Entre as empresas que fizeram oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) nos Estados Unidos neste ano, 83% registraram prejuízos nos últimos 12 meses, segundo dados compilados por Jay Ritter, professor da Universidade da Flórida. Esse é o maior nível desde o início da série histórica desse estudo, em 1980.

A aposta dos investidores nessas empresas deficitárias, no entanto, parece estar valendo a pena. Em média, elas registram alta de 36% desde o IPO. Já os papéis de empresas que estrearam na bolsa e têm resultado positivo subiram, em média, 32%. O índice S&P 500 acumula alta de 9% neste ano.
Nos três primeiros trimestres deste ano, 180 empresas abriram o capital nos EUA, levantando mais de US$ 50 bilhões, segundo dados da Dealogic.

Mantido esse ritmo, 2018 deve bater o recorde tanto em número de IPOs quanto em volume. Na semana passada, uma das companhias que estreou na bolsa foi a SVMK, holding que controla o site SurveyMonkey, que nunca registrou um ano de lucro. No dia da estreia, ela subiu mais de 40%. Já a Tilray, varejista de maconha canadense que também é deficitária, subiu mais de 740% desde sua estreia na Nasdaq em meados do ano.

No caso da Solid Biosciences – que ainda não gerou nem receita -, o papel já quase triplicou de preço desde a abertura de capital, em janeiro. A companhia informou na véspera do IPO que os estudos de um dos medicamentos que está desenvolvendo foram paralisados, mas ainda assim conseguiu levantar US$ 144 milhões.

Um dos fatores que ajuda a explicar o apetite dos investidores por essas companhias deficitárias é que, mesmo com o recente aumento no número de IPOs, o total de companhias de capital aberto vem caindo e muitas grandes empresas de tecnologia, como Uber e Airbnb, por exemplo, ainda não decidiram se vão para a bolsa.

O recorde anterior de empresas com resultado negativo nos IPOs foi em 2000, com 81% do total. Naquela época os destaques eram as empresas de tecnologia, enquanto agora muitas dessas companhias são de biotecnologia.

Alguns analistas e investidores temem que as esperanças de lucros futuros para a safra atual de IPOs não se concretizarão e dizem ver indícios de uma bolha semelhante àquela do “ponto.com”. No ano 2000, apenas 14% das companhias de tecnologia que abriram capital nos EUA eram lucrativas, ante 19% este ano.

Muitas das companhias que abriram capital em 2000, como a provedora de serviços para internet Genuity e a fabricante de placas eletrônicas Viasystems, não sobreviveram. Ambas acabaram entrando com pedido de falência em 2002.

Kevin Landis, diretor de investimento da gestora Firsthand Capital Management, que é focada em tecnologia, diz se preocupar com o volume de dinheiro aplicado em empresas deficitárias. “A lição do ano 2000 é: ‘não persiga o que todo mundo está perseguindo'”, comenta. Segundo ele, algumas companhias podem preferir abrir capital antes de se tornarem lucrativas, já que isso geraria uma métrica de preço/lucro distorcida.

Apesar do bom desempenho dos IPOs de empresas deficitárias este ano, nem todas foram bem-sucedidas. A ADT, que abriu capital em janeiro, acumula queda de mais de 30%. Outro exemplo famoso é o Snapchat, que listou suas ações no ano passado e até agora já caiu quase 50%. O crescimento no número de usuários decepcionou e a companhia perdeu vários executivos importantes.

“O problema das companhias jovens com forte crescimento, sobre as quais os investidores criaram projeções bastante otimistas, é que se elas não entregam esses resultados podem ser reavaliadas rapidamente”, comenta Ritter.

Por enquanto, o temor de perder um eventual rali supera esses receios, à medida que os principais índices acionários americanos têm operado em torno de máximas históricas.

Zander Lurie, executivo-chefe da holding do SurveyMonkey, disse que os investidores estão provavelmente dispostos a relevar os prejuízos da companhia porque acreditam que ela tem um bom fluxo de caixa. Ele admitiu que a companhia, que tem 19 anos, ainda vai demorar “vários anos” antes de se tornar lucrativa. – Valor Econômico Leia mais em portal.newsnet 02/10/2018