Grant Thornton e BDO retomam espaço no Brasil
Não é mera coincidência.
Entre o fim de 2010 e o início de 2011, a quinta e a sexta maiores redes internacionais de auditoria, passaram exatamente pelo mesmo processo com suas operações brasileiras. Viram sua participação no mercado local ser reduzida a zero do dia para a noite, após a aquisição de suas afiliadas no Brasil, Trevisan e Terco, por rivais maiores.
Desde então, elas vêm tentando se reerguer no país, um mercado considerado prioritário por todas as firmas globais do setor – ao lado China, Rússia e Índia -, principalmente pelas perspectivas de crescimento acelerado.
Brigar por mercado contra as chamadas “Big Four” do setor – PwC, Deloitte, Ernst & Young e KPMG – é a tarefa ingrata diária que BDO e Grant Thornton têm que enfrentar no mundo todo.
Considerando o faturamento das seis maiores no Brasil no exercício fiscal de 2010, de R$ 2,87 bilhões, as duas menores tinham, juntas, uma fatia de pouco mais de 8% do mercado, percentual parecido com o que se vê nos números globais e que vinha crescendo ano a ano no país.
Após a perda das parceiras, elas tiveram que buscar novas firmas locais para credenciar em suas redes. Em 2011, a participação ficou próxima de 3% quando se considera a mesma amostra.
Em entrevistas concedidas separadamente ao Valor, o holandês Martin Van Roekel, presidente da BDO International, e o americano Ed Nusbaum, que comanda a rede mundial da Grant Thornton, mostraram-se animados com as notícias que receberam dos novos parceiros.
Martin van Roekel, da BDO: tamanho não é sinônimo de qualidade
“Tivemos um crescimento expressivo, que ficou dentro das expectativas ambiciosas que tínhamos”, afirmou Roekel, ressaltando que a BDO precisa ser grande em todos os países do grupo BRIC se quiser desafiar as líderes. “Estamos bastante contentes com os resultados.”
Já Nusbaum, da rival Grant Thornton, destacou que a firma progrediu em todas as áreas de atuação – auditoria, tributos, consultoria e contabilidade – e conquistou oito companhias abertas, entre elas a operadora de planos de saúde Amil. “Muitos clientes internacionais da firma estão procurando oportunidades de investimento no Brasil, o que amplia a possibilidade de negócios”, acrescentou.
Partindo de uma base pequena de faturamento, BDO e Grant Thornton têm conseguido mostrar taxas de expansão robustas, até mesmo pela retenção de clientes multinacionais cujas matrizes são auditadas por firmas da mesma rede, o que ajuda a “turbinar” os números no momento inicial.
A receita da Grant Thornton brasileira cresceu 80% de 2010 para 2011, alcançando R$ 74 milhões. No caso da BDO, a alta foi de 33% desde a parceria com a RCS em abril de 2011, com o faturamento atingindo a marca de R$ 50 milhões em 12 meses.
Mas apesar dos bons resultados e das boas perspectivas para 2012, não se pode dizer que a recuperação esteja sendo fácil.
Assim que perderam os parceiros locais, não havia um leque grande de candidatos óbvios para se firmar parcerias.
Embora existam auditoria pequenas de alta qualidade no Brasil, muitas delas não tem ambição de crescer, preferindo se manter como “butiques”. Já as empresas de médio porte são raras.
Depois de analisar as opções, a Grant Thornton decidiu se associar, em outubro de 2010, à Pryor, que até então era um escritório de contabilidade.
A área de auditoria da empresa teve que ser montada praticamente do zero e hoje representa cerca de 20% do faturamento (cerca de R$ 15 milhões), sendo que a expectativa é que o percentual suba para 25% em 2012.
No caso da BDO, a opção foi pela RCS, comandada por Raul Corrêa da Silva, que fundou a Terco com Mauro Terepins e depois um período fora do mercado decidiu criar sua firma.
Na BDO RCS, o segmento de auditoria representa 60% da receita, ou R$ 30 milhões, o que a coloca à frente da Grant Thornton quando se analisa somente essa área de negócio.
Quando o assunto é a estratégia de crescimento, as duas não pretendem inovar. Assim como faziam antes, BDO e Grant Thornton jogam suas fichas em conquistar a clientela de médio porte, incluindo as de capital aberto.
E o trunfo que elas consideram ter na manga é a cultura de uma relação mais próxima entre o empresário cliente e a equipe sênior da firma de auditoria. “Somos diferentes das Big Four e não queremos ser iguais. Os nossos sócios se envolvem mais na operação. E nenhum cliente é um número”, afirma Nusbaum, da Grant Thornton.
Aliás, foi justamente por causa desse nicho, chamado de “middle market”, que a Ernst & Young comprou a Terco e a KPMG, a Trevisan. E elas adquiriram não apenas a carteira de clientes, mas também assumiram equipe, habituada a atender esse segmento.
Para Raul Corrêa, da BDO, no entanto, o benefício pode durar pouco. “Quando há uma aquisição, o foco e o DNA que permanecem são os dos compradores.”
Ainda no tema de crescimento por meio compras, o presidente da BDO International, Martin Van Roekel, disse que, “se houver possibilidade”, a empresa está aberta à oportunidade de fusões para crescer no Brasil. “Crescimento orgânico leva muito tempo e esforço. Não podemos esperar dez anos [para recuperar a posição de mercado]”, diz.
Tanto a BDO como a Grant Thornton têm como meta retomar no fim do próximo ano o tamanho que possuíam antes da perda das parceiras.
Quando se fala do mercado de companhias abertas, elas precisam vencer uma barreira de imagem, de que apenas as quatro grandes tem capacidade de auditar os balanços de grandes empresas listadas em bolsa. “A palvra “big” não significa qualidade. Significa apenas “big””, cutuca Roekel, da BDO. Segundo Corrêa, chefe da firma local, a RCS auditava apenas três companhias abertas antes da parceria com a BDO, e agora já tem 25 clientes.
Na briga contra o domínio do mercado global pelas quatro grandes, a Grant Thornton é a que tem a postura mais aberta para discussões regulatórias, como as que ocorrem na União Europeia envolvendo rodízio obrigatório e o uso de dois auditores para uma mesma empresa. “Não significa que gostamos de tudo, mas é importante dar passos para melhorar. As Big Four dizem não para todas as propostas. Isso não é muito produtivo”, diz Nusbaum. Por Fernando Torres
Fonte:ValorEconômico 10/04/2012