Com ações em queda desde o começo do ano, Hypermarcas põe fim à era de aquisições em série e adota postura mais conservadora

Há pelo 15 anos, a Hypermarcas cresce à custa de aquisições. Seu fundador, o empresário João Alves Queiroz Filho – o Júnior, como é conhecido – começou seu negócio fabricando tempero em pasta, em 1969. A companhia, chamada Arisco, cresceu e comprou a Assolan. Em seguida, a Arisco foi vendida por R$ 500 milhões à Bestfoods, que foi comprada pela Unilever. Mas a multinacional não se interessava pelo negócio de lã de aço e quis vendê-lo. A Assolan, então, voltou para as mãos Júnior em 1996. A partir daí, o empresário não parou mais de comprar empresas.

Quando mudou o nome da Assolan para Hypermarcas, em 2007, Júnior já tinha adquirido 13 companhias. Nos três anos seguintes (durante os quais a empresa abriu seu capital), a Hypermarcas chegou fechar mais 23 aquisições, que somaram R$ 8,4 bilhões. A última foi a Perfex, da Johnson & Johnson, por R$ 28 milhões – um valor “quase imaterial”, como dizem seus executivos. O modesto negócio, porém, marcou o fim de um ciclo. A era das aquisições ficou para trás.

Com ações caindo 60% desde o começo do ano, a Hypermarcas precisa arrumar a casa para gerar mais caixa e agradar acionistas. As vendas para o varejo, que cresceram 15% em 2010, agora evoluem em um ritmo mais fraco, por volta de 10%, segundo fonte ligada à empresa. Além disso, a Hypermarcas carrega uma dívida de R$ 2,8 bilhões, conforme relatório do segundo trimestre. Quase metade dela está em dólar – e vem evoluindo conforme a valorização da moeda americana.

A ordem agora é mudar de rumo. Na tentativa de voltar aos trilhos, a Hypermarcas está deixando de ser uma empresa com mais de 4 mil itens, que incluem desde alimentos e artigos de limpeza a higiene pessoal e medicamentos. O foco serão produtos de bem estar, que respondem por 36,9% da receita, e farmacêuticos, que correspondem a 56,3%.
Para isso, foi criado um plano estratégico para 2011 (que deve continuar valendo também no primeiro semestre de 2012). Algumas medidas já foram tomadas. Boa parte dos lançamentos – que chegaram à média de um por dia – vem sendo engavetada para conter gastos. A frenética máquina de compras da Hypermarcas desacelerou. A companhia não pretende gastar mais nenhum centavo com aquisições – pelo menos por enquanto.

Margem. Mas dentre todas as medidas já tomadas, a que mais surpreendeu foi a decisão de vender fábricas e marcas. Pelo menos desde maio, Etti e Assolan estão à venda. “O que a companhia quer é ficar só com os produtos que proporcionem melhores margens de lucro”, diz um concorrente. Tanto no setor de limpeza quanto no de alimentos, o número de concorrentes cresceu muito. Na época em que Júnior comprou a Etti, por exemplo, não havia mais do que 30 marcas de molho e extrato de tomate. Hoje, o mercado calcula que elas sejam quase 400.

A Hypermarcas não diz quem são os interessados nos dois negócios, nem qual o preço deles. Mas espera-se que Etti e Assolan sejam vendidas até o fim do ano, por algo entre R$ 370 milhões e R$ 444 milhões, segundo fontes próximas à empresa.

Se concretizadas, as vendas devem dar algum fôlego à companhia. “Na pressa para fechar compras antes de outros concorrentes, a Hypermarcas pagou muito caro por alguns ativos”, diz Francisco Kops, analista de investimentos da Planner Corretora. “A companhia acabou ficando muito endividada”, acrescenta.

No fim de junho, a dívida da Hypermarcas era 3,5 vezes seu lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização, ou Ebitda (na sigla em inglês). “É uma relação muito alta”, diz Kops. Quanto maior esse número, menor a folga da empresa para honrar débitos com credores.

