A época é de grande intensidade de negócios geradores de concentrações societárias ou de ampliação de ativos para produção, sendo movimentação alimentada por (a) busca de melhor economia de escala, (b) salvamento para sociedades em crise econômico-financeira ou (c) formação de grupos a partir da conquista de concorrentes.

Naturalmente que o impulso de propostas – às vezes hostis – para a aquisição dos ativos societários se limita ao suporte do due diligence ou ao simples interesse estratégico e relega a um segundo plano uma série de consequências de sucessão nos débitos. Esse é um risco inerente ao negócio e deve ser mensurado nos custos da transação.

As sucessões se manifestam como consequência da transmissão do patrimônio. Sendo faces da mesma moeda, ativo e passivo patrimoniais poderão manter a vinculação numa transferência societária ou num trespasse, naturalmente porque se está diante de regramento de ordem pública (ou cogente) de proteção dos credores.

De outro ponto de vista, o tipo de negócio jurídico encetado e a natureza do débito serão determinantes para aferir a extensão ou ampliação do polo subjetivo de obrigações numa concentração empresarial, numa alienação de ações, numa venda de estabelecimento ou mesmo numa simples aquisição de ativos imobiliários.

A substituição de um sujeito pelo outro deve ter a sua análise feita a partir do patrimônio e da imprescindível autorização legal para que a sucessão se dê a título universal. Portanto, em princípio, uma sucessão universal em sociedades empresárias personificadas se dá a partir de negócios jurídicos de incorporação, fusão e em alguns casos de cisão, porquanto a Lei nº 6.404, de 1976, e o Código Civil regulem justamente a substituição de uma sociedade pela outra decorrente da transferência patrimonial pressuposta à operação. Os credores das sociedades fundidas, incorporada ou mesmo da cindida têm a garantia legal da sucessão universal no patrimônio da sociedade resultante.

A sucessão nos débitos é um risco inerente ao negócio e deve ser mensurado

Outro é o raciocínio quando se trata de sucessões particulares, que têm como pressuposto a fixação de obrigações contratuais – e não uma autorização legislativa, como no caso da sucessão universal no patrimônio. Nessa alternativa, ocorrem hipóteses de cessão de débito/crédito e assunção de dívida alheia, conforme noticia percuciente estudo de Fabio Konder Comparato (RT 747/795). Portanto, uma sociedade sucede a outra em débito por força de obrigações assumidas expressamente.

Ainda existem alternativas de sucessão geradas pela natureza “propter rem” de determinada obrigação, que acaba se transmitindo e acompanhando o próprio bem transferido. Vinculam a coisa e não a pessoa. Essa é a natureza do que prevê o perigoso art. 133 do Código Tributário Nacional (CTN). Nessa regra de sucessão em obrigações tributárias, valora-se o estabelecimento empresarial como uma universalidade de fato ou o conjunto de bens materiais e imateriais apreendidos pelo empresário ou sociedade empresária e colocados em função da atividade.

Caso seja celebrado o trespasse (ou venda – STJ – Ag no REsp nº 1.321.679) do estabelecimento, por exemplo, e ocorra a continuidade na exploração da atividade, ainda que sob sociedade distinta, caracteriza-se a sucessão nos débitos tributários (STJ – REsp nº 923.012). Será integral se o alienante cessar a exploração da atividade; será subsidiária (ou seja, primeiro cobra-se o vendedor e depois o adquirente), se prosseguir na exploração ou iniciar nova atividade dentro de 6 meses, ainda que em ramo distinto. A severa regra somente é ressalvada se a venda de estabelecimento se der em processos de falência ou de recuperação judicial.

Mais uma hipótese vinculada à transferência de bens está no fundamento da sucessão trabalhista e sua previsão nos arts. 10 e 448 da CLT. Em ambos os dispositivos legais, malgrado alguns excessos da jurisprudência especializada, é imprescindível a presença de prova robusta que demonstre a mudança na titularidade do estabelecimento bem como a continuidade da prestação de serviço pelo empregado (TST – RR 629.250/00).
Não é demais anotar que as sucessões tributária e trabalhista pela transferência de ativos ficam ainda mais caracterizadas na hipótese de identidade entre os sócios da sucedida e da sucessora no estabelecimento, conforme já decidiu o STJ no AgRg no REsp nº 1.084.838.

E a propósito da troca de sócios, o Código Civil atual inovou no art. 1003, parágrafo único, ao manter a responsabilidade do sócio por dois anos após a retirada pelas obrigações que tinha como sócio, o que não é propriamente uma sucessão, mas uma solidariedade obrigacional do sócio após a sua saída da sociedade.

Portanto, além das complexidades próprias dos negócios e do encontro de vontades, os custos de transação das concentrações empresariais acabam se agravando diante de um quadro de múltiplos fatores que implicam a sucessão universal ou particular em obrigações. Tais fatores também devem ser colocados à mesa.

Gustavo Saad Diniz é advogado e professor doutor de direito comercial da USP-FDRP
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Fonte: Valoronline11/10/2011