Mostre-se um parceiro do seu credor. Seja transparente. Construa uma estratégia consistente considerando o cenário que se apresenta. Seja, acima de tudo, flexível.

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Crédito: Shutterstock
Nos últimos três meses, testemunhamos muitos dramas pessoais e empresariais. Histórias de anos de esforço e empreendedorismo se encerraram em semanas. Não resistiram ao choque duplo de oferta e demanda causado por um germe invisível.

Sim, desta vez a natureza foi o ator principal. Não foi a crise do subprime, a quebra da bolsa, ou um ataque terrorista. Não há culpados.

Não quero aqui desprezar tais dramas, mas apenas sugerir alternativas para aqueles que precisarão seguir em frente.

Em seu livro “Guns, Germs and Steel: The Fates of Human Societies”, Jared Diamond mostra o quanto a convivência com germes e doenças foi um fator histórico decisivo. Como as doenças e os microrganismos involuntariamente moldaram o mundo que conhecemos.

A sedentarização, a produção de alimentos em escala, o adensamento populacional em cidades e a convivência com animais propiciaram o aparecimento de doenças e a consequente adaptação das populações à existência delas.

De certo modo, tais enfermidades foram um elemento chave para a expansão das sociedades e seu desenvolvimento ao longo dos séculos. Exemplos bem conhecidos são as histórias da conquista da América e da Peste Negra.
Portanto, o que vivemos agora obviamente não é algo novo. Epidemias sempre nos forçaram a resistir e emergir mais fortes.

É hora, portanto, de avançar. Traçar cenários concretos de saída e pensar em como será a vida e, por consequência, o ambiente econômico a partir de agora.

Em lives, mesas redondas e encontros privados, muitos empresários me questionam por alternativas para a retomada e sobre como obter capital diante de um cenário tão desafiador. Mais especificamente, eles relatam suas dificuldades em obter crédito.

O noticiário mostra credores justificadamente avessos ao risco neste momento de grandes incertezas. Além de estarem às voltas com um volume maciço de renegociações, a capacidade deles de avaliar crédito está extremamente prejudicada e o temor da seleção adversa altera as réguas de concessão de crédito em geral.

Não por acaso, a despeito dos esforços governamentais na direção correta, os recursos não têm chegado “na ponta da linha”.

Nesse caso, minha visão é a de que o melhor caminho para os empresários e executivos é auxiliar os credores a ter uma melhor percepção de seus negócios, bem como tentar oferecer a eles alternativas para a mitigação de riscos na concessão de crédito.

Apresentar uma melhor visão de seus negócios, o momento pelo qual estão passando e de que forma conseguirão repagar o empréstimo ou financiamento solicitado. Em resumo, mostrar suas fortalezas.

Pedidos desesperados e mal preparados tenderão a afastar ainda mais os credores. Afinal, ninguém quer ou pode perder dinheiro, especialmente neste momento.

Meu objetivo aqui é auxiliá-los a construir este raciocínio e mostrar quais ângulos devem ser explorados, especialmente por aquelas empresas que de fato poderão passar por esta crise, saindo fortalecidas do processo.

Começo a 30 mil pés, com o desenho do cenário.

Não me parece razoável traçar um cenário provisório num processo de obtenção de crédito. É preciso planejamento. Ter horizonte. O que nesta crise é tarefa das mais difíceis.

Contudo, o empresário que conhece seu próprio negócio é quem melhor deve conseguir comunicar com clareza o futuro de curto e médio prazo de sua empresa.

Partindo de uma premissa que me parece bem razoável, a de que não teremos saída médica no curto (e, talvez, no médio) prazo, o que me parece mais plausível é o que alguns especialistas batizaram de saída social.

Ou seja, passada a fase mais aguda da crise, a sociedade deve retomar progressivamente sua atividade num novo paradigma, que muitos vêm chamando de “novo normal”.

A hipótese comportamental, baseada no bom senso, é a de que as pessoas tenderão a voltar às suas vidas mantendo seu comportamento habitual no limite do possível, com um aumento de preocupação com a saúde e medidas sanitárias. Autoridades e empresas deverão induzir essa maior preocupação, e isso vai gerar consequências práticas para todos setores econômicos em diferentes graus.

Há setores naturalmente vencedores, perdedores e aqueles que precisam passar por pequenas adaptações para essa nova realidade.

Setores como infraestrutura de dados, varejo online, educação a distância, saúde e farmácia e deliveries, em geral, claramente se beneficiaram com a crise.

Já setores como turismo, aviação, varejo físico (exceto alimentos) e entretenimento presencial precisarão se reinventar.

Outros setores terão que se ajustar ao novo comportamento do consumidor. Isso exigirá mais flexibilidade operacional, financeira e cultural das empresas daqui para frente.

Considerando o seu ramo de atuação, trace um cenário de partida, de modo que seja capaz de projetar receitas, custos e despesas de agora para frente. Coloque-se no mercado atual e mostre sua nova matriz “SWOT” (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças, em português).

Tente, repito, passar uma visão de maior sustentabilidade para seu modelo de negócio. Situações provisórias ampliam incertezas, e, obviamente, o risco de sua operação e do credor.

Mostre como você está se reinventando ou aproveitando as oportunidades que esta conjuntura oferece para seu negócio.

Não esconda os problemas, especialmente os de ordem financeira. Comunique-os com clareza. Em geral, deve haver uma tolerância maior a desafios relacionados a iliquidez. Ou seja, descasamentos momentâneos entre receitas e obrigações.

Para isso, é importante mostrar sua capacidade de gerar valor no médio prazo. Comunicar seu posicionamento de mercado e quais medidas estão sendo elaboradas para reagir ao cenário atual, seja no âmbito financeiro, seja no operacional.

Mais importante: a partir do planejamento de cenário discutido acima, construa um planejamento financeiro minimamente consistente, mostrando sua capacidade de reação.

Se seu problema é de solvência, ou seja, incapacidade estrutural de honrar suas obrigações como consequência da crise, os credores perceberão com facilidade. E isso, normalmente, se expressará porque seus ativos terão sofrido impairments (reavaliações) com desvalorizações significativas (inadimplência, obsolescência ou inadequação de estoque, perda de valor de ativos reais).

Nesse caso, a obtenção de novos créditos estará prejudicada e o caminho provável será o de um processo de reestruturação cuja severidade dependerá de cada caso.

Procure solicitar alternativas ligadas à sua cadeia mercantil, no limite do possível. Supply chain e vendor financing são modalidades de crédito naturalmente menos arriscadas e tenderão a ser melhor recebidas por credores em geral. Créditos associados ao relacionamento entre clientes e fornecedores possuem uma blindagem natural. Aproveite-se dela.

Por fim, sempre que possível, ofereça garantias adicionais. O compromisso com o negócio costuma ser um potente mitigador de riscos aos olhos dos credores. Além da própria mitigação de risco objetiva que as garantias oferecem.

Em resumo, mostre-se um parceiro do seu credor. Seja transparente. Construa uma estratégia consistente considerando o cenário que se apresenta. Seja, acima de tudo, flexível.

Encerro aqui com as palavras do escritor mineiro Fernando Sabino, em seu “Encontro Marcado”: “Faça da interrupção um caminho novo, da queda um passo de dança (…), da procura um encontro.” Rodrigo Moreira .. Leia mais em infomoney 27/05/2020