A Loft passou os últimos dois anos praticamente submersa, sem falar sobre negócios e sob especulações constantes em torno do valor da empresa e de cortes de custos, que incluíram algumas centenas de demissões. Agora, o cofundador Mate Pencz coloca a cabeça para fora d’água: depois dos ajustes estratégicos e de uma injeção de capital, diz que a Loft está muito mais equilibrada e pode atingir o almejado ‘breakeven’ (equilíbrio de contas, saindo do vermelho) até o final deste ano. Abaixo, os principais trechos da entrevista exclusiva ide Pencz ao Pipeline.

A Loft fez muitos ajustes nos últimos dois anos e foi alvo de muita especulação. Afinal, o que aconteceu na empresa nesse período?

Entramos num período de adequação da operação e arrumação de casa nesses dois anos. Precisávamos fazer isso depois de aquisições, com a compra da CredPago ao final de 2021, e acabou sendo acelerado com a mudança de mercado. Trouxemos o Marcel Regis, da Ambev, como COO e se juntaram a nós outras pessoas de mercado para ganhar eficiência em processos, eliminar duplicidades, fazer adequações para estratégia B2B. Em 2022, tomamos decisões que pareciam agressivas e enxergo hoje, com esse benefício do tempo, como acertadas. Entramos 2023 com cabeça ainda bem focada na operação e eficiência, mas já com as coisas mais nos trilhos do que outras empresas que não quiseram se ajustar tão rapidamente.

Loft ajusta estratégia mira breakeven e volta a falar em IPO

Qual foi a mudança estratégica?  

Aceleramos o ajuste no nosso modelo de negócios, para o B2B. Temos uma marca relevante para o consumidor, mas agora a gente alavanca isso no ecossistema das imobiliárias. Hoje só no negócio de financiamento estamos em mais de 800 cidades e começamos na região Sul com o portfólio único integrado, que é uma aposta forte nossa do ponto de vista tecnológico e comercial. Essa composição de B2C e B2B mudou de meio a meio para quase 100% B2B. São quase 10 mil imobiliárias na plataforma.

O que é esse portfólio integrado?

Acho que é nosso maior acerto. O portfólio integrado possibilita que imobiliárias de uma mesma praça compartilhem seus imóveis, dividindo comissão e ganhando escala, ao invés de uma disputa de anúncios que se sobrepõem e não garantem comissões. É semelhante ao modelo americano conhecido como MLS (Multiple Listing Service). Naquele mercado, as imobiliárias têm exclusividade de cada anúncio, mas podem dar acesso a terceiros que busquem o comprador, acessando uma carteira maior de imóveis, e dividindo a comissão. Isso ajuda a fazer com que a média de tempo para venda de imóvel seja de três meses nos Estados Unidos, ante 16 meses no Brasil.

Quais são os números do balanço da Loft hoje?

Continuamos com crescimento forte, com aumento de 40% em 12 meses, até junho. Todo trimestre, batemos recorde de faturamento, mas não estamos revelando números. O que posso dizer é que, no nosso caso, o enxugamento de custos foi feito sem reduzir receita. A CredPago, nosso negócio de garantia de aluguel, já é lucrativa, assim com a Vista, nosso sistema de CRM. Mas o Grupo Loft como um todo ainda não e queremos atingir o breakeven neste segundo semestre.

Os investidores têm pressionado por rentabilidade. Vocês alteraram as prioridades?

A gente não projetava o breakeven antes de 2025. Antecipamos em dois anos pelo menos. Com cinco anos de operação hoje, na nossa escala, deve ser inédito no Brasil uma companhia de tecnologia chegar à rentabilidade.

A Loft conclui uma captação via dívida, ao invés de equity. A companhia queria evitar o down round?

O foco era capitalizar a companhia e garantir liquidez suficiente para o plano de crescimento acelerado, do qual nunca quisemos abrir mão. O desafios nessa captação foi dosar a quantia de investimento que a companhia precisava, desacoplado de conversa sobre valuation. Começamos as conversas no segundo trimestre do ano passado e o mercado não conseguia precificar mta coisa, com companhias como Nubank e Mercado Livre 60%, 70% abaixo do pico. Nesse ambiente, você procura evitar ter que precificar uma rodada e o modelo de dívida conversível capitaliza a empresa jogando esse valuation para uma rodada futura ou IPO. Atraímos novos investidores, de longuíssimo prazo.

