Os sócios da Companhia de Navegação Norsul, um dos maiores armadores privados brasileiros, vão se enfrentar nos tribunais para dirimir disputa societária após fracassadas tentativas de entendimento.

O litígio foi motivado pela decisão do sócio minoritário Hugo Figueiredo de exercer opção de venda de parte dos 26,83% que detém na companhia. Os controladores, a família norueguesa Lorentzen, questionam a base de cálculo apresentada pelo sócio para exercer a venda de 7% da empresa. Depois de 21 anos de uma bem-sucedida parceria, a relação entre os sócios da Norsul ficou abalada. O diálogo entre os Lorentzen e Figueiredo reduziu-se a questões operacionais discutidas no conselho de administração. O objeto da briga passou a ser tratado por representantes e advogados.

A opção de venda das ações de Figueiredo na Norsul está registrada em contratos assinados entre as partes em 1995. Nos documentos, os Lorentzen se comprometem a adquirir as ações do sócio a partir de seu desligamento como executivo da companhia. Figueiredo aposentou-se da Norsul em julho de 2007 depois de mais de duas décadas à frente da empresa. Foi presidente da Norsul International (Norinter) por nove anos. E por outros 12 anos comandou a nova empresa surgida a partir da fusão da Norinter com a Norsul, unificação feita também em 1995.

Em agosto de 2010, Figueiredo enviou carta aos Lorentzen manifestando desejo de vender parte da participação acionária, mas apesar dos contratos existentes não foi possível chegar a um entendimento.

Frente ao impasse, Figueiredo impetrou, em abril, ação ordinária na 4ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro contra a holding OLSA e o patriarca da família, Erling Sven Lorentzen, e um de seus filhos, Haakon. Os três tornaram-se réus na ação de Figueiredo, que presidiu por 12 anos uma das principais entidades de classe do setor, o Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma).

No processo, Erling, que ajudou a criar a Aracruz (atual Fibria), deverá ser chamado a depor junto com outras testemunhas. O empresário, sem funções executivas no grupo Lorentzen, tem 88 anos. Ele é casado com a princesa Ragnhild, irmã do rei da Noruega, Harald V, e tem raízes antigas na indústria de navegação: seu pai foi um armador bem-sucedido na Noruega. Figueiredo negociou os contratos diretamente com Lorentzen quando o empresário norueguês ditava os rumos da companhia. Figueiredo e Lorentzen não comentam o assunto.

O Valor teve acesso às informações do processo. Para embassar seus argumentos, a defesa de Figueiredo encomendou parecer ao advogado Gustavo Tepedino. Na ação, o autor pede que os réus sejam condenados a cumprir com o que foi estabelecido na primeira carta-compromisso de 1995 e que trata sobre a opção de venda de parte das ações de Figueiredo. Ele requer, amparado nesse documento, que os Lorentzen paguem R$ 52,5 milhões, equivalente a 7% do valor de mercado da empresa.

Erling, patriarca da família Lorentzen, será chamado para depor no processo

Chegou-se a esse número a partir de avaliação feita, sob encomenda de Figueiredo, pela consultoria RS Platou, que indicou um valor de mercado para a Norsul de US$ 450 milhões, com base no câmbio de agosto de 2010. Mas esses números também são questionados pelos representantes dos Lorentzen, que fizeram outros cálculos e chegaram a um valor de mercado bem inferior para a companhia, de R$ 450 milhões.

“Fizemos as contas [para chegar a esse número]. A avaliação de Hugo [Figueiredo] é feita como se a empresa fosse nas Bahamas, não considera imposto de renda”, afirma Carlos Temke, presidente da Norsul. Ele foi nomeado representante dos Lorentzen na negociação. “Tentou se discutir a avaliação e não se conseguiu. Podemos conversar sobre a avaliação a hora que eles quiserem”, diz Luiz Guilherme Migliora, do Veirano Advogados, que representa Hugo Figueiredo.

Migliora entende que o juiz responsável pela causa, Mauro Pereira Martins, terá duas questões para decidir: a base de cálculo para o exercício da opção de venda das ações de Figueiredo e o valor da empresa. “Estamos tranquilos em relação à discussão desses dois temas”, disse Migliora. Ele afirmou que a questão sobre a base de cálculo é “simples” quando se analisa o contexto, mas reconheceu que podem ser criados “embaraços” se for feita uma análise linha a linha dos compromissos assumidos pelos Lorentzen com Figueiredo.

