Para especialista, as companhias terão de começar a análise das fusões pelo impacto para os consumidores

Não é apenas o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que terá de se adaptar para aprovar operações de fusão e aquisição previamente, mas as empresas também terão de fazer o “dever de casa”.

Para Amadeu Ribeiro, sócio do escritório Mattos Filho, as companhias vão começar a análise pelo impacto para os consumidores. E isso pode ser decisivo para fechar o negócio. “Hoje essa é a última área que as empresas avaliam”, afirmou. O especialista disse ainda que o “Super Cade”, aprovado pelo Congresso, é um avanço, mas precisa manter separadas as funções de investigação e julgamento, que agora estarão no mesmo órgão. “É a garantia efetiva de julgamentos imparciais”, disse. A seguir, trechos da entrevista ao Estado.

O “Super Cade” é um avanço?

Sim. A função do Cade é controlar o impacto das operações societárias (compra e venda de empresas) para a concorrência. Esse controle só pode ser feito de forma adequada se for prévio e essa é a principal mudança que a lei traz. Hoje a operação está consumada, as empresas integram as atividades e fica difícil reverter. As empresas podem reincidir o contrato, mas, na prática, as atividades estão integradas. No mundo afora, a análise é prévia.

Com a nova lei, o Cade terá oito meses para analisar uma operação. Hoje demora muito mais. É possível cumprir o prazo?

O que a lei coloca é um prazo máximo. Os casos simples tendem a ser aprovados em menos tempo. O Cade vai ter que elaborar um regulamento para separar as operações simples das complexas. No exterior, operações simples podem ser aprovadas em duas semanas. Para operações muito complexas, oito meses pode até ser um prazo curto. Vai depender muito do caso. Para garantir a rapidez, o Cade tem que contratar, em grande quantidade, um pessoal habilitado tecnicamente.

Está prevista a contratação de 200 funcionários. É suficiente?

Parece que sim. A questão é se vão ser mesmo contratadas 200 pessoas e em quanto tempo. É um grande desafio contratar e formar essas pessoas. Essa é a tarefa do Cade. Por outro lado, as empresas também terão que se preparar. Será necessário preparar a notificação ao Cade com antecedência e se empenhar para apresentar argumentos completos e convincentes. É preciso convencer o técnico a aprovar rápido.

Pode afetar a decisão de fechar ou não um negócio?

As empresas vão começar a operação pela defesa da concorrência. Hoje essa área é a última. O advogado concorrencial só começa a trabalhar depois que a operação está fechada. Agora os advogados terão que dizer aos clientes, previamente, se a operação vai ser aprovada ou não, em quanto tempo, e em que condições. Se uma operação for muito difícil de aprovar, as empresas podem desistir.

Uma fusão é cercada de segredo para não afetar o desempenho da empresa. Como lidar com isso agora?

Uma vez notificado ao Cade, o fato virá a público. Se a empresa se propõe a fazer uma aquisição e não dá certo, pode sofrer muito, só reforça a necessidade de planejamento prévio. Também espero que as autoridades se disponham a se reunir com os advogados antes da notificação ser feita para que possamos perceber os pontos de preocupação. O Cade vai precisar de um regulamento para isso, mas na Europa os advogados conversam com as autoridades em sigilo.

A estrutura do Cade mudou com o surgimento da figura do superintendente-geral. Qual será o impacto para o órgão?

A nova estrutura tem um aspecto positivo e outro potencialmente negativo. O positivo é que vamos lidar com apenas uma autoridade, o que torna o trabalho mais eficiente. Hoje são dois ministérios e o Cade. Mas agora a autoridade terá de tomar o cuidado de separar muito bem as funções de investigação e julgamento. As pessoas que se ocupam de analisar se a fusão é aceitável ou de investigar um cartel devem se focar só nisso. É importante manter isso bem separado, porque é a garantia efetiva de julgamentos imparciais.

O Congresso deu ao Cade um poder superior ao da Polícia Federal para entrar nas empresas e colher informações. O senhor é contra ou a favor?

A minha percepção é que foi um erro legislativo, uma falha no calor da votação. Espero que as autoridades corrijam isso por meio de regulamentação, especificando as condições em que a inspeção será feita. A autoridade ingressar numa empresa sem aviso prévio vai contra os princípios do Estado de direito. É como entrar na casa de alguém sem autoridade judicial.

No caso Brasil Foods, a Sadia tinha um problema financeiro grave e a Perdigão fez um aporte de recursos. Com a nova lei, isso seria possível?

Sim. A lei contém uma previsão para permitir que a operação prossiga antes da aprovação do Cade em situações excepcionais. Ainda não sabemos como o órgão vai lidar com isso. Mas, por exemplo, se um banco estiver na iminência de falir, colocando em risco o sistema financeiro, o Cade deve permitir que a operação prossiga.

O Cade estará menos vulnerável a questionamentos de suas decisões na Justiça como o caso Nestlé-Garoto?

A expectativa é que as decisões não parem no Judiciário, já que a aprovação será prévia. Mas essa resposta depende fundamentalmente da postura do Cade. O órgão precisa se manter como um tribunal independente. Quanto mais parcial o órgão for, maior será o risco de questionamento judicial.Por Raquel Landim
Fonte:OEstadodeSP08/10/2011