No acordo de dívida conversível, há uma nova referência ao valuation de R$ 7 bilhões (US$ 1,45 bilhão, distante dos US$ 2,9 bilhões da último rodada de equity, em 2021). Como funciona?

Esse número é o teto de conversão numa futura rodada ou potencial IPO. Se você entrou nessa dívida e o mercado precificou a Loft em valuation acima de R$ 7 bilhões, a conversão dos seus papéis para o equity está limitada a esse teto, um pedido dos investidores para ter alguma certeza da fatia que terão, sem serem muito diluídos num valuation maior. Não tem piso: se for abaixo de R$ 7 bilhões, a conversão é proporcional. Mas é claro que a gente só faria uma rodada ou IPO num patamar que beneficie a companhia.

Muitos investidores se viram pressionados por cláusulas de liquidation preference, que afetam inclusive a política de retenção de executivos. Na Loft, essa é uma das preocupações nas negociações?

É um tema relevante do mercado como um todo. Para gente não tem sido tão relevante uma vez que tivemos a entrada de dívida no caixa e pelo crescimento que a gente vem demonstrando. Dos investidores que entraram, o liquidation preference é uma fatia relevante da companhia, mas uma fração do valor total, ou seja, a companhia vale mais que o liquidation preference e ele só vale em companhias privadas – quando fizermos o IPO, por exemplo, isso acaba. É uma garantia para investidores de que, enquanto a empresa não tem ações listadas, ele consegue recuperar 1x seu dinheiro. Mas ninguém investe em startups com essa visão, e sim para retornos maiores. Não perco muito sono sobre isso e não acho que empreendedores como um todo deveriam. Desde que a empresa cresça e tenha perspectiva de um IPO no médio e longo prazo, não será um problema. Muita gente falava sobre isso de forma teórica mas, na prática, até hoje não vi nenhum caso em que isso foi problema.

Você citou algumas vezes o IPO. Qual o cronograma?

Não temos nada concreto além do fato de que um IPO sempre esteve nos planos. Com esse inverno nos últimos dois anos era impossível falar ou pensar nisso, mas sempre esteve nos planos. Para isso precisamos de uma companhia sólida e o efeito colateral positivo desses últimos dois anos é que nos aproximou do potencial horizonte de listagem. Conversamos bastante com a B3 sobre como deixar o mercado mais interessante para techs, vimos historias infelizes em 2021 de empresas que foram precipitadas numa oferta, mas continuo otimista com a bolsa local. Não somos tão dogmáticos como outros empreendedores que querem o IPO em Nova York. Podemos fazer uma dupla listagem, por exemplo, como o Nubank. Vai depender do timing.

A Loft foi pega de surpresa pela retração do mercado ao final de 2021?

Para qualquer fundador, empresário, a liquidez abundante na pandemia foi uma grande surpresa. O juro real a zero é algo que ninguém teria previsto e a gente se beneficiou, como efeito colateral da política dos bancos centrais, forçando ajustes nos negócios para aproveitar a liquidez. Mas em algum momento o pêndulo precisa voltar ao natural. Ninguém sabia era quando e quão drástico seria esse recuo. A gente tinha um plano de contingência com nossos investidores para capitalizar ou ajustar a casa quando essa liquidez diminuísse, mas foi tudo muito rápido e muito intenso.

Qual foi o pior dia do inverno?

O primeiro dia de um layoff mais significativo, no primeiro semestre de 2022. A gente vem construindo a companhia, trabalhando com suas próprias mãos há cinco anos, e ter que demitir parte relevante do quadro acaba sendo muito difícil, embora a gente saiba que é a decisão necessária. São colaboradores que você conhece bem tem amizade, sabe que trabalham bem e em tempos que o mercado não está favorecendo recolocação. É inegável que um componente forte da redução de custos foi com pessoas e também marketing. Por conta das aquisições, tínhamos duplicidade também em áreas de venda, RH, finanças.…Quais lições você tirou desses leia mais em Pipeline 04/08/2023