As decisões que são tomadas em ambiente de negócios devem decorrer de processos mentais racionais. Pelo menos é isso que se espera.

Mas nem só de razão são feitas as negociações empresariais.

Em private equity, sob a perspectiva do investidor – o gestor dos recursos dos outros -, a receita clássica traz muitas colheres de razão, de coisas que têm sentido e que podem ser explicadas com lógica financeira e de negócios a um comitê de investimento. Também leva uma pitada de intuição, para justificar a oportunidade, a crença no sucesso do projeto, mas também a possibilidade do risco, do imponderável.

Gestores e todos os seus assessores (incluindo advogados, contadores, auditores, matemáticos, técnicos de toda ordem) trabalham com premissas racionais, métodos quantitativos de avaliação de empresa, tese de investimento que se sustenta em pilares bem definidos, modelos de governança, princípios de gestão, mecanismos de saída que tenham lógica na busca pela liquidez, regras de indenização que procuram obedecer critérios bem pensados de proteção ao investimento. Nada mais natural. Ninguém prega, muito menos os donos do dinheiro, que isso ocorra de maneira diferente.

Do outro lado da mesa, por sua vez, um fundador, membros de uma família, os donos do negócio, todos igualmente têm expectativas, sabem fazer contas e contam com assessores orientados pela razão.

Diferenças. Todavia, existe uma diferença sutil que está no jeito de pensar uma transação, no sangue que corre pelas veias de um e de outro.
O sangue do investidor vem da cabeça, é mais frio, flui com menos pressão.
O sangue que irriga o fundador é mais temperado, vem das memórias, do que significa aquele negócio em sua vida e na história de sua família, das pessoas, passa pela cabeça, é verdade, mas desemboca no coração. É um sangue emocional. Quem fala pelo fundador nos processos de venda de empresa é a alma.

Não sou especialista em relações humanas, mas, como advogado, desenvolvi habilidade para observar comportamentos. Costumo estar na sala durante as discussões, nas sessões de assinatura dos contratos e nas reuniões de fechamento em transações de fusões e aquisições e private equity. Muitas vezes pelo investidor, comprador. Outras vezes pelo fundador, vendedor. Confesso que não tenho preferência por um lado ou por outro.

Cada negociação é sempre diferente de outra, mas tenho percebido uma cena recorrente.

O negócio está fechado e, na hora do tradicional brinde com champanhe, vendedor e comprador são tomados por emoções diferentes. Mesmo quando faz um excelente negócio, o vendedor invariavelmente chora: não está completamente feliz. Perdeu algo ou parte de algo que lhe era precioso. Sua alegria é ambígua. No mesmo recinto, diante daquela situação, o comprador sequer fica com os olhos marejados. A alegria do comprador, ao menos naquele momento, é mais pura.

No contexto dos investimentos de private equity, os direitos políticos e de informação e as cláusulas de saída normalmente são fortes, duras, contundentes, em benefício dos investidores. E isso é da essência do private equity. Alguns fundadores ficam melindrados quando têm o primeiro contato com o cardápio completo e a extensão de tais direitos. A emoção aflora.

Durante as negociações, não raras vezes presenciei um gestor de private equity perder a estribeira ao ter que enfrentar reiteradas discussões irracionais trazidas por um fundador a respeito de temas considerados banais.

Tal embate, truculento, arrogante, carregado de tom professoral, quando não mata a negociação, contribui para comprometer a relação de confiança entre potenciais sócios.

Na minha convivência com gestores de fundos de private equity, incluindo os meus clientes e os clientes de outros advogados, passei a admirar não os profissionais de private equity de estilo agressivo, mas aqueles que têm dom, jeito, paciência, educação e sensibilidade para compreender o conflito que existe entre razão e emoção do lado do fundador, e, que, com isso, acabam conseguindo superar os obstáculos, concluindo as negociações com elegância, deixando sensação boa para ambos os lados.

Esses profissionais gostam de gente, respeitam opiniões e sentimentos diferentes e têm especial talento para construir relação duradoura com os seus sócios – relação essa que é construída desde antes do investimento, cultivada durante o investimento e mantida mesmo depois do desinvestimento – e também com os seus advogados. Para o meu privilégio, alguns desses craques da indústria de private equity ficaram meus amigos. Por Henry Sztutman, Sócio De Pinheiro Neto Advogados,
Fonte:estadao5/12/2011