Mas esse valor é questionado pelos Lorentzen, que fizeram outros cálculos e chegaram a R$ 450 mi

O contexto citado por Migliora refere-se a duas cartas-compromisso e a um protocolo assinados entre Figueiredo e os Lorentzen em 14 de setembro de 1995. Esse protocolo permitiu a incorporação da Norinter, da qual Figueiredo tinha 36%, pela Norsul, que à época passava por momento delicado. Nessa operação, Figueiredo ficou com 18% do capital da nova empresa e, além disso, recebeu mais 7% das ações ordinárias da Nova Norsul como prêmio por haver trocado uma posição confortável em uma empresa promissora e eficiente por outra posição em uma companhia que tinha futuro incerto, segundo relatado na ação. A soma das participações garantiu a Figueiredo 25% da Norsul.

Em 2000-2001, ele adquiriu mais 1,83% de outros minoritários. Outros 3,3% das ações da Norsul estão em mãos de familiares de Erling Lorentzen e o resto do capital, quase 70%, é detido pela OLSA. Migliora disse que o item 5.7 do protocolo de unificação da Norsul e Norinter deixa claro que Figueiredo tem direito a 25% da nova empresa. O advogado afirmou que nesse documento existe cláusula de saída (ponto 6.7) segundo a qual a compra da posição acionária de Figueiredo ocorrerá de acordo com o exposto nas duas cartas-compromisso que tratam o tema. É na interpretação das cartas que se concentra boa parte da discussão.

A primeira das cartas diz que na eventualidade de cessar a atuação de Figueiredo como principal executivo da Norsul, os Lorentzen “se comprometem a comprar 7% de suas ações na empresa unificada”. A redação do contrato não é clara e levou os Lorentzen a considerar que o compromisso de compra refere-se a 7% das ações detidas por Figueiredo na companhia e não 7% do capital total da empresa. Por esse raciocínio, Figueiredo teria direito a exercer na primeira carta 7% de 25%, ou seja, 1,75% do capital total da Norsul. “É um caso de má fé exemplar”, disse Migliora.

Ivan Nunes Ferreira, do escritório Nunes Ferreira, Vianna Araújo, Cramer, Duarte Advogados, representante dos Lorentzen, rechaçou a acusação: “Não há má fé. Deve se respeitar o que está escrito por empresários experientes e, portanto, não posso admitir que não saibam o que estavam escrevendo”, disse Ferreira. As cartas-compromisso foram assinadas por OLSA, Erling e Haakon Lorentzen e o protocolo pelos três mais Figueiredo.

“O que a carta diz é que a opção de compra se refere a 7% das ações que ele [Figueiredo] detém na Norsul”, insistiu Ferreira. Ele afirmou que o que distancia as partes são interpretações diferentes do contrato. “Os Lorentzen jamais se negaram a comprar as ações de Figueiredo nos termos contratados na opção de compra.” Ferreira disse que é fácil de comprovar esse argumento ao comparar a primeira carta com a segunda, assinada no mesmo dia e que estabelece a compra de 18% das ações de Figueiredo na nova empresa. As cartas fixam prazos diferentes para pagamento das obrigações.

Ferreira disse ainda que antes de discutir a base de cálculo da opção de venda das ações de Figueiredo é preciso chegar a um valor para a Norsul. Ele definiu as avaliações feitas até agora como “preliminares” e afirmou que é preciso seguir o estabelecido na primeira carta segundo a qual as partes nomeiam dois avaliadores que apontarão um terceiro. “E os três avaliadores fazem um laudo que tem de ser acatado pelas partes”, ponderou.

Ele disse que essa avaliação tem caráter de arbitragem “ad hoc” e defendeu que a perícia que estabelecerá o valor tem que ser “extra-judicial”. O advogado de Figueiredo tem posição diferente. “Estamos abrindo a avaliação em juízo e o que era para ser feito pelas partes será feito mediante perito nomeado pelo juízo com assistentes técnicos”, disse Migliora.

Como até o momento não há acordo sobre nada entre os sócios, a tendência é de que o processo judicial se estenda e seja marcado por muito litígio. A não ser que o caso sofra uma reviravolta – até agora pouco provável – e abra-se caminho para uma negociação.

Fonte:portosenavios & Valor09/08/2011