o portfólio da Cogna. Já para a Arco, isso implicaria não apenas a mudança para novos países, mas também para novos negócios. Assim, as oportunidades para a Cogna – particularmente para a Vasta – nesse mercado são maiores.

Os analistas do BofA veem, inclusive, a ação da subsidiária da Cogna com um desconto de 48% em relação à Arco, sendo que o desconto justo avaliado por eles seria entre 25% e 30%.

O Morgan, por sua vez, ressalta que a Arco está usando tecnologia de última geração e processamento de dados para melhorar os resultados acadêmicos das escolas de ensino fundamental, além de acelerar a incorporação de novos clientes (com taxa de retenção superior a 95%) e ter grande potencial de venda cruzada com escolas parceiras, explorando novos segmentos e mercados (Nave à Vale, Geekie e Escola da Inteligência), operando em um modelo altamente escalável, com dinâmica de preços positiva e que permite margens sustentáveis. Contudo, os analistas seguem com recomendação equalweight (exposição em linha com a média do mercado), com preço-alvo de US$ 51,40 por ativo.

Yduqs: à frente da Cogna?

Como já destacado acima, a segunda maior empresa do segmento listada na Bolsa brasileira, a Yduqs também reportou resultados fracos no segundo trimestre e viu suas ações caírem forte em agosto. Contudo, a visão dos analistas de um modo geral após o resultado é mais positiva para a companhia, uma vez que as mudanças sinalizadas pela Kroton já estão sendo realizadas há mais tempo no ensino superior da companhia.

“Apesar dos impactos negativos em consequência dos efeitos da pandemia, consideramos que a Yduqs pode continuar demonstrando eficiência operacional nos pilares que têm sido o foco da companhia no período pós-Fies, que são os investimentos no EAD, o aumento de vagas de medicina, o crescimento orgânico e via fusões e aquisições”, avalia Melina, do BB Investimentos, que manteve recomendação de compra para os ativos com preço-alvo para 2021 de R$ 40, o que corresponde ao um potencial de valorização de 44% em relação ao fechamento da véspera.

Após o resultado, em que destacou a queda “significativa” do Ebitda (afetado por itens não-recorrentes relativos à pandemia, como dívidas e provisionamentos, o Itaú BBA também reforçou sua recomendação outperform para o papel com preço-alvo de R$ 53 (alta de 91% frente o fechamento da véspera).

Dentre os pontos positivos, os analistas do banco destacaram o forte desempenho sustentado da base de alunos EAD e crescimento da receita, além da expansão da base de alunos na modalidade “faculdade  flex” – ou seja, o modelo híbrido que combina aulas presenciais e online – e aumento da taxa de retenção dos alunos. Além disso, houve aumento crescente da relevância do mix de receitas.

Outros pontos destacados são a expectativa de sinergias com a compra da Adtalem, dona do Ibmec, sendo que de 70% a 80% delas devem ser capturadas até o final de 2021. Além disso, a Aura, novo sistema de aprendizagem digital da Yduqs, já está operando com cerca de 80 mil alunos, combinando o experiência presencial com o ensino à distância.

A receita somada dos segmentos EAD + Medicina representou quase 40% do total de receitas neste trimestre e, considerando que o ensino superior presencial deve ser bastante prejudicado pela deterioração do cenário econômico em meio à pandemia, o EAD e os cursos de medicina devem continuar ganhando relevância no total das receitas, avalia o BB Investimentos. A incorporação da Adtalem adicionou 210 vagas anuais de medicina ao portfolio da Yduqs e desse total, 100 vagas estão no âmbito do programa Mais Médicos II. A base total de alunos de medicina no segundo trimestre totalizou 5 mil alunos, crescimento de 32% na base anual.

Vale destacar que, em relatório de início de cobertura em meados de agosto, o Credit Suisse colocou a Yduqs como a preferida do setor, avaliando que os investidores ainda tinham um preconceito pelo fato da empresa atuar no segmento universitário. Contudo, a companhia tem uma postura conservadora, um balanço saudável e a compra da Adtalem trouxe escala para o negócio, enquanto o segmento de ensino à distância parece bem encaminhado e ela se encontra em uma posição confortável para possíveis aquisições e crescimento orgânico. A recomendação é outperform, com preço-alvo de R$ 38 (potencial de valorização de 37%), mantida após o resultado do segundo trimestre.

Sobre Afya (também negociada na Nasdaq) e a Ser (SEER3), os analistas possuem recomendação neutra para ambas as companhias. Sobre a primeira, eles destacam que a empresa opera no crescente nicho de medicina e que tem uma demanda bastante reprimida. “Acreditamos que o mercado já reconhece boa parte da tese e que o potencial de valorização parece um pouco limitado. A empresa está se movendo para outras oportunidades mas, apesar da sinergias, enxergamos muito mais como uma expansão do que propriamente uma transformação digital dentro do ecossistema de educação”. O preço-alvo é de US$ 26 por ação, o que corresponde a um potencial de valorização de 3,88% frente o fechamento da véspera.

Já com relação a Ser, o Credit aponta que a empresa tem capturado as oportunidades de ensino à distância e, em uma menor escala, tem surfado a onda do crescimento da medicina. “De toda forma, acreditamos que o valuation atual reflete de forma adequada as perspectivas da empresa”, avaliam, possuindo preço-alvo de R$ 16 por ação – ou um upside de 3,56%. Cabe destacar que as ações da companhia também caem forte no ano, cerca de 44%…Leia mais em infomoney 03/09/2020