Expectativas racionais, para que te quero
Dizemos, em sua versão mais pretensiosa, que um agente econômico tem “expectativas racionais” quando conhece a distribuição futura de probabilidades de qualquer variável do seu modelo, obtida (condicionada) pelas informações que ele dispõe no presente. Por exemplo, num sistema por hipótese não “viesado” de escolha aleatória, a probabilidade de selecionar qualquer número entre um e mil é exatamente 1/1000.
O problema é que o mecanismo é, por definição, “não viesado” quando empiricamente, num número de experimentos (que tende ao infinito), todos os algarismos de um a mil revelam a mesma frequência. Num exemplo tão simples como esse ficam evidentes as dificuldades lógicas de definição da “expectativa racional”.
Os economistas são mais modestos. Na utilização do conceito de “expectativa racional”, constroem modelos lineares envolvendo as variáveis econômicas e supõem conhecer não a distribuição probabilística de cada uma delas, mas apenas a sua média, baseando-se no “verdadeiro” modelo da realidade e na informação que dispõem no presente.
Eles têm lutado com esse problema desde que começaram a formalizar e, portanto, tornar mais evidentes as hipóteses envolvidas nos seus modelos. Se trata, no fundo, de fazer alguma conjectura sobre o futuro opaco, que se recusa a revelar-se antes de se tornar presente. Nessa busca de “antecipar o futuro” e tornar mais úteis os seus modelos, os economistas foram construindo diferentes mecanismos de “expectativas” e estudando as suas consequências.
A primeira hipótese, muito usada nos anos 20 e 30 do século passado, quando estava na moda o estudo empírico das curvas de procura de bens agrícolas, foi que o preço esperado para o futuro era igual ao preço do período anterior. No nível microeconômico, isso produziu a famosa dinâmica do “cobweb”, em que preços e quantidades oscilavam, mas que, com restrições convenientes, terminavam num “equilíbrio”.
A surpresa veio quando construíram, com a mesma hipótese, um modelo macroeconômico dinâmico elementar com “erros” (surpresas) na demanda global e na fixação dos salários para determinar o nível do PIB e a taxa de inflação. O PIB flutuava aleatoriamente em torno do objetivo desejado, mas a taxa de inflação era positiva e constante (a menos de uma variação aleatória de média zero) e independente da política monetária! Era evidente que a hipótese original (preços esperados para amanhã iguais aos de hoje) não se sustentava, porque os agentes não continuariam a utilizá-la quando verificassem uma taxa de inflação constante.
Isso levou à substituição da formação das expectativas. A nova sugestão foi supor que a taxa de inflação seria constante. A surpresa ainda maior foi que o modelo mostrava que, agora, para manter o PIB no nível desejado, era preciso não uma taxa de inflação constante, mas uma taxa de inflação permanentemente crescente!
Ficou óbvio que esses estranhos resultados obtidos a partir de modelos extremamente simples eram produto dos erros sistemáticos sobre a formação das expectativas dos agentes. No nível do desespero, os economistas fizeram uma hipótese heroica: suponhamos que conhecemos o futuro, ou seja, que sabemos qual é o preço de amanhã! É a isso que chamamos “expectativas racionais”: conhecemos o preço médio de amanhã através das informações que dispomos hoje, o que equivale a eliminar os “erros” (surpresas) na equação da demanda global.
Tudo tornou-se claro. Com o futuro revelado, o modelo dá a resposta que estávamos esperando: o PIB se estabiliza no limite superior, o que dispensa a política fiscal e monetária. Esta última determina apenas o nível de preços. Os economistas aprenderam o truque e nunca mais o abandonaram. Com alguma arte e engenho sobre a formação das expectativas, podem obter, matemática e rigorosamente, o resultado que desejam. É o Santo Graal que procurávamos há séculos, comprado baratinho ao preço trivial de supor que conhecemos o futuro.
Não há, portanto, o que estranhar nas conclusões espantosas em passado não muito afastado de alguns nobelistas: as políticas econômicas quando antecipadas são absolutamente ineficazes quando conhecemos o futuro. De qualquer forma é mais do que evidente que ninguém discute a necessidade de se introduzir nos modelos alguma expectativa sobre o futuro opaco e de como a política econômica pode ajudar a formá-la.
Talvez esta seja a única mensagem duradoura das “expectativas racionais”: uma hipótese sobre o futuro é indispensável para entender o presente! Por Antonio Delfim Netto
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
Fonte:Valoreconômico25/10/2011