Daí a ordem dada dentro da empresa: gerar caixa. “Depois de um ano como o de 2010, era preciso parar para respirar”, diz uma fonte ligada à fabricante. Só no ano passado, a Hypermarcas fechou dez aquisições, dentre elas a maior de sua história, a do laboratório Mantecorp, por R$ 2,5 bilhões. “A empresa imaginava levar de cinco a sete anos para chegar a esse ponto”, diz a fonte. Mas seu crescimento e o ritmo das compras se aceleraram mais do que o planejado.

Gerar caixa, porém, não será fácil. Primeiro, porque boa parte da dívida (US$ 750 milhões) da companhia é em dólar. Só no mês passado, a moeda americana subiu 17,94%. “Como foi feito ‘hedge’ (proteção contra perdas) só para os juros e serviço, o principal da dívida varia conforme o câmbio”, diz Daniela Bretthauer, analista-chefe da divisão de bens de consumo e varejo da consultoria Raymond James Brasil. Essa despesa extra por causa da desvalorização do real, segundo ela, está estimada em R$ 220 milhões, levando-se em conta só a variação cambial ocorrida no terceiro trimestre.

Na Hypermarcas, segundo o Estado apurou, os executivos não acreditam que essa despesa irá afetar os resultados. Para eles, a variação gera apenas um “efeito contábil” que não atinge diretamente o caixa. “Isso já aconteceu com outras empresas e o resultado foi bem pior que um simples efeito contábil”, diz Daniela. O efeito contábil, segundo ela, ganha corpo e impacta o lucro. “Os acionistas se cansam e acabam vendendo seus papéis.”

Preços. O varejo também não anda muito contente com a empresa. Durante o primeiro trimestre, a dona das marcas Bozzano e Monange mudou sua política comercial, diminuindo em 15 dias o prazo que supermercados e farmácias tinham para pagamento. “Isso desagradou a muitos varejistas, que deixaram de comprar marcas da empresa”, diz uma fonte do setor.

A empresa também reajustou seus preços no início do ano, temendo uma alta do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O IPI continuou igual, mas os valores já haviam subido. O varejo, que acreditava em boas vendas, havia aumentado seus estoques e, portanto, adiou a reposição, fazendo com que a Hypermarcas perdesse vendas. Por isso, de janeiro a março, houve queda de 3,4% na receita líquida da empresa, levando-se em conta as mesmas marcas.

De abril a junho, o panorama continuou ruim para empresa. Os atacadistas, que também estavam estocados, começaram a fazer promoção de seus produtos. Consequentemente, alguns deixaram de comprar direto da Hypermarcas e procuraram os atacados. “Não compro mais direto deles. Prefiro os atacadistas”, disse o dono de uma rede de supermercados com 29 lojas no estado de São Paulo.

Resultado: no segundo trimestre, a queda na receita líquida foi de 0,6%, na comparação entre as mesmas marcas. Esse ritmo de desaceleração nas vendas, segundo fontes ligadas à empresa, se intensificou depois de julho.
“Fica difícil gerar caixa em uma situação dessas”, disse um analista, que não acredita que a empresa deva se recuperar tão cedo. “Até pelo menos meados do ano que vem, a situação deve continuar a mesma.”

No médio prazo, outro projeto deve dar algum fôlego à Hypermarcas. A companhia está fechando fábricas em imóveis alugados e transferindo linhas de produção para Goiás. A nova fábrica de farmacêuticos, em Anápolis, já está funcionando. A unidade deve ser inaugurada no fim de 2012. A economia calculada é de R$ 55 milhões ao ano. Os cosméticos serão transferidos para Senador Canedo, também em Goiás. Pela primeira vez, Júnior terá de deixar de lado a faceta de empresário agressivo que sempre o marcou. Se vai conseguir ou não, só o tempo vai dizer.
Fonte:OestadodeSP17/10/2011