À espera de uma oferta

A crise deixou bancos de investimento, fundos de “private equity” e butiques financeiras alvoroçados. Todo mundo está com um número na cabeça: o Brasil já tem quase 50 companhias com capital disperso na bolsa. Para eles, são, em tese, 50 oportunidades de negócio.A queda nas cotações tornou as empresas sem controlador mais vulneráveis a aquisições, tanto por companhias concorrentes quanto por fundos de private equity – seja por ofertas negociadas com a administração ou hostis.

Porém, por aqui, dispersão do capital nem sempre significa a completa pulverização das ações na bolsa. Quase sempre há um grupo com uma participação acionária relevante, entre 20% e 40%, o que pode ser mais desafiador.

O número de pulverizadas, em termos absolutos, ainda é pequeno. Mas representa avanço significativo nos últimos dez anos. De acordo com dados da BM&FBovespa, são exatas 47 empresas com mais de 51% das ações circulando em bolsa de um total de 125 no Novo Mercado – ou 37,5%.

“A tendência é que essas operações aumentem. O problema é que a volatilidade do mercado atua contra as oportunidades, pois afeta o sentimento corporativo”, destacou Luiz Muniz, presidente do Rothschild no Brasil, a respeito das ofertas de aquisição.

Pedro Marcílio, sócio da BR Partners, afirma que o crescimento desse tipo de transação depende não só da existência de ativos disponíveis, mas do desenvolvimento de um mercado de financiamento especializado. Além disso, lembrou que a atual crise afeta a disponibilidade de crédito no mundo todo.

Seguindo raciocínio semelhante, Marcos Pinto, sócio de private equity da Gávea, ressaltou que falta no Brasil uma taxa de juros mais atrativa. Ele lembrou que essas transações costumam ser alavancadas. “Com uma taxa de juros cara, fica mais difícil.”

A novidade desse tipo de estrutura de capital no Brasil faz com que seja pouco desenvolvida a especialização da indústria financeira para lidar com essas operações. Porém, os especialistas consultados concordam que em termos estruturais não falta nada no país para o aumento dessas operações. “Estamos maduros para isso”, acredita o sócio da Gávea.

Por isso, apesar de todas as dificuldades de uma modalidade nova num país de dinheiro caro, aos poucos, a indústria de fusões e aquisições começa a atentar para essas possibilidades. E as próprias administrações das companhias cujo capital é disperso também observam as crises com outro olhar, e ficam mais receosas pela queda nas cotações em bolsa.

Na segunda-feira, a BR Malls anunciou que pretende colocar uma cláusula de proteção de sua dispersão acionária. Na prática, a empresa quer colocar no seu estatuto um gatilho para que o investidor que alcançar participação de 20% no capital fique obrigado a lançar oferta pública para todos os acionistas. Sem controlador ou mesmo um grupo de acionistas predominante, a companhia está entre as mais pulverizadas na bolsa. A decisão será tomada pelos acionistas em assembleia agendada para 30 de agosto.

Além da novidade de BR Malls, os investidores tiveram, nesta semana, uma outra oportunidade de avaliar as discussões sobre ofertas hostis. A construtora e incorporadora Gafisa foi alvo de boatos a respeito de uma potencial oferta desse tipo, pelos desafios que enfrenta no momento. O tema foi, inclusive, questionado na teleconferência de resultados. Há poucos meses, a empresa inseriu uma cláusula em seu estatuto semelhante a proposta pela BR Malls, mas com gatilho em 30%.

As pílulas de veneno – mecanismos semelhantes ao de Gafisa e à sugestão da BR Malls, porém mais severos – são um dos fatores que podem dificultar as ofertas de aquisição de controle. No auge das aberturas de capital, essas regras foram incluídas nos estatutos das companhias que abriam capital por repetição, como forma de oferecer ao controlador um conforto de que a tomada do controle seria difícil.

O advogado especializado em fusões e aquisições Marcos Flesch, do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch, destacou ainda que há preferência do próprio comprador de que as propostas sejam negociadas. Segundo ele, as ofertas hostis, por vezes, são malvistas.

Outra questão que afeta as potenciais ofertas por companhias pulverizadas são as facilidades de outras operações no Brasil. Segundo Marcílio, incorporações e aquisição de fatias relevantes – que não o controle – são potencialmente mais baratas e atrativas para os compradores.

Flesch destacou que ofertas por companhias do Novo Mercado trazem um risco de discussão jurídica. Isso porque há uma regra no regulamento que determina oferta por valor justo, baseado em laudo independente, no caso de saída da companhia do segmento especial. De acordo com o especialista, isso pode encarecer o negócio. “Nem sempre a cotação estar baixa na bolsa significa que o negócio pode sair barato”, disse.

O diretor de regulação de emissores da BM&FBovespa, Carlos Alberto Rebello, explicou que uma oferta para compra de controle não precisa seguir essa regra logo de cara. Segundo ele, a empresa pode lançar a proposta pelo preço que julgar conveniente desde que no edital da oferta especifique o que fará caso a fatia do capital em circulação na bolsa deixe de atender a exigência do Novo Mercado, de um mínimo de 25%. A empresa pode optar por sair do Novo Mercado, lançando uma segunda oferta seguindo as regras citadas por Flesch, ou recompor a quantidade mínima de papéis na bolsa.

Marcílio acredita que há uma saída mais simples para esse tipo de situação. Segundo ele, empresas que não possuem nenhuma pílula de veneno podem ser alvo de ofertas apenas por 75% do capital. “Enquanto o Novo Mercado não criar uma regra que permita a saída da empresa no caso de uma oferta bem sucedida, será mais vantajoso comprar 75%. A decisão racional será pior para o investidor.”

Fonte:ValorEconômico17/08/2011